Militância católica: excelente forma de amor a Maria

Quem conhecesse a Santíssima Virgem nesta Terra, admirando-A, teria a noção de toda a sabedoria da Igreja, do esplendor de todos os Santos, do talento de todos os Doutores, do heroísmo de todos os cruzados e da paciência de todos os mártires. Enfim, não houve beleza que a Igreja tivesse engendrado que não resplandecesse em Nossa Senhora com extraordinário fulgor.

Com efeito, amamos Maria Santíssima sendo, vivendo e fazendo como a Igreja Católica nos prescreve. Em nossos dias, a Igreja militante se encontra no auge de sua luta. Portanto, nosso amor à Santíssima Virgem e à Esposa Mística de Cristo supõe, na atual conjuntura, pensamentos de coragem apostólica, de intrepidez, de santos empreendimentos em prol da Civilização Cristã.

Em várias de suas imagens, a Mãe de misericórdia contempla, enlevada, o Céu ou considera com bondade a Terra. Entretanto, com seu calcanhar, a Virgem esmaga continuamente a cabeça da serpente. É a representação de uma luta que só cessará no fim do mundo.

Sem dúvida, se Nossa Senhora estivesse de modo visível nesta Terra, estaria estimulando os seus devotos escravos a combater pela causa d’Ela. Na militância católica se encontra, pois, uma das mais excelentes formas de amor e de veneração à Santíssima Virgem.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 7/10/1971)
Revista Dr Plinio 269 (Agosto de 2020)

Tocha ardente de amor a Deus

Não podemos nos salvar se não tivermos amor sobrenatural a Deus, e é Nossa Senhora, Medianeira de todas as graças, que nos obtém esse amor. Ela ama o Criador mais do que todos os Anjos e homens juntos, e, à maneira de uma tocha a qual se acende no Sol, transmite esse fogo às outras criaturas.

 

Pediram-me para tratar a respeito da invocação de Nossa Senhora do Divino Amor, cuja festa se comemora no sábado anterior ao domingo de Pentecostes. Qual é o sentido profundo dessa devoção?

Só obteremos o amor de Deus por meio de Nossa Senhora

A coisa mais preciosa que o homem pode ter nesta Terra e lhe granjeia o Céu é o amor de Deus. Este é o primeiro dos Mandamentos o qual dá valor a todos os outros. Se uma pessoa cumprisse os nove Mandamentos, por outras razões que não o amor de Deus, aos olhos d’Ele não teria valor, porque é preciso que tudo seja feito por amor do Criador para ter valor. Portanto, a virtude cúpula, a virtude áurea, de acordo com a Doutrina Católica é o amor de Deus.

Por outro lado, é este amor que nos abre a porta do Céu, onde nós estaremos praticando um eterno ato de amor de Deus. De maneira que essa invocação se refere a Nossa Senhora enquanto nos obtendo e comunicando a mais alta virtude e o mais elevado dom que Ela teve e que pode ser obtido para uma criatura.

Isto posto, precisamos nos perguntar qual é o papel de Maria Santíssima na obtenção e na difusão do amor de Deus.

A questão se põe de um modo muito simples. É uma verdade de Fé, a qual ninguém pode negar sob pena de pecado mortal, que Nossa Senhora é a Medianeira de todas as graças, ou seja, todas as súplicas dirigidas a Deus passam por Ela, de tal maneira que os pedidos de todos os Santos do Céu, feitos em união com Maria, são atendidos, mas se Ela não pedisse com eles não seriam ouvidos. Entretanto Ela pedindo sozinha é atendida. Assim, todas as graças concedidas por Deus nos chegam por meio d’Ela. Por vontade divina, a Santíssima Virgem é o canal por onde todas as preces sobem a Deus e todas as graças descem para os homens. Logo, o amor de Deus é Ela que nos obtém.

O amor natural e o sobrenatural a Deus

Em princípio, poderíamos considerar o amor a Deus em duas linhas: o natural e o sobrenatural. O amor natural a Deus seria o praticado por alguém que não conhecesse senão a religião natural. Há certas verdades a respeito de Deus que os homens conhecem simplesmente pela razão, não porque estejam na Escritura e, portanto, tenham sido reveladas, nem por constarem da Tradição, mas por serem dedutíveis pela razão humana. Por exemplo: há um só Deus supremo, criador de todas as coisas, infinitamente perfeito, misericordioso, justo, que ama os homens e os chama para uma vida eterna depois desta existência. Essas verdades o homem conhece simplesmente por sua razão e, de si, justificam o amor a Deus.

Mas para nós, que fomos batizados e temos a Fé e toda a vida da graça a qual a Igreja oferece, não há apenas esse amor natural a Deus. Existe também o amor sobrenatural, fruto específico de um conhecimento sobrenatural de Deus. Quer dizer, o que nós conhecemos de Deus pela Revelação e pela graça é incomparavelmente mais do que a nossa simples razão poderia alcançar. A Santíssima Trindade, por exemplo, nós não conhecemos pela nossa razão, mas por nos ter sido revelada. E assim uma caudal enorme de verdades de Fé fundamentais que nós só conhecemos porque Deus revelou.

