Profundo conhecedor da simbologia dos animais e da psicologia dos homens, dos povos e até das civilizações, Dr. Plinio, com base na projeção de dois filmes(1), tece interessantes comentários sobre o cavalo, o touro, o pavão e o cisne, analisa os modos de ser dos latinos e dos não latinos ocidentais, focaliza as características do austríaco e do espanhol, e afirma que suas qualidades são frutos da civilização cristã e, no fundo, do Sangue de Cristo e das lágrimas de Maria.
Todos ficaram empolgados com o que se passou. A reação dos presentes neste auditório foi como a de um só homem: entusiasmados!
Agora, devemos como que passar novamente o filme em câmara lenta, dentro de nossas cabeças, para perceber quais são as razões desse entusiasmo.
O cavalo e o touro
A primeira razão é a impressão que se tem do risco que aquilo causa, e da marcha do cavalo e do cavaleiro diante do perigo. Há um gosto, uma espécie de alegria, de euforia de se atirar dentro do risco. Tem-se a impressão de que o risco produz psicologicamente, no cavalo e no cavaleiro, como que um arejamento fresco e agradável. Cavalgar dentro do risco e do imprevisto; improvisar, ali na hora, as coisas que devem ser feitas: avançar, recuar, etc. E tudo realizado de acordo com uma certa regra interior, que faz exatamente a beleza do jogo.
O cavalo corre muitíssimo bem! Ele tem um passo lindo e audacioso. Esse cavalo mereceria ter o nome de Relâmpago ou de Corisco. Dir-se-ia — não é assim, porque é puro instinto — que o animal possui uma noção raciocinada do que está se passando, e que acha uma verdadeira beleza jogar-se para a frente e raspar no perigo. Tem-se a impressão de um bem-estar do cavalo — não estou falando do cavaleiro — na hora em que o touro avança contra ele, quase raspa… e ele sai com elegância!
Parece que o cavalo diz: “Touro, você não é senão touro; eu sou cavalo, sou elegância, força e garbo; você é massa bruta, mera força. E, por causa disso, posso raspar-me em você e até permitir, se for o caso, que seu chifre me risque, e eu ter a alegria de ter raspado pelo perigo e saído vitorioso!”
Realmente, o cavalo possui uma série de reações que lembram as do espírito humano. Certos tipos de homens, colocados diante do perigo em várias circunstâncias da vida, têm atitudes assim; e não só quando correm risco de vida, mas numa argumentação, numa jogada política, ou qualquer outra coisa. O touro, não. Ele é forte, e agrada-nos ver aquela força, mas não tem expressão; não possui nada de “humano” na atitude dele. No cavalo há qualquer coisa pela qual, por algum lado, ele parece transcender — não transcende — a mera condição de bicho e entrar um pouco no reino dos homens, pelas atitudes que demonstra.
O pavão e o cisne
Aliás, isso se dá com mais de um animal. É muito bonito perguntar-se quais os desígnios de Deus, tendo feito isso assim. Por exemplo, o pavão, com aquela sua roda e atitudes. Prestem atenção quando ele abre a roda. Não percam muito tempo olhando para a cauda dele, que é lindíssima; reservem para outra ocasião. Observem o pescoço dele e os ares que toma: ares de superioridade, como quem diz: “Eu sou dono desta roda magnífica atrás de mim; mas não é somente uma exposição de penas que levo comigo: sou superior; olhem a minha marcha, o meu pescoço todo feito de joias, a posição de minha cabeça! Observem o meu olhar, o meu bico! Eu sou o pavão!” Há qualquer coisa nele que demonstra uma expressão para-humana.
Uma muita bonita expressão tem também o cisne, entretanto tão menos ornado do que o pavão, o qual, com aquela sua joalheria toda, é um dos animais mais belos que Deus tenha criado. O cisne é de uma cor só: branco ou preto. Mas vejam o seu jeito de deslizar sobre as águas! Quando quer se mover um pouco, nota-se que ele faz um leve movimento por debaixo d’água, e desliza… Tem-se a impressão de que ele se contempla nas águas, e que estas ficam contentes de refleti-lo.
São duas formas de beleza — a beleza ornada do pavão e a beleza singela do cisne — levadas pelo Criador a uma perfeição que nos deixa pasmos.
