Excelências e belezas do Santo Rosário

Certa ocasião, Dr. Plinio afirmou que, se soubesse que algum de seus filhos espirituais tinha deixado a prática da comunhão diária, recearia muito por sua perseverança na vocação. Contudo, muito mais aflito ficaria se soubesse que o pobre homem tinha abandonado a reza diária do Rosário. Pois romper esse liame com a Mãe de Deus e nossa Mãe se- ria indício de grave derrapagem na vida espiritual.

Nos comentários de Dr. Plinio transcritos nestas páginas transparece seu alto apreço pela devoção marial por excelência.

Não há dúvida de que o Rosário ocupa privilegiadíssimo papel na história da piedade católica. Senhora, e atrai para ele toda sorte de graças celestiais.

Em segundo lugar, porque afugenta o demônio. Satanás tem ódio e terror do Rosário. Se alguém estiver sendo alvo de uma tentação, tome fervorosamente o Terço nas mãos e ver-se-á fortalecido contra a investida do inimigo de nossas almas.

Excelente meio de venerar a Mãe de Deus, é o Rosário causa de uma incalculável torrente de bênçãos efundida sobre a Cristandade. Por isso, os Papas – como outras autoridades eclesiásticas – não se cansam de elogiá-lo, enriquecendo-o com muitas indulgências. Se tal não bastasse, a Santíssima Virgem, querendo Ela mesma incentivar essa inestimável devoção, mais de uma vez apareceu trazendo nas mãos virginais o piedoso instrumento.

Mistérios gozosos e gloriosos

Meio tanto mais excelente quanto constitui uma meditação das vidas de Nosso Senhor Jesus Cristo e de Nossa Senhora. Cada dezena corresponde a um fato.

Os [mistérios] gozosos são aqueles que, no sentido nobre da palavra, deram razão para gáudio aos Sacratíssimos Corações de Jesus e de Maria. Começando pela alegria da Anunciação, quando se realizaram as castas e indissolúveis núpcias de Nossa Senhora com o Divino Espírito Santo, e Ela conheceu que Deus se servia de suas entranhas puríssimas para a encarnação do Verbo, o qual assim se tornava também filho d’Ela.

A Visitação, em que Ela é saudada por Santa Isabel e entoa o Magnificat, o maior hino de alegria e de vitória que uma pessoa tenha cantado em toda a história! As ale- grias do Natal, de que podemos ter pálida ideia se recordarmos os natais que já festejamos, e a emoção que nos toma ao nos acercarmos de um presépio para oscularmos os pés do Menino Jesus. Isto nos permite imaginar a indescritível felicidade de Nossa Senhora naquela bendita noite em que veio ao mundo o Salvador, e a própria alegria d’Ele, ao nascer para a grandiosa missão que O trazia do Céu à terra!

A Apresentação no Templo. A felicidade com que o Menino-Deus se comunicou aos homens, de tal maneira que o Profeta Simeão cantou a glória d’Ele, profetizando tudo quanto Ele seria. E Nosso Senhor, frágil criança, na aparência sem entender, compreendia e inspirava aquele cântico.

Depois, o Encontro de Nossa Senhora e de São José com o Divino Infante no Templo. No momento em que, discutindo com os doutores da Lei, o Menino Jesus resplandecia por seu talento e por sua instrução acerca das Escrituras, viu seus pais se aproximarem… Para Ele deixou de haver tudo: só teve olhos para Nossa Senhora que entrava. A alegria de consolá-La, de pôr fim ao sofrimento d’Ela e ao de São José. Que felicidade!

Tudo isso constitui uma série de deleites extraordinários.

Apenas por facilidade de comentário, passemos dos Mistérios Gozosos do Rosário para os Gloriosos. Muito mais do que a simples alegria, a glória! Esta inicia-se com a Ressurreição: três dias após a morte de Jesus, o sepulcro onde Ele jazia se enche de Anjos, se põe a estremecer. As ataduras caem de seu corpo santíssimo, um perfume mais excelente que o dos unguentos se faz sentir, Nosso Senhor resplandece da glória dos ressurrectos. De cada uma de suas chagas, de cada lugar ferido em sua carne é um sol que nasce! Ele se ergue, atravessa de modo fulgurante a laje do sepulcro e vai ao Cenáculo, encontrar-se com Nossa Senhora!

Como se não bastasse o ressuscitar a si próprio, a glória da Ascensão: o Homem-Deus sobe aos Céus diante de seus apóstolos e discípulos. A atmosfera inteira está feérica de Anjos e de luzes, a natureza se faz dulcíssima, os pássaros cantam, as flores se abrem, as nuvens resplandecem, o azul do firmamento parece uma só e imensa safira. Encantamento geral. Em certo momento, percebem que Nosso Senhor está desaparecendo. Ele sobe, sobe, sobe… Na Terra ficam apenas os homens. Mas a glória d’Ele cobre tudo, de maneira que, quando já ninguém O vê, os homens caem em si: acabou.