Ensina-nos a Igreja que esse ato pelo qual a razão humana adere ao que foi revelado é um ato sobrenatural, ou seja, sem uma graça concedida por Deus para isso, o homem é incapaz de crer. Embora o ato de Fé seja conforme à razão e justificado por ela, o simples raciocínio não basta para que o homem o pratique. Ele precisa de um auxílio especial o qual já é, nesta Terra, o começo da visão beatífica, uma semente do que faremos quando, no Céu, contemplarmos Deus face a face.

Este ato de conhecimento sobrenatural traz como consequência o amor de Deus, que é sobrenatural também. Um amor que só pode ser obtido, portanto, por meio de uma graça. E este amor que vem, portanto, de Deus para nós a fim de O amarmos, é preciso que antes Ele nos tenha amado e nos tenha dado a graça de amá-Lo. O primeiro passo é d’Ele para conosco e não nosso para com Ele. E este amor sobrenatural nos vem da graça; sem a graça nós absolutamente não o obteríamos.

É Nossa Senhora que pede para nós a Fé e a graça do amor. E sem a graça nós não teríamos nem a Fé, nem o amor sobrenatural.

Ela é a Medianeira que nos obtém do Criador este amor sobrenatural a Ele. O católico não pode salvar-se sem um amor sobrenatural de Deus.

Verdadeira alma do apostolado

Não basta dizer que Maria Santíssima, por sua intercessão, nos obtém este amor. Ela é um reservatório, uma tocha ardente deste amor e o comunica aos outros. Ela, que ama mais a Deus do que todas as criaturas juntas O amam, transmite o amor para as criaturas. Mais ou menos como uma tocha a qual se acende no Sol, que é Deus, e depois passa o fogo a todas as outras criaturas. Ela é um reservatório, um mar, um oceano imenso de amor e o transmite aos outros.

Assim, em última análise, para todos os problemas de nossa vida interior temos que pedir, antes de tudo, o amor de Deus. Precisamos agradecer o amor de Deus que nós recebemos e pedir mais. E não podemos fazer a Nossa Senhora uma súplica mais agradável do que pedir-Lhe isso. Se o tivermos praticaremos todas as outras virtudes. Se não o possuirmos não praticaremos nenhuma virtude.

A repercussão disso no apostolado é enorme. Porque o apostolado é um ato pelo qual uma pessoa comunica a outra o conhecimento de Deus, através da Fé, e o amor de Deus, por meio do bom conselho.

Meu ato de apostolado só pode ser fecundo se uma ação sobrenatural da graça ajudá-lo. Senão, é inteiramente incapaz de fazer qualquer coisa boa. Recordem-se da comparação: a graça seria algo de mais ou menos parecido com a energia elétrica que passa pelo tungstênio.

Então, Nossa Senhora é a verdadeira alma de meu apostolado. Porque é por meio d’Ela que obtenho as graças para ele frutificar.

O princípio fundamental do livro de Dom Chautard, Alma de todo apostolado, está representado nesta invocação: “Nossa Senhora do Amor Divino”. Quer dizer, a Santíssima Virgem enquanto dando ao apóstolo o amor de Deus e o ajudando a transmiti-lo para as outras pessoas. Nossa Senhora é a condição fundamental de minha vida espiritual e da fecundidade de meu apostolado.

Aquela famosa figura oriental de Maria Santíssima, que está rezando e tem dentro de Si o Menino Jesus com um pergaminho, ensinando, poderia se chamar perfeitamente Nossa Senhora do Amor de Deus. Enquanto Ela reza, na pessoa d’Ela o Divino Infante ensina. Então, também é Ela enquanto ora que obtém para todo mundo o amor de Deus, ou seja, o Menino Jesus fala a todas as almas, em Nossa Senhora, dando-nos o amor de Deus. Portanto, para quem quer cultivar a fecundidade no apostolado – o apostolado individual, por exemplo – é absolutamente fundamental uma compenetração da importância de Nossa Senhora neste sentido.

O Reino de Maria será o Reino do Espírito Santo

Na capela do Santíssimo Sacramento da Igreja da Consolação, em São Paulo, sobre uma coluna à direita de quem olha para o altar, há uma imagem de Nossa Senhora do Divino Amor, lavrada em madeira, em cujo Coração está a figura do Espírito Santo.

Certa ocasião, rezando diante dessa imagem, vinha-me ao espírito esta consideração: Como seria a alma de Nossa Senhora enquanto inundada pelo Divino Paráclito? Se eu pudesse penetrar na santíssima alma d’Ela, como se entra numa catedral, o que veria?

É próprio do Espírito Santo comunicar a graça divina, um dom criado de caráter espiritual e, ao mesmo tempo, uma participação na vida de Deus; a graça nos transmite a própria vida divina. Compreende-se, assim, a relação possante existente entre a graça e o Espírito Santo.

Maria Santíssima é nossa Mãe, mas também a Esposa do Divino Espírito Santo, que n’Ela gerou misteriosamente o Menino Jesus, tornando-Se, por esta razão, medianeira universal e omnipotente junto a Ele. Assim, sendo a Mãe da Divina Graça e Esposa do Divino Espírito Santo, Ela pede por nós as graças e é atendida. De maneira que Ela é o canal do Divino Espírito Santo junto a nós.