O delicioso licor do risco
Quanto à cena a que acabamos de assistir, vê-se que o cavalo participa do heroísmo de quem o monta. O verdadeiro cavaleiro sabe transmitir alguma coisa de sua personalidade ao cavalo. Este é destro, esguio, cheio de movimentos ágeis e, quando raspa pelo perigo, tem euforia. Quando o cavalo dá aquela volta diante do touro para que o cavaleiro crave a “banderilla”, e em que o touro quase raspa nele, seria comparável a um homem que está bebendo um licor e dá seu melhor trago. É o delicioso licor do risco!
Aqui entra um ponto do qual, embora um pouco à margem do tema, pode-se tratar dele muito de passagem.
Em geral, o homem contemporâneo quer proporcionar para si e aos outros uma existência deliciosa. E para isso quer afastar o risco e levar uma vida boa, evitando ao máximo que alguém seja ferido, contundido. Pessoas assim não compreendem que a criatura humana, por sua natureza, tem um certo gosto do risco, o qual é um dos elementos para tornar feliz a vida. E afastar o risco da existência de homens que sentem apelo ao risco, significa lhes prejudicar a vida.
O bonito na cena que vimos não é só o avanço do cavaleiro, mas também quando ele dá umas investidas e sai fugindo. A atitude do cavalo e do cavaleiro não é de fugir, dando as costas ao touro e sair correndo. Vão de lado… E um ir de lado procurando tornear o touro, para fincar mais uma “banderilla”! É a imagem da distância psíquica(2).
Olhando-se o toureiro e o cavalo, nota-se que os dois estão numa posição em que não têm medo; não perderam a noção da realidade e só estão procurando dar uma volta com elegância e com distinção, para espetar mais uma farpa!
O homem tem necessidade de lutar
Aí entra outra coisa: o prazer de vibrar um golpe. É um gáudio superior!
Naturalmente, não pode ser um prazer bárbaro. Não é o gosto do homem justo que vibra o golpe em outro homem justo. Mas há ocasiões em que o justo se vê numa luta com o injusto, em que ele tem obrigação de dar o golpe. É belo que o homem, em presença do mal, goste de calcá-lo aos pés. Na sensação de ter dado o golpe que atinge o alvo, o homem se realiza inteiro.
Eu não estou a par dos programas de ensino hoje em dia, mas acho muito provável que nos assuntos escolhidos para composições, os temas do golpe, da força, da luta contra o mal não entram nunca. Julga-se com isso proporcionar uma infância e uma adolescência desanuviada e alegre.
Não é o que conseguem… porque há no homem, concebido com o pecado original, e posto em presença do mal, uma necessidade pessoal de enfrentar riscos, de lutar e de golpear. Bem entendido, na ocasião justa, quando há propósito, não levado por um furor estúpido, mas por altos desígnios da Fé, e de maneira sumamente equilibrada. São impulsos que, quando dominados pela Moral católica e orientados para o bem, dão vazão a tendências da natureza humana que precisam ter a sua vazão! Portanto, está direito. É o lado que me parece esplendoroso dessa luta.
Há um outro aspecto. Todos sabem que se o homem não toma cuidado, facilmente se torna teatral. E o lado fraco do homem é quando ele sofre alguma coisa qualquer e procura chamar a atenção dos outros sobre si. Entretanto, no filme a que acabamos de assistir, três ou quatro homens estiveram deitados no chão, logo após ter entrado na arena um touro particularmente excitado. Mas mantinham-se com dignidade, pois em nenhum momento tiveram uma atitude de drama, esperando que todo mundo estivesse torcendo por eles, como se fossem uns colossos.
Nada disso! Estavam deitados no solo, o que era razoável, e sabiam que o socorro viria. Cada um deles, quando entrou nessa espécie de corrida, sabia que isso podia acontecer. Aconteceu, não deve espantar-se! Agora, aguente com dignidade! Não comece a gritar: “Ai, ai, ai!” Fique deitado, porque o socorro médico vai chegar. Não há a dramaticidade romântica do século XIX.
O latino e o não latino
Existe um dado que caracteriza os latinos em geral, filhos da Península Ibérica — espanhóis e portugueses igualmente —, embora com tonalidades diversas.
Mas falemos antes dos não latinos. Estes possuem uma construção de espírito pela qual têm uma espécie de desconfiança da própria sensibilidade. A razão desconfia que a sensibilidade possa levar a qualquer desordem. E não há tourada de não latino. Eu não conheço…
O não latino entraria na tourada com medo do medo, portanto estrangulando-se para não ter medo. Assim ele avança. É uma coisa digna, mas que toma a sensação como inimiga da razão, e esta sempre dirigindo a sensibilidade com aquela força para evitar que, de repente, a sensação tome conta.
