Súmula contra os erros contemporâneos

O apostolado verdadeiramente fecundo é aquele no qual a verdade não só é dita inteira, mas com ufania, bem argumentada e com uma audácia santa. Nada nos deve deter, precisamos seguir impávidos para a frente anunciando a verdade e o bem como eles são, segundo o exemplo de Santo Avito.

 

Temos para considerar alguns traços da biografia de Santo Avito1, Bispo de Vienne, na França, no tempo do Rei Clóvis.

 

Direitos da Religião verdadeira contra as falsas religiões

 

Vienne fazia parte do Reino da Borgonha, cujo rei era Gondebaud. Santo Avito, a quem Gondebaud dava provas de confiança, esforçava-se por conduzi-lo ao Cristianismo. Um dia, instou tão vivamente com ele, que o rei ariano, não mais resistindo à evidência da verdade lhe rogou o reconciliasse secretamente mediante a unção do santo crisma.

Respondeu-lhe, todavia, Santo Avito: “Se verdadeiramente acreditais, por que temeis confessar a Jesus Cristo diante dos homens, como Ele nos ordenou? O temor de uma sedição dos vossos súditos vos detém, quando se trata de obedecer ao Criador de todas as coisas? Sois rei, e temeis os súditos? Não sabeis que mais cabe a eles seguir-vos, que vós conformar-vos à fraqueza deles? Vós sois o chefe do povo, e não o povo o vosso chefe. Quando partis para a guerra, sois o primeiro em marchar e os soldados vos seguem. Fazei a mesma coisa no caminho da verdade: mostrai-a aos súditos entrando nele primeiro, e não os seguindo nas estradas do erro.”
A doutrina contida aqui é eminentemente antimoderna, contrarrevolucionária. Mais propriamente há três doutrinas contidas nesse texto. A primeira diz respeito aos direitos da Religião verdadeira contra as falsas, e é a seguinte:

Todos aqueles que têm meios de conhecer a Igreja Católica, vivem num ambiente onde a Igreja existe e se fala dela, recebem a graça suficiente para desejarem conhecê-la e, correspondendo a essa graça, conhecerem-na e amarem-na de fato, vindo assim a se converterem. De maneira que não tem desculpa a pessoa que, dentro de um tempo e com uma idade razoável, embora havendo nascido fora da Igreja Católica Apostólica Romana, não acabe percebendo ser ela verdadeira.
Deus não recusa a ninguém a graça sobrenatural da Fé, e todas as pessoas precisam corresponder a esse dom. Naturalmente isso não se diz exatamente assim das pessoas que vivem em países onde nunca se ouviu falar da Igreja, ou se ouviu falar tão vagamente que não existe esse atrativo para conhecê-la mais de perto e, portanto, para amá-la e aderir a ela. Mas em países onde ela é bastante conhecida, todos recebem a graça necessária e suficiente para se tornar católicos. Assim, o herege que não se torna católico é culpado disso.
Nem se poderia conceber de outra maneira porque, se Nosso Senhor Jesus Cristo disse aos seus Apóstolos: “Ide e ensinai a todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”, acrescentando que quem crer será salvo e quem não crer será condenado (cf. Mt 28, 19; Mc 16, 16), nós não podemos imaginar que as pessoas não tenham graças para entrar na Igreja. Seria uma brincadeira ou uma contradição se Ele dissesse: “Aqui está a Igreja, todo mundo deve entrar nela, mas a graça indispensável para isso Eu não dou senão a alguns.” Mas a obra d’Ele, sendo sapientíssima e perfeitíssima, tem de atingir naturalmente a sua finalidade. E sendo essa finalidade que os homens entrem para a Igreja, lhes é dada a graça suficiente para isso; e quando a recusam, eles têm culpa.