Por ser cheia de graça, Ela transborda das graças do Espírito Santo, e nunca ninguém teve a graça que Ela possui. E é da exuberância de suas graças que Ela nos comunica a graça. Então, tudo quanto Dom Chautard afirma a respeito do apóstolo, que deve ser um reservatório de graças de cuja exuberância todos se abeberam, diz-se de Nossa Senhora de um modo superexcelente, maravilhoso.

Por causa disso também, o Reino de Maria será o Reino do Divino Espírito Santo. São Luís Grignion de Montfort deixou isso claro no Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem: houve o Reino de Deus Padre e o de Deus Filho, depois virá o Reino do Divino Espírito Santo, que terminará num dilúvio de fogo de amor e de justiça. Esses três reinos sucessivamente devem marcar as três grandes eras da História. Portanto, assim como acreditamos que vem o Reino de Maria, devemos crer na vinda do Reino do Divino Espírito Santo.

Simetricamente com isso, Nossa Senhora obterá – é uma conjectura minha – que o Divino Espírito Santo instaure um foco pujantíssimo d’Ele, que floresça com todos os seus dons na Terra, então desinfestada e purificada da presença imunda dos demônios.

Vamos ficar pasmos com duas coisas que são novas para nós: a fraqueza do mal e a força do bem. Hoje em dia nós vivemos consternados com a fraqueza do bem e a força do mal. Porém, virada essa página da História, teremos o gáudio de constatar a força do bem e a fraqueza do mal. Isso levará nossas almas a não sei que estado de alegria. v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 25/10/1971 e 26/11/1985)
Revista Dr Plinio 266 (Maio de 2020)

 

A Virgem que traz consigo a Santíssima Trindade

Maria Santíssima é o templo da Santíssima Trindade: traz consigo o Divino Paráclito; como Mãe do Verbo encarnado, porta consigo Nosso Senhor Jesus Cristo; Filha do Pai Eterno, tem consigo a Deus Pai.

Peçamos, pois, a Nossa Senhora que faça germinar em nós o amor à Santíssima Trindade. E que Ela, a Virgem das virgens, inocentíssima, mas pela qual passaram todas as graças de arrependimento que encheram e encherão até o fim do mundo a face da Terra, nos conceda um perfeito espírito de contrição.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 21/12/1968)
Revista Dr Plinio 266 (Maio de 2020)

Mediação de Maria suavemente expressa

No afresco da Mãe do Bom Conselho de Genazzano o Menino Jesus está numa grande intimidade com Nossa Senhora, mas os olhos d’Ele estão voltados para cima, enquanto os d’Ela para baixo. Ela olha para Ele, e Ele para Deus.

Entretanto, o olhar d’Ela é curiosamente bivalente. Embora Maria Santíssima contemple seu Divino Filho, também é verdade que está olhando para quem venera o quadro. Este é bem o papel da Mãe de Deus: a Medianeira que recebe nossa oração, transmite para Jesus e Ele a leva às outras Pessoas da Santíssima Trindade.

Desta maneira temos a doutrina católica sobre a Mediação de Maria suavemente expressa, sem a precisão dogmática característica da Teologia, mas com a suavidade e o subentendido próprios à arte.

É muito bonito que tanta doutrina tenha sido posta tão delicadamente nesse afresco. Sem dúvida, é mais interessante descobrir isso analisando a pintura do que se estivesse escrito embaixo: “Mediação Universal”. Porque essa sublime verdade insinuada, dada a entender de leve, sem estar afirmada de modo categórico, mas de maneira a permitir ao fiel ir descobrindo como por detrás de um aroma delicado, tem um inegável encanto. Para uma obra de arte, às vezes um certo mistério aumenta o atrativo, e nesse afresco encontramos esse mistério.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 29/6/1974)

Revista dr Plinio 265 (Abril de 2020)

Nossa Senhora e a Ressurreição

Nossa Senhora nos ensina a perseverança na fé, no senso católico e na virtude do apostolado destemido — “Fides intrepida” — mesmo quando parece tudo perdido. A Ressurreição virá logo. Felizes dos que souberem perseverar como Ela e com Ela. Deles serão as alegrias, em certa medida as glórias do dia da Ressurreição.

Plinio Corrêa de Oliveira (Da Via-Sacra escrita para o “Legionário”, abril de 1941)

Maria Santíssima: divina escultora de seu próprio Filho

As faces revelam a alma, mas em certa medida a velam também. Ora, se é tão agradável um homem discernir a alma de outro e ambos se entenderem, não pode haver nada de mais deleitável do que conhecer um espírito angélico que se comunica com toda a sua pureza, majestade e força, como São Gabriel. Que dizer então do contato de alma a alma entre Nossa Senhora e seu Divino Filho, no claustro d’Ela? “Hic taceat omnis lingua”…

 

Há um fato natural de observação corrente, sobre o qual a atenção dos homens materialistas de nossos dias se torna cada vez menos aberta, que é o seguinte:

Jogo de fisionomia, timbre de voz, olhar

Uma pessoa pode ter uma presença, um timbre de voz, um jogo de fisionomia muito agradáveis, dizer coisas muito interessantes, expressivas. Esses são dons que a Providência pode dar a alguém, e dos quais ele pode servir-se tanto para fazer um grande bem quanto para realizar um grande mal.

