O heroísmo de um santo é muito maior do que o de um grande herói num campo de batalha. O religioso que passa a vida inteira num convento, cumprindo a Regra na perfeição, pratica um verdadeiro heroísmo, pelo qual devemos ser transidos de admiração.
Santa Catarina de Ricci, virgem, foi uma religiosa dominicana do século XVI. Acompanhemos sua ficha biográfica:
Membro de uma família do patriciado de Florença
Nascida em 23 de abril de 1522, Santa Catarina de Ricci pertencia a uma família do patriciado florentino. Aos 13 anos ingressou no convento fundado por Damas de Caridade, da Ordem Terceira de São Domingos.
Durante os primeiros anos de sua vida conventual padeceu muitos dissabores. Seu misticismo foi mal interpretado; julgavam-na louca e pouco faltou para que a expulsassem do convento. Entretanto, sua sobre-humana paciência durante duas graves enfermidades abriu os olhos de suas companheiras.
Muito jovem ainda, tornou-se mestra de noviças e aos 25 anos de idade foi nomeada priora, cargo que conservou quase continuamente até a sua morte, em fevereiro de 1590.
Em fevereiro de 1542, passou a experimentar misticamente a Agonia e Paixão de Nosso Senhor. A partir do meio-dia de sexta-feira, até às quatro da tarde do dia seguinte, nela se manifestavam os estigmas produzidos pela flagelação, pela coroação de espinhos e pela Cruz.
Muitos céticos e indiferentes, pecadores e incrédulos, convertiam-se ao vê-la. Porém, a santa fugia do tumulto causado pelas pessoas que acorriam para contemplá-la.
Quando Santa Catarina de Ricci entregou sua alma a Deus, um coro angélico foi ouvido por todos os presentes. E Santa Madalena de Pazzi, arrebatada em êxtase, viu-a subir aos Céus no meio de um grupo de espíritos celestiais.
A santidade consiste na prática de todas as virtudes em grau heroico
No início da ficha fala-se das virtudes da santa: dissabores padecidos, paciência nas enfermidades, etc. Depois, vem a parte referente às visões e revelações que ela teve. Tenho a impressão de que, enquanto o trecho relativo às visões e às revelações pode interessar, a primeira parte para algumas pessoas talvez seja um pouco enigmática.
Santa Catarina de Ricci foi, de fato, uma religiosa privilegiada por fenômenos místicos. Embora tais fenômenos sejam, muitas vezes, uma manifestação da santidade de quem os recebe, eles não constituem o cerne da santidade.
Tanto isso é assim que existem muitos santos que não tiveram visões nem revelações, não operaram milagres em vida, e cuja santidade se verifica apenas pela conformidade heroica de seu procedimento com os preceitos e conselhos dados por Nosso Senhor Jesus Cristo.
O que é então a santidade? Não é apenas a posse habitual de todas as virtudes, mas é a prática dessas virtudes em grau heroico. Quer dizer, é o exercício dos hábitos bons de maneira a levá-los até o heroísmo. É um modo insigne de possuir a virtude.
Tenho impressão de que as pessoas não chegam a formar uma ideia devida dos sacrifícios que o estado religioso exige, e da sublimidade deste estado, mesmo quando ele é praticado apenas entre as quatro paredes de um convento, em ações comuns e não extraordinárias da vida. Ou seja, mesmo vivendo uma vida comum num convento, uma alma pode praticar virtudes heroicas.
Nada é mais difícil para o homem do que vencer-se a si mesmo
As virtudes consistem em hábitos retos da alma, que se externam através de ações praticadas continuamente, e com integridade.
Por exemplo, uma religiosa que tenha o hábito da obediência, da pobreza, da castidade. Ela tem interiormente, como raiz, a disposição habitual de espírito de ser casta, pobre, desapegada dos bens da Terra e obediente, de não fazer a sua própria vontade, mas a de seus superiores.
Como ela tem habitualmente essa disposição de espírito, e é isto que se chama virtude, suas ações externas também são habitualmente assim.
Portanto, ela será habitual e invariavelmente casta, obediente e pobre, sem nenhuma exceção na sua conduta.
Sustento que este heroísmo é mais autêntico do que o de muitas pessoas consideradas heroicas; é o mesmo senso do sacrifício, do dever, da imolação própria, de que um grande herói pode dar provas num campo de batalha. Não há coisa mais difícil para o homem do que vencer-se a si mesmo, subjugar as suas más inclinações.
O mundo contemporâneo aclama como heróis indivíduos que se metem numa nave espacial e vão para a Lua. Há um certo heroísmo na ação deles, porque arriscam a vida. Então, é indiscutível que eles se portam heroicamente em uma determinada circunstância.
Mas afirmo que o fato de praticar não apenas uma virtude, somente um ato heroico, mas dominar-se a tal ponto de não cair em pecado, para ser fiel à virtude e nela crescer, estar disposto a fazer, a qualquer hora, um ato de heroísmo, é incomparavelmente mais duro do que ir para a Lua. E tenho a impressão de que há muita gente que, para se ver livre de algum vício, aceitaria de ir à Lua, mas não consentiria em praticar os atos difíceis, interiores, necessários para se vencer.