No latino, isso é necessário também, mas de outro modo. Nele a sensação já nasce, muitas vezes, na linha em que vai nascer a razão. Esse conflito da sensação e da razão não se verifica no latino, em quase todas as ocasiões, exceto em algumas…
Vemos que esse toureiro não está prestando atenção em si. Nada existe nele que o faça ter medo de que a coragem lhe pregue uma. Naturalmente, conhece bem o seu ofício, está muito bem treinado; mas todas as sensações que nascem nele são enriquecedoras da razão e tomam uma atitude de impulso, dando a impressão de ser irrefletido, por não se compreender bem como uma coisa se liga à outra.
Eu vi uma vez uma fita, há muitos anos atrás, representando uma história de Júlio Verne. Havia um homem que sobrevoava a Europa num balão. Era um desses ingleses do século XIX, ultra-seguro de si, muito bem vestido, que estava na cestinha do balão, com chapéu coco, bengala e gravata borboleta grande, como se usava naquele tempo.
Ele acabara de sobrevoar a França, com seus castelos maravilhosos, e olhava com certo cuidado, como quem diz: “Castelo, vou te analisar depois, porque se o fizer agora, perco a distância psíquica…”
Depois, o balão desce na Espanha, e o inglês vai andando por uma cidade pequena. Em certo momento, entra numa praça onde se veem mesinhas, cadeiras e uns dançarinos bailando aquelas danças espanholas não muito diferentes das touradas, como, aliás, estas também não são muito diferentes da dança. No meu sentir, há uma inter-relação entre as duas coisas. É um depoimento de um não espanhol que quer muito bem à Espanha.
O visitante senta-se junto a uma das mesinhas, manda vir uma bebida e fica olhando, fleumático e de braços cruzados, aqueles homens e mulheres a dançar. Em certo momento, a animação é tanta que ele se deixa contagiar, a face dele inteira amolece um pouco e uma lágrima sai de um olho. Pouco depois, cessa a dança, ele paga a conta e se levanta pensativo. O inglês procurara o tempo inteiro defender-se contra a sensação, para depois pesar a coisa como era. Nessa cena se mede bem a diferença entre os povos.
Existe até mesmo uma certa analogia entre o modo pelo qual o espanhol cavalga ou dança, e a maneira do espanhol ou português fazer uso da própria palavra. Nós, latinos, vamos falando e não é necessário que seja devagar, para fazê-lo refletidamente. Há uma interação por onde se fala, e a própria palavra produz o pensamento.
Quem visse isto de dentro dos olhos de um inglês diria que entra a irreflexão. Quem observa de dentro da pele de um brasileiro, de um hispano, de um português ou de um espanhol, nota o contrário. Com a pressa daquele cavalo cavalgando, assim também o pensamento percorre aos saltos o tema, nas suas mais variadas diretrizes. E, no fim, tira o chapéu e saúda!
Sou insuspeito para dizer isso, porque costumo afirmar o seguinte: creio que se eu fosse passar seis meses na Alemanha, ao cabo desse tempo estaria tão habituado que me sentiria nascido naquele país. Portanto, por conaturalidade; e na Inglaterra também. Eu gosto muito dos ambientes onde se fala pouco, se pensa antes de falar, se bebe um trago antes de pensar, onde as coisas andam devagar. Eu aprecio e sei entrar dentro desse papel.
Estilo holandês… Lembro-me de um quadro representando o interior de uma casa de pescadores flamengos. Numa cabana estão quatro homens, lobos do mar, conversando… Todos estão quietos e têm nas mãos umas taças com alguma bebida típica. O quadro poderia chamar-se: “Conversação de quatro amigos”.
Eu compreendo e entraria dentro disso. Mas como sei estar também dentro do meu papel natural, entendo as diferenças e vejo as belezas nas obras de Deus. Acho que é uma tolice querer daí fazer com que um caçoe do outro. Não! É preciso que cada um entenda bem como é o jogo, qual é o papel do outro.
É debaixo desse ponto de vista que eu interpreto a tourada.
[A seguir, Dr. Plinio passa a comentar a projeção sobre a Escola Espanhola de Equitação de Viena.]
Alemanha guerreira e Áustria diplomática
Para interpretar esse filme, há que conhecer um pouquinho as linhas gerais da História da Áustria e do seu temperamento.
A Áustria é uma parte do mundo ocupada pelo povo alemão, mas com características próprias. Uma das particularidades do povo alemão é a expansão: tendem a se prolongar para além de suas fronteiras. Basta folhear um livro de História da Alemanha para se perceber as várias tentativas de satisfazer essa tendência.