Entretanto, há um outro dom mais interessante e que não se confunde propriamente com esses. Uma pessoa pode ter um timbre de voz muito agradável, mas conversando-se com ela não se sente sua alma. O timbre de voz não é necessariamente, mas pode ser uma espécie de ressonância do que seja a alma de alguém. Isso especialmente se nota nos cantores. Há cantores que têm o timbre de voz muito agradável. Cantam com muita correção de acordo com a partitura, mas não se sente a sua alma no que ele canta e o resultado é que o público, do ponto de vista meramente sonoro, tem uma impressão agradável, mas não vibra com o cantor. Ele não comunicou sua alma.

A mesma coisa pode ocorrer com um orador. Ele pode ter um timbre de voz esplêndido, mas se é desses homens cuja alma mora num fundo pantanoso e longínquo da sua personalidade, ouvindo-o tem-se a impressão de estar escutando um recado do qual ele mesmo está desinteressado, e não há contato, comércio humano verdadeiro.

Não há coisa que fale mais sobre a alma de um homem do que o olhar. Alguém pode ter lindos olhos, mas isto não significa que possua um lindo olhar. Uma pessoa pode ter olhos feios, mas um lindo olhar; trata-se de uma forma de olhar através da qual uma beleza de alma se comunica. E uma outra pessoa pode ter olhos muito bonitos, mas a alma está longe daquilo. Então, do ponto de vista da pura luminosidade do olhar, do desenho, da cor, aquilo pode ser bonito, mas não tem a verdadeira beleza de uma comunicação de alma.

Comunicação de alma, um dos mais preciosos dons que uma pessoa possa ter

Há, pelo contrário, pessoas que não possuem nenhum dos dons enumerados acima, mas as suas almas de algum modo se comunicam. E o que elas dizem tem verve, graça, interesse; o furor delas faz estremecer, sua simpatia cativa.

A comunicação de alma é um dos dons mais preciosos que uma pessoa possa ter. Uma das coisas de que se deve lamentar é ser desse tipo de gente inteiramente glacial e sem expressão. Assim, o maior atrativo no contato com uma pessoa é o de ver a sua alma, ter um contato de alma a alma onde sintamos que exprimimos o que temos no fundo e fomos entendidos.

Por essa razão o contato entre os puros espíritos deve ser muito mais interessante do que de homem a homem, porque as nossas faces revelam a alma, é verdade, mas em certa medida velam também. E há insipidezes e coisas desse gênero que não só nos impedem de exprimir o que queremos, mas às vezes exprimem o contrário do que desejaríamos.

Saint-Simon(1), por exemplo, fala de um personagem – não me lembro quem – dotado de uma fisionomia comum, até agradável de se olhar, mas que possuía um cacoete por onde, de vez em quando, formava uma cara horrorosa e depois voltava ao natural. Segundo conta Saint-Simon, esse homem não era inteiramente autêntico nem quando estava com o semblante normal, nem com a face horrorosa, mas ele era um terceiro em relação aos tiques nervosos de seu rosto que, em sua normalidade, era exageradamente plácido e, sob a ação do cacoete, excessivamente dramático e agressivo, sendo que o personagem se mantinha por detrás, provavelmente como um terceiro em relação ao que se passava.

Então, o rosto vela e revela a personalidade. Por causa disso só conhecemos a alma do outro de esguelha, não diretamente. O interessante seria a comunicação entre almas que se conhecessem sem a necessidade dos sentidos do corpo, e entrassem em harmonia, em mútua compreensão, em simpatia. Se um pouco que percebamos da alma de alguém por meio dos sentidos já nos parece tão interessante, imaginem entre puros espíritos como seria!

Ora, se é tão agradável um homem discernir assim a alma de outro e ambos se entenderem, não pode haver nada de mais deleitável do que conhecer um espírito angélico que se comunica com toda a sua pureza, limpidez, grandeza, majestade e força. Um Anjo é uma obra-prima de Deus, e se a pessoa está em condições de apreciar esse espírito celeste, ela tem um gáudio santificante e intenso ao contemplá-lo. Toda obra-prima apresenta-se objetivamente, mas a aprecia quem é capaz, ou seja, ela entrega mais de si mesma a quem tem maior capacidade de analisá-la.

Saudação cheia de charme, nobreza, elegância, distinção e majestade

Isto posto, podemos imaginar o mais perfeito dos quadros que seja concebível, analisado pela mais perfeita das criaturas que conhecesse a natureza humana como todos os homens somados não conheceram, e nem conhecerão até o fim do mundo. Com capacidade, portanto, de apreciar um espírito que se comunique de um modo como ninguém faz.

Imaginem que diante dessa criatura, Nossa Senhora, se ponha não o quadro de um Anjo, mas o Arcanjo São Gabriel. Que encontro! O Arcanjo São Gabriel, aquele que leva as mais altas, mais esplêndidas, as melhores mensagens de Deus, que tem, portanto, o dom de comunicar de modo esplêndido o que o Criador quer dizer, de maneira que cada palavra dita por ele é como uma ressonância da palavra divina. E ele mesmo vela e revela o próprio Deus de Quem é mensageiro.

