Há um jogo das almas fiéis e infiéis, inclusive das vítimas expiatórias, que conservam ou degeneram as instituições. Em vista disso, Deus vai criando outras almas, suscitando vocações, dando graças para realizar seu plano, porque em sua infinita bondade Ele concedeu a algumas almas a honra de marcarem o rumo da História.
Muitas pessoas, por causa do abuso da noção de misericórdia, formam uma ideia de vida espiritual completamente diferente do que ela é realmente. O que a vida espiritual tem de mais interno é a vida da graça em nós, uma participação criada na própria vida de Deus, recebida pelo Batismo. Esta é a graça santificante, perdida apenas pelo pecado mortal.
Tanques de guerra e gases que vivificam ou matam
Há também incontáveis graças atuais, dentro de toda uma escala de intensidades – desde as suficientes até as superabundantes –, por onde a pessoa recebe graças ora em maior, ora em menor profusão, seja por um efeito da justiça ou da misericórdia divina.
Quando Deus resolve realizar suas grandes intervenções na História, as graças mais assinaladas e marcantes não são como esses favores comuns que Ele concede para cada indivíduo todos os dias, mas o Criador destina algumas pessoas que, por vezes, são até modeladas naturalmente para a tarefa à qual Ele as destina.
Em atenção ao amor que Deus tem a essas pessoas – antes mesmo de tê-las criado, porque representam, dentro da sabedoria d’Ele, um papel especial nos planos divinos –, seja em virtude das atitudes delas mesmas, seja da correspondência ou incorrespondência daqueles chamados a rezar e a sacrificar-se por elas, essas pessoas podem estar dotadas de uma força de impacto na História que a leva avante.
Para usar duas imagens bélicas, seria como um tanque de guerra que avança sobre um muro e o derruba, podendo atravessar até todo um quarteirão em linha reta. Essas pessoas são os tanques da História. Ou como os gases que, uma vez soltos, não há arma nem vedação que os detenha. Eles entram por todas as frestas, se insinuam e, neste caso, vivificam ou matam: destroem as instituições que não deveriam existir e vivificam as pessoas.
Os eleitos são o eixo do amor de Deus…
Então, Deus tem planos imutáveis que Ele realiza, pequem os homens quanto pecarem ou pratiquem os atos de virtude que praticarem; são planos que Ele traçou e executa. Os antigos sentiram esses planos e chamavam isso de fatalidade.
Mas depois há planos que dificilmente Deus modifica. E se os modifica, fá-lo nos acidentes em parte, mas não no todo.
Por fim, há planos que Ele de todo em todo abandona, por assim dizer entrega ao próprio destino. Isso tudo se entrecruza e se mistura dentro de uma aparente desordem, e precisa ser visto mais ou menos como no urbanismo, em que existem algumas avenidas que, dada a topografia, são necessárias à cidade, outras podem adaptar-se às circunstâncias, e outras são totalmente supérfluas.
Tudo em função da glória de Deus e dos eleitos que, como um corpo, dizem respeito à glória d’Ele mais especialmente.
Há dois modos de alguém demonstrar que tem um plano. Um é seguir no rumo retilíneo e chegar até o fim. Outro é, atravessando os piores e mais variados obstáculos, dirigir-se invariavelmente para o mesmo rumo. É uma forma de força do plano.
Deus combina os dois métodos, às vezes aquinhoando regiamente de obstáculos alguns, para depois fazê-los brilhar mais esplendidamente, quase como sendo os autores do plano que realizaram.
Entretanto o arqui-plano de Deus consiste em auferir do curso das coisas – para falar em linguagem humana – uma determinada quota de glória. Compreendendo bem que uma vez que o Onipotente criou seres inteligentes e livres em número incontável, dentre essas criaturas muitas haveriam de fazer o contrário do que Ele quer.
Logo, estava na índole das coisas que aconteceria muito do que Deus não quer, como condição, por assim dizer, para haver Criação. E dentro da quota sem a qual a Criação ficaria sem seriedade, Ele teria que deixar a esse jogo uma flexibilidade maior ou menor, tirando dessa própria flexibilidade uma espécie de super-glória para os eleitos que são o eixo do amor d’Ele e o centro do plano. De maneira que, da existência do mal e da maldade que se efetuou, redunda um aumento de glória, quer para Ele, quer para os eleitos.
…mas seus pecados pesam muito para que Ele modifique seus planos
Por exemplo, tudo quanto aconteceu a São Miguel Arcanjo redundou para Deus num aumento de glória. E como as nossas coisas estão postas dentro do tempo, elas não são fulgurantes como as de São Miguel Arcanjo, mas se entrelaçam mantendo sempre uma constante: para os eleitos, os mais bem-amados de Deus, isso dá numa redundância de glória a Ele, de um jeito ou de outro.
Sem dúvida, todos foram destinados ao Céu. Contudo, alguns têm uma vocação específica, uma providência especial e são diletos particularmente. Entretanto, se a pessoa dileta não enfrentar os obstáculos, dependendo dos desígnios divinos, da gravidade do pecado, caso não seja confirmada em graça, ela pode perder-se. Embora Deus possa ter pena dela e salvá-la “in extremis”.
No entanto, se essa alma eleita recusar e se perder, Deus suscita – estou falando em linguagem antropomórfica – dentro da História outras almas que de algum modo compensam com vantagem. Quer dizer, nunca acontecerá que o poder de Deus para suscitar almas eleitas seja liquidado pelo adversário.
Os eleitos, no sentido em que o foi o povo eleito e o é a Igreja Católica, ocupam um lugar muito importante nos planos de Deus, mas as ofensas por eles cometidas têm na justiça divina um papel muito grande. Deus é misericordioso com eles, mas seus pecados O ofendem especialmente e pesam muito para que Ele modifique seus planos.
Às vezes, Deus suscita um vingador que destroça a confusão
Então, a História toda gira em torno das gratidões e ingratidões dos eleitos. Muitos dos sinais sinuosos, espantosos da História, inclusive com o afundamento ou aparentes soçobros de instituições, estão relacionados com pecados cometidos nas próprias instituições, as quais, conforme sua correspondência ou incorrespondência à graça, ficam com uma certa liberdade, concedida por Deus, de traçar os planos da História, pairando sobre elas uma glória ou uma culpa extraordinária pelos rumos da humanidade.
A Providência, de vez em quando, suscita um vingador dos planos divinos malbaratados, que não é necessariamente aquele que castiga, mas quem destroça a confusão. Esse, então, restabelece a clareza do rumo e as almas andam.
Há, portanto, todo um jogo das almas fiéis e infiéis, inclusive das vítimas expiatórias, que conservam ou degeneram as instituições, e um conjunto de misericórdia e justiça do qual só Deus tem conhecimento. Então, Ele vai criando outras almas, suscitando vocações, dando graças para realizar um plano, porque em sua infinita bondade Ele concedeu a algumas almas a honra de marcarem o rumo da História junto com Ele. v
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 26/1/1980)