Quando se quer conquistar a casa de alguém, há duas possibilidades: uma é a força e a outra o jeito. Quanto a este, a pessoa chega à residência e diz, com amabilidade, por exemplo: “Olhe, vim aqui fazer uma conversa.” Senta-se, inicia uma prosa muito agradável, muito gentil… Depois, em última análise, percebe-se que o homem calculou que havia naquela casa uma moça, única herdeira da família, com quem ele se poderia casar. De maneira que, chegando lá e conversando muito amavelmente, o indivíduo acaba casando com a jovem e herdando a casa. Então, sem brigar, e de um modo aveludado, ele ficou dono da casa, como outro que tivesse brigado. É a diplomacia.
Outro modo seria: bater com a coronha do fuzil na porta até que se abra, e dizer: “Olhe aqui, isso tudo está mal arranjado, mal administrado. Eu sei como fazer melhor. Vá para aquele canto! Agora, eu vou organizar…” E organiza superiormente bem.
O que diferencia a Áustria da Alemanha é que esta é mais guerreira, enquanto a primeira é mais diplomática. A diplomacia é propriamente um traço distintivo da Áustria. Não que ela não tenha tido muito bons guerreiros — ela os teve —, mas não é sua nota dominante.
O lema da expansão da dinastia austríaca, a Casa de Habsburg, em latim, numa época em que todo mundo falava essa língua, se reduzia a todas as vogais: “A, E, I, O, U. Austriæ est imperare orbi universo” — Compete à Áustria mandar no mundo inteiro. Para isso há um método que se exprime assim, em latim: “Bella gerant alii, tu felix Austria, nube!” — Que os outros façam guerras à vontade; tu, Áustria feliz, casa-te.
Imperatriz Leopoldina e Dom Pedro I
Na Áustria havia uma família imperial muito numerosa e prolífica, de maneira que sempre existiam príncipes e princesas para casar onde conviesse. E estes eram educados, desde há muito, por um princípio: o membro da Casa d’Áustria não se casa com quem quer, mas acaba querendo bem a pessoa com quem se casou. Quando recebe ordem da diplomacia austríaca, ele deve, pois, aceitar casar-se com quem for, qualquer que seja o sacrifício ou a dificuldade.
Podemos imaginar o que era a heroica e gloriosa cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, em 1816. Foi nesse ano que D. Pedro I, ainda Príncipe Regente do Reino Unido de Portugal e Brasil, se casou com a Imperatriz Dona Leopoldina. Comparem o Rio com Viena daquela época: era uma diferença fenomenal!
Isso se passou da seguinte forma: em determinado momento, o Rei de Portugal, D. João VI, mandou pedir a mão de uma das filhas do Imperador da Áustria para se casar com o filho dele. Convinha-lhe ter toda essa orla do Atlântico dominada por uma princesa da Casa d’Áustria; e entrar esse sangue na dinastia dos Habsburg era conveniente à Áustria. Por causa disso, era preciso executar. Então, o Imperador da Áustria, Francisco II, chamou Dona Leopoldina e lhe disse: “Recebeste do Príncipe do Brasil, D. Pedro de Alcântara, herdeiro do trono de Portugal, este convite de casamento. Teu pai resolveu que deves ir.” Não houve dúvida: ela veio, viveu e morreu aqui. Adaptou-se à vida no Brasil, entrava na floresta para caçar borboleta, e gostava daqui. Habituou-se.
Uma filha do Imperador da Áustria e Napoleão
Outro caso. Uma irmã dela brincava, em pequena, no quarto de brinquedos dos principezinhos, de enforcar uns bonequinhos chamados “Napoleões”. O grande inimigo da família do pai dela e de seu país era Napoleão.
Quando houve a grande derrota da Áustria, em Austerlitz(3), os austríacos pensavam que Napoleão exigiria condições arrasadoras, porém apresentou-as suaves. Não era próprio àquele homem apresentar nada de suave, mas ele tinha um interesse que explicou: “Faço as condições suaves, contanto que eu receba em casamento a mão de uma das filhas do Imperador da Áustria”.
O Imperador chamou a filha e lhe disse: “Vais casar-te com Napoleão”. Ela se casou com ele, e representou o papel de Imperatriz na perfeição.
Quando Napoleão foi mandado para o exílio, ela retornou a Viena. Depois viveu no Norte da Itália, num pequeno principado que o pai lhe arranjou, e levou a vida que ela quis. Contudo, enquanto existiu o interesse da Casa d’Áustria, ela foi a esposa de Napoleão.