Nossa Senhora está na sua casa, em Nazaré, e de repente Lhe aparece esse Arcanjo, um dos sete mais altos espíritos que estão sempre na presença de Deus, que é mandado a Ela e faz-Lhe uma profunda saudação. Que saudação cheia de charme, nobreza, elegância, distinção, ao mesmo tempo de uma majestade inimaginável porque ele é puro espírito e Ela não é senão uma criatura humana! De um respeito indizível, porque Ela não sabe, mas ele tem conhecimento de que Ela é sua Rainha. Então ele presta a Ela uma homenagem, a mais bela que até então se tinha prestado na Terra, e creio eu que nenhuma outra será dispensada igual, a não ser a que Nosso Senhor Jesus Cristo terá prestado à sua Mãe.

Ela recebe aquela homenagem, mas ao mesmo tempo Se entusiasma porque entende o Anjo até o fundo e percebe perfeitamente Deus através dele. E se entre nós um contato de alma a alma − com nossas pobres almas encardidas, envelhecidas, de nossa natureza concebida no pecado original − nos dá tanto gosto, o que foi o contato de alma a alma de Nossa Senhora com esse Arcanjo?! O gáudio do Anjo contemplando Aquela que por natureza lhe era inferior – porque uma simples criatura humana –, mas dotada de um espírito ligado à carne incomparavelmente mais elevado que o dele.

Exprimindo-se de modo humano, poder-se-ia dizer que ele transpôs todos os espaços que vão de Deus até uma cidadezinha da Galileia, curioso de conhecer de perto a Nossa Senhora.

É, pois, nessa atmosfera que devemos considerar a narração do Evangelho da Anunciação do Anjo a Maria Santíssima, e que por definição é a festa dos escravos de Maria.

Nossa Senhora resplandecia diante de São Gabriel

No sexto mês da gestação de São João Batista em Santa Isabel, foi enviado por Deus o Anjo São Gabriel a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré (cf. Lc 1, 26).

“A uma cidade da Galileia, chamada Nazaré” é um modo de se falar de uma cidade desconhecida. Não posso dizer, por exemplo, “a uma cidade do Estado de São Paulo, chamada Campinas”, pois qualquer um sabe que Campinas fica nesse Estado. Mas uma cidade chamada Nazaré é um lugarzinho…

… a uma Virgem desposada com um varão que se chamava José.

Um individuozinho dentro da cidadezinha. Entretanto, fulgura como um raio sem estrondo o que vem logo depois.

…da Casa de Davi.

A mais alta dinastia que houve.

E o nome da Virgem era Maria (Lc 1, 27).

É como um sol que aparece: uma Virgem também desconhecida, mas o nome d’Ela era Maria. Quantas Marias houve depois na História e haverá até o fim do mundo! Ela tem uma glória que não se compara com nada. “O nome da Virgem era Maria”. Não é verdade que esta simplicidade da narração tem qualquer coisa de grandioso, por onde julgamos entrever o Espírito Santo? Eu falava exatamente desse contato de alma. Nós como que sentimos o Espírito Santo quando ouvimos essa narração tão simples de coisas propriamente esplendorosas.

E entrando o Anjo onde Ela estava…

É uma coisa, portanto, fantástica! O Anjo que nesta cidade escolhe o pátio da casa de Nossa Senhora onde Ela estava, e entra ali. Achamos tão grande coisa a entrada de um rei. Até a Revolução Francesa, os reis faziam entradas nas cidades. Sobretudo a primeira depois da coroação, as entradas eram solenes com participação de milhares de pessoas em grande gala. Então, o Anjo disse-Lhe:

Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo (Lc 1, 28).

É preciso considerar cada palavra que ele disse, pois falava como faz um Anjo. Quando pronunciava a palavra “Senhor”, todo o amor ao Criador que ele tinha queimava, resplandecia nele. Ao dizer “ave”, percebe-se toda a reverência dele para com Ela! A alma enorme, grande, colossal, inimaginável, terníssima, intimíssima, majestosíssima de Nossa Senhora resplandecia diante dele. E Maria Santíssima se sentia como que assumida pelo Anjo quando ele se dirigia a Ela.

Todas as graças criadas para os homens estão n’Ela

…cheia de graça…

É o maior elogio que se pode fazer de alguém. Em Maria Santíssima só havia graça, não existia outra coisa. Em latim – ele não falou nessa língua –, “gratia plena”, de graça cheia, fica muito mais belo do que cheia de graça. Então, a palavra graça, nos como que lábios de um Anjo, tem uma grande beleza. Todo o esplendor da graça de Deus floresce quando ele diz “graça”; e plena dá uma tal ideia de plenitude que até o leito do mar é vazio em comparação com aquela plenitude. Esse “cheia de graça” propriamente não quer dizer, a meu ver, somente que Ela é cheia de graça, mas que n’Ela não há senão graça. Mais ainda, que todas as graças criadas para os homens estão n’Ela e daí transbordam. Isso é de uma riqueza, uma majestade incomparável.

E cada palavra do Anjo é à maneira de uma música única, como nunca ninguém tocou nem tocará. E a obra-prima dele, em todos os séculos, consistia em dizer isto. Era o mensageiro por excelência que comunicava a supermensagem. Eu acredito que, enquanto ele fazia isso, o local onde Nossa Senhora estava foi se enchendo de Anjos, todos cantavam e jubilavam sem fim, sem que ninguém ouvisse, mas Ela ouvia.