 

Na época da Civilização Cristã, as igrejas heréticas não podiam ter forma exterior de templos

Mais culpa ainda tem o herege que foi católico e abandona a Igreja Católica, porque esse recebe com o Batismo a graça infusa da Fé e, por meio do pecado mortal mais grave que se possa cometer, que é o de apostasia, ele abandona a Santa Igreja.
Portanto, dizer que um católico abandonou a Igreja sem culpa: “Coitado, ele não entendeu tal argumento, conversou com um pastor protestante que o convenceu, mas estava de boa-fé”; isso não vale. Todos têm graça suficiente para permanecer na Igreja Católica. E se uma pessoa sucumbe aos sofismas de um pastor protestante, de um agitador comunista ou de qualquer outro herege, há uma responsabilidade própria.
Embora ninguém tenha o direito, propriamente dito, de fazer o mal e professar o erro, a Igreja sempre recomendou que não se obrigasse uma pessoa a mudar de religião, mesmo porque não adiantaria nada. Se digo a um herege: “Você crê ou morre”, para não morrer ele dirá que acredita, mas por dentro continua a não crer. Seria, portanto, uma estupidez. De maneira que a Igreja sempre recomendou que se tolerasse – mas tolerar é muito diferente de permitir – que os hereges praticassem o seu culto.
Isso tem como consequência que, nos tempos da Civilização Cristã, as igrejas que não eram católicas não podiam ter forma exterior de templos. Ainda na época do Império no Brasil, igreja protestante ou qualquer outra tinha que funcionar numa casa comum. Esse é um princípio que nós vemos lembrado aqui.

 

O Estado deve ser a força material a serviço da Igreja

 

 

Outro princípio é o seguinte: o Governo existe não principalmente para o bem dos corpos, mas para ajudar a Igreja na salvação das almas. Por isso o Estado deve reprimir as heresias, os pecados, e ser a força material a serviço da Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Logo, o papel normal dos reis é abraçar a verdadeira Fé e levar os povos a aceitá-la.
O terceiro princípio é o contrário da soberania popular pleiteada por Rousseau2, que exatamente inverte a ordem: é a doutrina da Revolução Francesa, por onde os que governam são dirigidos por aqueles que são governados. Um rei não é feito para fazer o que o povo quer, mas o povo deve ser governado pelo seu rei. O monarca é responsável pelo povo e prestará contas dele perante Deus.
Ora, nessa biografia de Santo Avito notamos a afirmação destes três princípios. Ele estava em face de um rei herético, ariano. O santo prelado dirige-se, então, a ele e consegue convertê-lo. Mas o soberano, com medo de uma insurreição de seus súditos que eram arianos, pede que sua conversão seja secreta. Então Santo Avito lhe diz: “Eu não concordo com isso. Por que essa conversão precisa ser secreta? Ela deve ser pública e sua função é de, pelo seu exemplo e autoridade, exterminar o arianismo no seu reino, e não ficar quieto diante dele. Quem manda sois vós, o povo vos deve obedecer. Assim como na hora da guerra vós sois o primeiro a sair em combate contra os inimigos, assim também na hora da paz deveis dar o exemplo e os vossos súditos vos devem acompanhar.”
Não é naturalmente que o rei deva obrigar pela força os outros a se converterem, mas ele deve dar o exemplo que os outros, pelo prestígio da majestade real, precisam seguir.

Esses três princípios lembrados por Santo Avito constituem uma pequena súmula contra os erros contemporâneos, os quais afirmam que o Estado nada tem a ver com os cultos e nada deve fazer

para levar os povos à prática da virtude.

Constatamos, assim, o quanto as nossas posições ideológicas têm santas e augustas raízes no mais remoto passado da Igreja Católica, pois esse prelado tinha a autoridade de santo para fazer essas afirmações. Ele era um bispo, mas há mais do que isso: quando a Igreja o canonizou, apontou-o como exemplo para todos. Ao canonizar alguém, a primeira coisa que a Igreja diz é: “Ele praticou em grau heroico as virtudes teologais da Fé, Esperança e Caridade, e as cardeais da Justiça, Fortaleza, Temperança e Prudência. Com base no exame da vida e das obras dele, eu, Papa, afirmo que ele está no Céu. Tais milagres confirmam as conclusões desse inquérito.” Além disso, a Igreja declara que o Santo é o modelo dos fiéis. E a canonização equivale a dizer: “Imitai-o, inspirai-vos no exemplo dele, pensai e agi como ele!” Logo, inculcando que se deve lutar contra esses erros, seguimos augustos exemplos de inumeráveis Santos que agiram da mesma maneira.