Acabou? Não. Outra glória começa: está ali Nossa Senhora que reza recolhida, extasiada. Tem início a presença simbólica d’Ele, ali mesmo, por meio d’Ela.

Em seguida, o terceiro Mistério Glorioso. Nossa Senhora reza com os apóstolos no Cenáculo. A Igreja é pequena, nova, fraca, caminha indecisa entre tantos escolhos e perigos. De súbito, o Espírito Santo desce em forma de chama sobre a venerável cabeça da Rainha do Céu e da Terra. Essa chama se divide em doze e paira sobre os Apóstolos.

Transportados pelo Espírito Santo, transformam-se em outros homens que, entusiasmados, começam a pregar e a ensinar a doutrina do Divino Mestre. Mais uma vez, a glória de Deus resplandece.

Chega o momento da Assunção de Nossa Senhora. Cer- to dia, um sono ligeiríssimo se transforma em morte. Mais virginal do que nunca, conservando ainda todo o esplendor da juventude dentro da respeitabilidade da ancianidade, Maria Santíssima passou pelo sono dos justos, como um lírio que se colheu e se depositou sobre o altar. Sem conhecer a corrupção do túmulo, também Ela ressuscitou, e também começou a subir aos Céus, rodeada de Anjos que A glorificavam.

O Céu, morada eterna da alegria insondável, da felicidade e da glória imutáveis, tornou-se ainda mais paradisíaco quando Nossa Senhora ali ingressou. Ela, a Medianeira de todas as graças, tomou assento aos pés do Trono da Santíssima Trindade, e foi coroada pela Trindade Beatíssima. É o quinto Mistério do Rosário: a glória de Nossa Senhora no Céu.

Dois píncaros de suma elevação: um, cheio de suavidade, de doçura, de discreta resplandecência dos prazeres de alma íntimos e serenos. Outro píncaro, o das grandes e régias glórias.

Trágicas magnitudes dos Mistérios Dolorosos

Entre os dois ápices, porém, há um vale profundo… É o da dor! No que neste vale há de mais tenebroso, sanguino- lento e negro, ergue-se um monte, geograficamente pequeno, entretanto o mais alto monte da Terra: o Calvário! Neste Calvário, uma Cruz. Junto à Cruz, Nossa Senhora. De pé, heroica, vertendo seu pranto de Mãe transpassada de aflição. Cravado nessa Cruz, padecendo inenarráveis dores, com sofrimentos inimagináveis, o Homem-Deus que expira: “Meu Deus, Meu Deus, por que me abandonastes?…”

São os Mistérios Dolorosos!

A Agonia ou, como se costuma dizer, a Oração de Nosso Senhor Jesus Cristo no Horto das Oliveiras. Agonia em grego significa luta. Por que luta?

Porque Ele sabia que Judas O estava vendendo. Ele sabia que [os esbirros dos fariseus e dos sacerdotes] viriam para prendê-Lo. Ele sabia que sua Paixão iria começar em breve. Ele conhecia todos os aspectos morais e físicos dessa Paixão. Media, ponto por ponto, todas as ingratidões, maldades, injúrias, friezas e perversidades que fariam contra Ele ao longo daquele caminho. E media as dores que tudo isso causaria à sua Mãe Santíssima. Gotas de sangue irrompem em sua Face, transformam-se em filetes que Lhe escorrem pela barba, embebem sua alva túnica e tingem o chão pedregoso do Getsêmani.

Aparece então um Anjo e Lhe dá de beber um cálice contendo algo que O consola, que Lhe confere forças extraordinárias de alma e de corpo. Ele se recompõe inteira- mente e se levanta como um gigante, como um sol, e parte para o supremo sacrifício da Redenção.

Na Agonia, a alma santíssima de Nosso Senhor sofreu de modo inenarrável. E por corolário, à maneira de refle- xo, esse sofrimento espiritual ocasionou o suor de sangue. Mas, de si, o corpo sagrado de Jesus ainda não fora atingi- do. Começou a sê-lo na flagelação. É o segundo Mistério doloroso. Um contraste pungente entre a mansidão, a bondade, a voluntária incapacidade de defender-se, de um lado; e o ódio brutal, estúpido, cruel, de outro lado. No meio de bofetadas, gargalhadas e empurrões, Nosso Se- nhor é preso à coluna. Com açoites tremendos, os esbirros começam a fustigá-lo furiosamente. Jesus se põe a gemer. Gemidos de insondável doçura, gemidos harmoniosos, saí- dos de um corpo que se contorce de dor pela brutalidade do tormento que padecia. Pedaços de carne caem no chão, e é carne do Homem-Deus! Seu sangue salvador corre aos borbotões.

Depois temos a Coroação de Espinhos. Por todos os títulos, divinos e humanos, Nosso Senhor Jesus Cristo foi e é verdadeiramente Rei. Insensíveis àquela realeza evidente, que se irradiava do Homem-Deus como a luz se irradia do sol, movidos por estados de espírito diversos, [seus cruéis e irredutíveis adversários] resolveram matá- Lo. E para provar que Ele não tinha poder, nem sabedoria, nem divindade nem realeza, colocam-Lhe, como numa encenação de comédia, a coroa de espinhos sobre a cabeça. Que padecimentos, não apenas físicos, mas sobretudo morais!