E tendo ouvido essas coisas, Ela turbou-se com as palavras do Anjo e discorria, pensativa, indagando que saudação seria essa (cf. Lc 1, 29).

A narração continua a ter uma simplicidade evangélica fantástica. Não sei se esse Anjo falou a Ela apenas comunicando-se como uma alma, ou se tomou um corpo – como fez o Arcanjo Rafael com Tobias – para falar-Lhe de um modo sensível.

A Santíssima Virgem concebeu o Homem-Deus e começou a adorá-Lo

Nossa Senhora não se espantou com o fato de ter um contato com um ser tão extraordinário. Ela é tão ordenada que, dentro dessa cena cheia de impressões, foi ao ponto. Cogitava o que queria dizer essa saudação. Ela prestava atenção no sentido das palavras para entender o que Deus mandava dizer-Lhe. Ou seja, Ela raciocinava, não perdeu a distância psíquica(2), não se tomou de frenesi; certamente sentiu até o fundo a cena, mas sobretudo cogitava: “O que quererá dizer isto?” E como Ela não entendia, ficou perplexa, o que se nota pelas palavras do Anjo que vêm logo depois:

Não temas, Maria, pois achaste graças diante de Deus. Eis que conceberás no teu ventre e darás à luz um Filho, e por-Lhe-ás o nome de Jesus. Ele será grande e será chamado Filho do Altíssimo (Lc 1, 30-32).

Podemos imaginar a majestade com que ele proclamou isto. Primeiro quando pronunciou o nome de Jesus, e depois quando disse: “Ele será grande e será chamado Filho do Altíssimo”. Isso dito por um de nós não é nada, mas afirmado por um Anjo… como aparece a grandeza! O “Filho do Altíssimo”! Superior a qualquer cogitação.

E o Senhor Deus Lhe dará o trono de seu pai Davi (Lc 1, 32).

Quer dizer, era de dinastia deposta, decaída, São José um carpinteiro; entretanto, o Filho d’Ela vai ter o trono de Davi. Ela sabia bem que era uma coisa simbólica, que esse trono era um trono da realeza espiritual de Nosso Senhor.

E reinará eternamente na Casa de Jacó e seu reino não terá fim.

Maria perguntou ao Anjo, como se fará isto, pois eu não conheço varão? (Lc 1, 33-34).

Nota-se como o espírito d’Ela está no âmago do assunto, e todas as impressões colaterais não dizem nada diante da grande pergunta. Não é uma objeção, mas uma pergunta: “Como será isso, se Eu tenho o voto de virgindade?”

E respondendo o Anjo disse-Lhe:

O Espírito Santo descerá sobre Ti e a virtude do Altíssimo Te cobrirá com a sua sombra. E por isso mesmo o Santo que há de nascer de Ti será chamado Filho de Deus. Eis que também Isabel, tua parenta, concebeu um filho na sua velhice, e este é o sexto mês daquela que é tida como estéril (Lc 1, 35-36).

Então, Maria afirmou:

Eis aqui a escrava do Senhor faça-se em Mim segundo a tua palavra. E o Anjo afastou-se d’Ela (Lc 1, 38).

Foi precisamente no momento em que Maria Santíssima declarou “eis aqui a escrava do Senhor” que o Espírito Santo baixou sobre Ela. Ela concebeu e o Homem-Deus começou a viver n’Ela, lúcido inteiramente desde o primeiro instante do seu Ser, e Ela começou a adorá-Lo.

Convívio da alma de Maria Santíssima com a Alma de seu Filho

O sentido desses comentários é fazer-nos tomar o gosto pela cena para melhor a compreendermos e adorarmos a Deus, a Nosso Senhor Jesus Cristo, praticarmos o culto de hiperdulia a Nossa Senhora. Assim, para a sentirmos melhor, consideramos antes uma série de sensações tão diferentes e, ao mesmo tempo, um pouquinho parecidas com esta, do contato de alma a alma, para nos servir de termo de comparação do contato de Maria Santíssima com o Anjo.

Depois disso começa outro contato de alma a alma. É de Nossa Senhora com Nosso Senhor, no claustro d’Ela. “Hic taceat omnis lingua”(3). Fazemos como o Anjo São Gabriel porque fica no mistério. É preciso apenas dizer o seguinte: como Nossa Senhora era concebida sem pecado original, nenhuma operação no seu corpo se fazia sem que Ela soubesse e quisesse.

De muitas operações que nosso corpo faz não temos nenhuma ideia. Por exemplo, o coração de cada um de nós bem ou mal está bombeando sangue pelo corpo, senão morreríamos. O coração vai fazendo isso e, sobretudo, parará de fazer sem que queiramos.

A Santíssima Virgem conhecia, portanto, tudo que se passava n’Ela e no fenômeno misteriosíssimo, complexíssimo da geração; cada vez que o seu corpo fornecia ao Corpo Sacratíssimo de Nosso Senhor Jesus Cristo um certo elemento para se constituir, era porque Ela queria. Por assim dizer, Ela foi a arquiteta do seu Filho.