 

Devemos ser almas indomáveis, intrépidas, piedosas, sobrenaturais

 

Poderia parecer que esses santos do Império Romano cristão e da Idade Média agiram assim porque todo o ambiente lhes era favorável. Entretanto, eles lutavam contra inimigos tremendos, ferocíssimos. O arianismo produziu na Europa devastações incontáveis.
Eles venceram, quando tantas vezes os católicos não vencem, como sucede atualmente. Mas por quê? Porque os católicos de hoje são moles, contentam-se com as meias afirmações, com as meias verdades, gostam da confusão entre a verdade e o erro, entre o bem e o mal, e por isso não têm as bênçãos de Deus. O apostolado desses é tantas vezes estéril, embora disponham de meios de ação prodigiosos. Nós vamos ver quem os seguem… ninguém.Que rádio, que televisão tinha Santo Avito? De que imprensa ele dispunha? Nada; ele contava apenas com o púlpito e sua autoridade de bispo santo. Ele fazia seus sermões e esses tocavam o coração de um rei. Isso porque o apostolado fecundo é o apostolado franco em que a verdade não só é dita inteira, mas com ufania, bem argumentada e com uma audácia santa.
Pode ser que às vezes aconteça o que ocorreu com São João Batista ou Nosso Senhor Jesus Cristo. Mas eu pergunto: Então Nosso Senhor Jesus Cristo e São João Batista fracassaram? Ou, pelo contrário, o Divino Redentor, derramando seu Sangue, salvou a humanidade? O sangue de São João Batista não terá subido ao Céu como o de Abel, clamando vingança contra Herodes e Herodíades, e misericórdia para tantos homens que estavam esperando naquele tempo a luz da verdade?
Por certo, nessa tática da energia encontramos reações tremendas. Às vezes acontece de morrermos. Mas se um católico julga que morrer na defesa da Fé é um desastre, então ele deveria recomeçar tudo, precisaria nascer de novo, pois o contrário é a verdade: o martírio, o sofrimento conduz à glória e à fecundidade do apostolado.
De maneira que nada nos deve deter, precisamos seguir impávidos para a frente anunciando a verdade e o bem como eles são, segundo o exemplo de Santo Avito. Homens assim, um morria, dez venciam. Aquele que morria assistia à vitória desde o Céu. Foram bispos, papas, leigos desse modo que constituíram o fermento o qual deu origem à Idade Média.
Quando vemos restos magníficos da Idade Média, catedrais imensas, castelos maravilhosos, vitrais, o canto gregoriano, quando pensamos na Cavalaria, nas Cruzadas, no feudalismo, em tantas recordações que a Idade Média deixou e que são uma luz no meio das trevas deste mundo, devemos nos lembrar de que há no alicerce de tudo isso quanta coragem, quanta ousadia, quanto senso de sacrifício, quanta confiança na graça como elemento decisivo de toda vitória e quanta segurança de que andando para a frente, com a graça de Deus, o homem é invencível. Isto fez germinar a Idade Média.
Peçamos a intercessão de Santo Avito para que nos obtenha as graças a fim de sermos as almas indomáveis, intrépidas, piedosas, sobrenaturais das quais o Reino de Maria deve nascer.v

(Extraído de conferência de 4/2/1966)

Um príncipe segundo o plano de Deus

Realizando o altíssimo plano de Deus para a Civilização Cristã, o Príncipe São Casimiro soube aliar a nobreza e o laicato à santidade perfeita, sendo uma pedra de escândalo para sua época e difundindo o aroma da Santa Igreja pela sua pureza ilibada e seu zelo na defesa da Fé.

 

Temos uma ficha biográfica1 sobre um príncipe da época em que a Hungria era chamada o “Reino Apostólico da Hungria”. Trata-se de São Casimiro, da Polônia, cuja festa se comemora no dia 4 de março.
São Casimiro, príncipe polonês, veio ao mundo em 5 de outubro de 1458. Foi o terceiro filho de Casimiro III, Rei da Polônia e Grão-Duque da Lituânia, e de Isabel da Áustria, filha do Imperador Alberto II. Desde o berço foi formado na virtude e piedade pelos cuidados de sua mãe, princesa muito católica.
Esta ficha biográfica traz uma série de observações. A primeira delas, a respeito da qual não podemos deixar de insistir, é o grande número de nobres e de pessoas pertencentes a dinastias reinantes, que foram elevadas, durante a Idade Média, à honra dos altares, esfarrapando a lenda revolucionária de que os nobres não eram senão uns imorais, corruptos, sanguessugas.
No caso concreto, eu me comprazo em afirmar o fato de São Casimiro ter vivido na corte de seus pais, no século XV. Como vemos, a mãe dele era descendente da família imperial Habsburg.