Então essa diplomacia era completada por um grande senso de sacrifício, uma grande disciplina sobre si mesmo, uma grande seriedade. Mas, no lado exterior, muita delicadeza, muita gentileza, muita elegância e muita disciplina.
Carlos V e Filipe II
Dessa forma aconteceu que o maior império reunido sob a direção de um europeu, na História do mundo — maior que o Império Romano —, foi o de Carlos V, Imperador da Áustria. E, depois, Filipe II e os demais reis espanhóis da Casa d’Áustria.
Carlos V era filho de uma princesa espanhola, Joana, a Louca, e de Filipe, o Formoso, Arquiduque da Áustria. Foi Imperador do Sacro Império Romano-Alemão, dominando praticamente, para simplificar, toda a Europa Central, com possessões importantes na Itália; senhor do reino da Espanha, que herdara por parte de mãe; e, com a Espanha, herdou todas as suas colônias.
Filipe II, filho dele, além de ter herdado todas as colônias da Espanha, herdou a coroa de Portugal. Durante algumas gerações, os Imperadores da Casa d’Áustria foram Imperadores do Sacro Império, Reis da Espanha, senhores de todas as colônias espanholas, Reis de Portugal e do Brasil. Portanto, toda a América, desde o México até a Patagônia, do Pacífico ao Atlântico lhes pertencia.
Carlos V dizia com ufania que era o Império onde o sol não se deitava nunca. Como isso foi conseguido? Muita diplomacia, muito jeito e umas tiradas guerreiras de primeira ordem. Em Lepanto, o comandante era D. João d’Áustria, um príncipe espanhol. Assim, vários outros feitos.
O modo de ser nobre do austríaco e do espanhol
É isso que se nota neste filme sobre os cavalos de Viena. Aqueles homens, os cavaleiros, estão numa atitude perfeita, nobre, distinta e elegante. Mas de homens bastante sérios para, sendo necessário, partir para a guerra, e lá serem corajosos.
Eles poderiam ser guerreiros, entretanto vestidos sem uma espada, sem qualquer arma. Entram com solenidade, não numa arena, mas numa sala de palácio, com lustres de cristal lindos e arquibancadas. É uma sala de espetáculos, cujas galerias estão ornadas com flores e faixas vermelhas e brancas, que são as cores da Áustria.
Quando entram, a primeira preocupação é saudar o povo. O público fica logo encantado e bate palmas. Depois disso, começam a dar exercícios sucessivos de disciplina aos cavalos. As atitudes destes, como se estivessem num salão, são próprias a fazer sorrir o homem. O cavalo tem todas as cortesias, gentilezas e atenções de um homem de salão: levanta-se, cavalga com leveza, enfim, faz tudo, no mundo dos cavalos, o que uma pessoa bem educada faria. Reduzir a brutalidade do cavalo ao mimo do salão é uma obra-prima, em certo sentido maior do que formar um homem para ser bem-educado.
Há, por detrás disso, um senso de direção, de sacrifício, uma distância psíquica para poder ser amável, agradável e gentil, que é exatamente próprio a um diplomata, a um bom político e ao homem fino.
Vemos, por aí, como há várias maneiras de ser nobre. Esta é a maneira do austríaco. A do espanhol é ser corajoso. Se deixasse de haver Espanha ou Áustria, a cultura mundial perderia irremediavelmente.
Mais ainda, as duas coisas se compensam. Um mundo só à austríaca ficaria adocicado; um mundo só à espanhola lucraria em ter uma certa doçura. A composição de ambos os aspectos dá uma espécie de plenitude da alma humana, que verdadeiramente alegra.
Portanto, uma coisa completa a outra. É o garbo, a galhardia, a coragem, o desassombro, o esplendor da distância psíquica e da varonilidade que enfrenta o perigo; e, ao mesmo tempo, a disciplina, a gentileza. Essas qualidades se completam e são frutos da civilização cristã. Detrás de tudo isso está o Sangue infinitamente precioso de Nosso Senhor Jesus Cristo e as lágrimas de preço inestimável de Maria. v
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 16/9/1989)
Revista Dr Plinio 192 (Março de 2014)
1) Um sobre uma tourada (rejoneo) a cavalo, e outro a respeito da Escola Espanhola de Equitação de Viena.
2) Expressão utilizada por Dr. Plinio para significar uma calma fundamental, temperante, que confere ao homem a capacidade de tomar distância dos acontecimentos que o cercam.
3) Na Morávia (hoje parte oriental da República Tcheca), em 1805.