E a concessão de cada elemento para o Corpo d’Ele, além do lado propriamente fisiológico, tinha um aspecto simbólico. Podemos imaginar, por exemplo, Ela dando o contributo materno necessário para formar os divinos olhos d’Ele. Olhos perto dos quais nenhum olhar é olhar e nenhum olho é olho, porque olhos são aqueles! Olhar! O olhar que converteu São Pedro…, que no meio da sangueira no alto da Cruz olhou pela última vez para Nossa Senhora.

Isto é olhar! O resto… Pobres de nós, que subúrbios, que bairros miseráveis, que charneca, que tristeza!

Cada vez que Maria Santíssima contribuía, então, para a formação dos olhos d’Ele, Ela queria aqueles olhos, com aquele olhar, e previa tudo o que aquele olhar faria de bem até a consumação dos séculos, inclusive quando Ele vier gladífero no fim do mundo para punir.

Aí então começa um convívio de alma d’Ela com a Alma humana d’Ele hipostaticamente unida com a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, um convívio de que ninguém tem ideia, e a respeito do qual se falará talvez noutro dia e de outro modo.

Fica-nos apenas a ideia do Anjo que vai embora, e da Encarnação que se opera. E Nossa Senhora, a divina escultora de seu próprio Filho. Temos, assim, uma noção da grandeza da festa que a Igreja celebra nesse dia.       v

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 23/3/1979)
Revista Dr Plinio 264 (Março de 2020)

 

1) Duque de Saint-Simon (*1675 – †1755). Escritor francês que, em suas Memórias, descreveu com penetração, finura e charme a vida de corte em Versailles, na época de Luís XIV.

2) Expressão utilizada por Dr. Plinio para significar uma calma fundamental, temperante, que confere ao homem a capacidade de tomar distância dos acontecimentos que o cercam.

3) Do latim: Aqui se cale toda língua.

Que mãe dá uma serpente ao filho que lhe pede pão?

Nosso Senhor incitava seus discípulos à oração e à súplica, afirmando: “Qual é o pai a quem o filho pedindo um pão, dá-lhe uma pedra?”

Não se poderia imaginar outra atitude do pai para o filho, senão conceder aquilo que lhe é solicitado. Entretanto, se um pai não nega uma súplica filial, muito menos a negará uma mãe. Qual é a mãe que diante do filho que lhe pede pão, dá-lhe uma serpente? Se uma mulher tomasse esta atitude, não seria digna de ser chamada mãe.

Nossa mãe é Nossa Senhora! Ela é um oceano insondável de excelências morais e modelo de misericórdia inconcebíveis pela mente humana. Por isso deve-se ter a convicção de que se receberá o que se pediu, pois a seu Divino Filho Ela apresenta os pedidos que lhe são feitos. E pedindo, Ela obtêm!

Escravidão de amor a Nossa Senhora

Eis a conclusão das palavras dirigidas por Dr. Plinio a um grupo de jovens que acabavam de fazer a consagração a Nossa Senhora, pelo método de São Luís Grignion de Montfort. Dr. Plinio lhes  explicara inicialmente o contexto no qual esse Santo explicitou e desenvolveu suas doutrinas.

 

Em seu “Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem”, São Luís Grignion estabelece vários princípios que justificam a nossa consagração a Ela como escravos de amor.

Medianeira desejada pela Providência

O mais importante deles é a mediação universal de Nossa Senhora. Ou seja, o fato de que Ela é a medianeira entre Deus e os homens para a obtenção e a distribuição de todos os dons divinos que  pedimos ao Céu.

De tal modo essa intercessão de Maria é querida pela Providência que — ensinam os teólogos — nada do que os fiéis pedem a Deus seria alcançado, se a Santíssima Virgem não rogasse também  por eles. Pelo contrário, se Ela sozinha fizer a mesma oração em seu favor, será atendida.

Compreende-se. Escolhida para ser a mãe do Verbo encarnado, sempre imaculada e cheia de graça, a união que Nossa Senhora tem com Jesus é a mais alta que uma simples criatura humana pode ter com Deus. Em virtude desse vínculo extraordinário, Nosso Senhor nada recusa à sua Mãe, o que faz d’Ela uma intercessora onipotente junto a Ele. Esse é o princípio ensinado por São Luís Grignion e reconhecido pela Igreja.

Passemos a outro ponto.

Co-redentora do gênero humano

Quando foi decidido pelo Pai Eterno que Jesus Cristo deveria morrer para expiar nossos pecados, quis Ele ter o consentimento da Santíssima Virgem, o que representou para Ela um golpe  espantoso. Pensemos em nossas mães. Se alguém lhes dissesse: “Quer me dar seu filho, para que ele sofra blasfêmias, seja ridicularizado, perseguido, preso, entregue ao desprezo e ao ódio do povo, flagelado, coroado de espinhos, obrigado a carregar sua cruz até o Calvário e morra de modo atroz?” — nenhuma delas cederia o filho! Não há mãe que queira isso para aquele que ela trouxe ao mundo.

Porém, Nossa Senhora sabia ser necessário esse holocausto para a redenção do gênero humano. Ela deu seu consentimento, e com isso sofreu uma dor intensíssima, como se um gládio Lhe  transpassasse o coração. Daí vem a devoção a Nossa Senhora das Dores, e a imagem d’Ela com o coração aparente, atravessado por uma espada.

É uma evocação do sacrifício que Ela fez.