Porém, posto naquele trono de irrisão, sentado nele com a mansidão de um cordeiro, tinha Jesus entretanto a altanaria de um leão e a excelsa dignidade de um Rei sentado em seu régio sólio, como quem diz: “Ninguém me abaterá, porque Eu sou Eu, sou Filho de David, mas, sobretudo, sou Filho de Deus!”

Por fim, levam-No à morte. É o carregamento da Cruz até o alto do Calvário. Nosso Senhor não sorriu em face da dor. Quando sua hora chegou, tremeu, se perturbou, suou sangue diante da perspectiva do sofrimento. E neste dilúvio de apreensões, infelizmente por demais fundadas, es- tá a consagração do heroísmo d’Ele. Jesus venceu os brados mais imperiosos, as injunções mais fortes, os pânicos mais atrozes. Tudo se dobrou ante a vontade humana e divina do Verbo Encarnado. Acima de tudo, pairou sua de- terminação inflexível de fazer aquilo para que havia sido enviado pelo Pai. E quando levava sua Cruz pela rua da amargura, mais uma vez as forças naturais fraquejaram. Caiu, porque não tinha forças. Caiu, mas não se deixou cair senão quando de todo não era possível prosseguir no caminho. Caiu, mas não recuou. Caiu, mas não abandonou a Cruz. Ele a conservou consigo, como a expressão visível e tangível do propósito de a levar ao alto do Gólgota.

O Gólgota, o mais alto monte da terra…

Prece dos fortes e dos batalhadores

O Rosário é a prece dos fortes, é a súplica dos batalha- dores, porque é um conjunto de orações de tal eficácia que faz avançar o bem e recuar o mal.

Veja-se, por exemplo, o episódio da conversão dos albigenses. A heresia promovida por estes – que tiram seu no- me da cidade de Albi, na França – espalhou-se mais ou menos por toda a Europa.

Durante três dias, sozinho, São Domingos não faz senão rezar e jejuar, suplicando a Nossa Senhora que Ela vences- se a dureza de alma dos albigenses e os incitasse à conversão. Por fim, sem alcançar nenhuma resposta do Céu, ele cai desfalecido, elevando à Santíssima Virgem uma última prece: “Minha Mãe, não tenho mais forças, mas em Vós continuo a confiar. Vós sabereis o que fazer de minhas pobres orações”. E continuava a rezar, enquanto seus lábios pudessem articular alguma palavra.

É nesse momento de extrema angústia que Nossa Senhora lhe aparece e lhe revela, de uma vez, a grandeza e a magnificência do Rosário. Em seguida, encoraja São Do- mingos à luta contra a heresia. Munido da poderosa arma que lhe confiou a Mãe de Deus, o Santo corre para a Catedral, e começa a pregar. O Céu o prestigia: primeiro, os si- nos começam a tocar por mãos de anjo; logo depois, raios e trovões fizeram estremecer o povo ali presente.

Como o temor prepara para o amor! São duas escadas que, juntas, conduzem o homem à união com Deus. Uma, de nobre granito, o temor. Outra, de ouro, o amor.

Desejando a Providência preparar aquelas almas endurecidas para amarem a Deus na palavra inflamada de São Domingos, incutiu-lhes antes o terror da ira divina. Depois, à medida que São Domingos falava, sucedeu o mesmo que quando Nosso Senhor ordenou que a tempestade amainasse. A borrasca cessou, e os ouvintes compreenderam que a palavra daquele homem era poderosa diante de Deus. A Pro- vidência lhe conferira o duplo poder de desencadear e de suspender as punições, como lhe dera a força de tomar as almas arrependidas, trêmulas e envergonhadas, e trazê-las para o perdão, para a contrição, para o amor de Deus.

São Domingos, o que pregou? Ele pregou o Rosário.

Segundo a história da Igreja, a partir do momento em que o Rosário começou a se difundir, a heresia albigense foi perdendo terreno, porque sofrera irremediável golpe no que ela tinha de mais vital.

O Rosário representa, assim, magnífica arma de guerra. Dessa forma de guerra tão mais importante, na qual o católico luta pelos interesses da verdadeira Igreja de Deus, pela causa de Nossa Senhora, combate o demônio e os inimigos de sua própria salvação.

A prática do Rosário, portanto, deve ser uma característica do católico de todos os tempos, sobretudo os que vi- vem neste paganizado século XX, em que tudo conspira contra a virtude e a Fé. Tão eficaz nos dias de São Domingos, vitorioso contra os albigenses, o Rosário o será ainda mais contra a impiedade deste fim de milênio. Pois não há razão alguma para pensar que ele perderá sua força numa época em que ela se faz mais necessária.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

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