O combate à preguiça e a prática da pureza
Por exemplo, um dos vícios mais difíceis de vencer é a preguiça, nas suas várias formas. A preguiça de concentrar a atenção, de trabalhar ininterruptamente, tomando, é claro, o repouso que o bom senso recomenda. A preguiça de começar um serviço, na medida do possível, do razoável, pelo mais difícil, deixando o mais fácil para depois. A preguiça de ser combativo, de ser amável, de ser duro com as pessoas a quem se quer bem, quando a fidelidade à virtude exige isso. A preguiça de se vencer quando a virtude nos exige que sejamos humildes, flexíveis, dóceis. Tudo isto é uma espécie de polvo, que faz da preguiça um vício que deita tentáculos em toda a nossa vida espiritual. É terrivelmente difícil combater a preguiça. E encontrar uma pessoa que não cede à preguiça em nada, que não só faz tudo quanto deve, mas o realiza com a perfeição devida e de bom grado, com alegria por estar fazendo o que deve, e que ainda está disposta a aceitar mais trabalho caso o dever o imponha, isto é extremamente raro; trata-se de um indivíduo que venceu heroicamente a própria preguiça.
A pureza é uma virtude ao mesmo tempo tão fácil e tão difícil. Se a pessoa não concede coisa alguma à impureza, é fácil manter a pureza. Quem não tem uma concessão de um mau olhar, um mau pensamento, uma inclinação romântica, quem não cede em nada nestes pontos tem normalmente facilidades de manter a pureza. Mas quem faz pequenas concessões fica tão atraído para fazer concessões um pouco maiores, e depois concessões máximas, que a pureza se torna muito difícil de ser mantida. Entretanto, permanecer no estado de pureza é tão difícil, que é um verdadeiro heroísmo manter a contínua perseverança na castidade. Parece um paradoxo, mas é assim mesmo. É uma coisa fácil para se ter, mas ao mesmo tempo extraordinariamente difícil de se conservar.
A obediência na vida religiosa
A obediência. Algumas pessoas talvez não tenham realizado o que é a vida difícil de um religioso ou de uma religiosa no seu convento; o que significa, para um adulto, desde manhã até à noite, não fazer o que quer, mas o que lhe mandam.
A Superiora chama:
— Irmã tal, agora é o momento da senhora regar o jardim.
Ela olha para fora, choveu, não precisa regar o jardim. Mas é necessário obedecer. Ela vai, pega o regador e rega o jardim.
E, no caso de um convento masculino, o Superior diz:
— Irmão tal, o senhor limpou mal tal coisa. Vá lá e limpe de novo.
— Mas Padre Superior, quereria indicar onde é que eu limpei mal, para limpar de novo?
— Vamos juntos que eu lhe mostro. Olha aqui o assoalho, como está sujo! Limpe melhor!
O religioso olha para o assoalho e vê que está limpo… Isso quebra o orgulho.
O grande Dom Vital, Bispo de Olinda, foi noviço num convento de capuchinhos, na França. O Superior dele mandava-o limpar algumas dessas traves que ficam nas paredes para sustentar o telhado. O Superior dizia para ele:
— Mas Frei Vital, o senhor não viu essa penca de aranhas que está pendurada aí? O senhor não tirou?
Ele olhava, não tinha aranha alguma, mas respondia:
— Ah! pois não, Padre Superior. Primeiro peço o seu perdão.
Ajoelhava, osculava o chão.
— Está bem, agora suba e vá limpar.
O Superior não podia perdoar, porque não tinha o que perdoar — não iria fazer uma pantomima —, mas deixava-o beijar o chão.
Frei Vital subia, limpava o que já estava limpo, e voltava.
Evidentemente, isso não é agradável. E não é apenas um dia, nem dois, nem cinco. São dez dias, dez anos, é toda uma vida! Já imaginaram o que é uma existência inteira tocada assim? O que é mais fácil: batalhas, tiros, soa a corneta, o sujeito sai, recebe um tiro, morre; ou passar uma vida inteira num convento?
Visões, revelações e santidade
Compreendemos, então, o que pode caber de verdadeiro e autêntico heroísmo numa vida religiosa. E temos elementos para apreciar esse tipo de vida religiosa, que não se assinala por nenhuma ação externa mais notável, mas é a prática contínua dos conselhos do Evangelho, a renúncia contínua à própria vontade, ao patrimônio próprio, etc. Isto é um verdadeiro heroísmo em relação ao qual devemos ser transidos de admiração.
E daí vem um convite para vermos com mais admiração, mais entusiasmo o estado religioso, compreendermos esse estado no que ele tem de esplêndido.
Quer dizer, devemos entender que uma santa pode não fazer nada de extraordinário na sua vida, a não ser cumprir completamente a Regra, porque se cumpriu perfeitamente a Regra, ela se santifica. E um santo também.
Então, nós temos três conceitos: virtude, virtude heroica, visões e revelações. Virtude corrente, que é acessível a todos os católicos, virtude heroica, para a qual Deus chama todas as almas, mas para praticá-la precisam de graças especiais, porque sem graças especiais ninguém é herói. E depois, nós temos as visões e as revelações, que são uma coisa distinta.
Bento XV, se não me engano, foi um Papa que dizia: “Dai-me um religioso que tenha cumprido perfeitamente a Regra em vida, e eu vos direi que ele foi santo”. É só cumprir a Regra.
Catarina de Ricci foi uma santa dominicana que teve visões, revelações, êxtases, mas não foi santa por isto. Ela teve isto porque foi santa. As causas das visões é a santidade, e não o contrário. E ainda que ela não tivesse tido essas visões, mereceria toda a nossa admiração, pela virtude heroica de que deu prova.
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 13/7/1971)