Nos seus eternos desígnios, Deus quis que esse padecimento de Maria fosse unido ao de Nosso Senhor para resgatar os homens, e por essa razão Ela é chamada pela Igreja de Co-redentora do  gênero humano.

Nossa Senhora é nossa arqui-mãe

Em conseqüência dessa participação de Nossa Senhora na redenção do mundo, podemos dizer, com inteira  propriedade, que Ela é nossa mãe: sem o auxílio e o consentimento d’Ela, não teríamos  nascido para o Céu e para a vida da graça. Ela aceitou e quis o sacrifício de seu Divino Filho por todos e cada um dos homens, até o fim dos tempos, e é, portanto, mãe de todos e cada um de nós.

Mãe a um título mais alto que simplesmente o de mãe natural, posto ser mais alta a vida sobrenatural para a qual Ela nos gerou. Em certo sentido, Ela é a nossa arqui-Mãe, a Mãe das mães. E tem, então, para conosco, uma tal misericórdia, que São Luís Grignion de Montfort não hesita em afirmar que Maria ama cada um em particular mais que todas as mães somadas amariam seu filho  único. Daí, diga-se de passagem, a entranhada confiança que devemos depositar na clemência d’Ela.

É louvável que nos consagremos a Nossa Senhora

Ora, se Nossa Senhora nos deu de tal maneira seu sacrifício, sua alma, se Ela nos amou a tal ponto, se é tão autenticamente nossa mãe, se Ela nos ofereceu seu Filho, o Filho de Deus, se O imolou por nós, se nos cumulou de tantos bens, é justo e louvável que nos consagremos a Ela por completo. Eis a tese de São Luís Grignion.

Pertencemos a Ela, de direito, pelo que Ela fez por nós. O santo autor diz muito bem que, quando um rei (ele se referia aos monarcas absolutistas) conquista um povo, torna-se senhor desse povo.

Nossa Senhora nos comprou e nos conquistou por seu sacrifício, e por isso Lhe pertencemos. Mas, como somos seres inteligentes e livres, é preciso que, por uma deliberação nossa, nos  entreguemos a Ela. Com nosso consentimento, essa união se torna completa.

De fato, não pode haver dom mais proporcionado ao que Nossa Senhora nos fez, do que a doação de nós mesmos a Ela, como seus devotíssimos escravos. Quer dizer, a escravidão de amor à  Santíssima Virgem Maria como Mãe de Deus, como nossa Co-redentora e nosso celestial amparo.

Características dessa escravidão

Por essa escravidão consagramos nossa vida nas mãos de Maria Santíssima, e Lhe entregamos todos os nossos méritos para que disponha deles como melhor quiser. Convenhamos, não é um  muito bom negócio para Ela… Que são os pobres méritos dos homens em comparação com os que Ela alcançou! Mas, se é este o desejo d’Ela, deixemos que Nossa Senhora use de nossos méritos  como Lhe aprouver, em benefício de terceiros, em tal intenção da Igreja, etc., etc. São Luís Grignion, entretanto, procura nos fazer ver a inestimável vantagem dessa entrega, aplicando à  generosidade de Nossa Senhora uma expressão francesa muito interessante: “Em troca de um ovo, ela nos dá um boi”. Ou seja, damos diminutos méritos e, em retribuição, Ela nos concede uma  torrente de graças.

Devemos, pois, fazer tudo o que Nossa Senhora deseja que façamos, quer dizer, cumprir a lei de Deus e procurar sermos perfeitos. Em outras palavras, tudo o que sabemos que seja o melhor para  os interesses da Igreja, segundo a moral e a perfeição cristã. Em compensação, Ela nos toma sob sua proteção de modo especial, e nos torna beneficiários de méritos superabundantes.

Eis no que consiste essa consagração de amor à Santíssima Virgem.

 

Doçura em nossas aflições

Maria Santíssima, mais que qualquer um de nós, mostra-se sensibilizada e generosa diante do infortúnio e apuro do próximo.

Ela sabe dizer a palavra amiga, oferecer o suave lenitivo de seu amparo ao coração atribulado, desejoso de encontrar doçura na ajuda alheia. Ela não poupa nada de sua inesgotável clemência, compaixão e misericórdia para com os que se acham em toda espécie de aflições: removendo-as, se pode fazê-lo sem com isto diminuir o benefício espiritual que a provação traria para o socorrido; ou alcançando para este redobradas forças, manifestando-lhe de modo particular a doçura de sua insondável solicitude materna.

Daí o acertado pensamento de Santo Ildefonso: “Ó Virgem Maria, sois clemente em nossas necessidades, doce em nossas tribulações, boa em nossas angústias, pronta a nos socorrer em nossos perigos…”

Flor dos vales

Em sua infinita benevolência, Deus adornou certos vales com uma doçura especial, cuja amenidade e poesia contrastam com a majestade e o agreste das montanhas que os circundam.

Neles, a prodigalidade divina dispôs que as flores se apresentassem com rara e envolvente beleza, superando em formosura as que nascem noutras paragens.

É com inteira propriedade, portanto, que a Igreja canta os excelsos predicados de Maria Santíssima, louvando-a como a “Flor dos vales”: quer dizer, o requinte daquilo que há de mais delicado, mais terno, mais esplêndido; o ápice que concentra em si toda a beleza da Criação.