 

Uma corte segundo a Civilização Cristã

Para efeito das teses que temos em vista não é uma coisa tão concludente considerar um príncipe qualquer que, em determinado momento, deixou a corte para abraçar o estado religioso. Sem dúvida, é uma ação nobre, piedosa, edificante, mas para as nossas teses o mais concludente é o fato de ele ter continuado a viver na corte e aí se ter santificado.
Por causa da impregnação de “heresia branca”2 sob a qual o mundo contemporâneo está sujeito, ainda prevalece no subconsciente de muitas pessoas a ideia de que só padres e freiras podem alcançar a santidade. Fora desse âmbito é tão raro o surgimento de um santo, que se considera um caso extraordinário, quase monstruoso. Como na natureza pode brotar um rabanete de tamanho excepcional, assim a graça produz, às vezes, um santo leigo. Parece uma coisa maravilhosa, uma exceção à regra.
Contudo, um santo leigo não é exceção à regra, mas a realização perfeita do plano da Providência. Ademais, o fato de um nobre ter se conservado íntegro na corte de um rei, mostra-nos esse ambiente como um elemento dentro do qual um católico pode viver e santificar-se.
Neste sentido, constitui uma espécie de elogio ao ambiente onde o santo viveu e uma afirmação de que, com frequência, a santidade perfumou a atmosfera nobiliárquica, contrariamente à pregação revolucionária. Então, em vez de serem lupanares, lugares medonhos de perdição e corrupção, as cortes foram, em numerosos casos, receptáculos da santidade onde a virtude atuou, teve prestígio e influência, realizando assim o ideal da Civilização Cristã.
Segundo esse ideal, o que é a corte real? O rei é a imagem terrena de Deus; logo, a corte terrena é imagem da celeste. Numa corte autenticamente católica, em face de um rei santo, os cortesãos deveriam ser a representação dos Anjos e Santos diante de Deus três vezes Santo. Ora, que isso tenha tido, em determinadas circunstâncias históricas, importantes parcelas de realização deve nos encher de entusiasmo e alegria, são exemplos que devemos opor à crítica revolucionária.

Alguém poderia objetar: “Em um número grande de casos, as cortes foram assim. Mas esse número grande é colhido a esmo ao longo de mil anos de história, de maneira que é possível encontrar numerosos exemplos de muitas coisas. Isto não prova que as cortes, a fortiori, tenham sido sempre assim, mas apenas uma vez ou outra. Daí nada se deduz.”
Ora, se as monarquias produziram isso pouco, eu quero saber o que as repúblicas produziram. Por exemplo, quem já ouviu falar em senador santo? Vê-se, então, a diferença existente entre uma coisa e outra, e quanto esses fenômenos são significativos.
Por outro lado, está provado que nas cortes mais depravadas houve sempre uma prestigiosa corrente de reação. Por exemplo, um personagem histórico sobre o qual pouco se tem falado entre nós, e que é muito interessante, é o Delfim Luís Fernando, filho de Luís XV, homem excelente, irmão da Madame Louise de França, que morreu carmelita e da qual ainda se procuram elementos para o processo de canonização, e também da Rainha da Sardenha, Madame Clotilde, irmã de Luís XVI, declarada bem-aventurada pela Santa Sé. Isto na tão putrefata corte de Versailles, no tempo de Luís XV.
Continuemos a análise da ficha sobre São Casimiro.

Alma penitente e de uma pureza convidativa

Sua pureza e castidade foram, desde a infância, absolutamente virginais e evangélicas. Era difícil imaginar um príncipe de maior inocência, de maneiras mais belas e com méritos mais elevados. A pureza de seu coração e de seu corpo brilhava em toda a sua conduta, de modo que todos os que o viam ou com ele tratavam, sentiam-se movidos à castidade.
Seu espírito era tão unido a Deus, que sua paz interior se manifestava na grande serenidade do seu rosto. Todos os seus servos, ao seu exemplo, eram cheios de bondade e se destacavam pela extraordinária misericórdia para com todos os visitantes e os pobres que iam lá pedir esmola. Pode-se formar uma ideia da felicidade dos súditos de tão santo príncipe.
Aqui temos um personagem que poderia figurar na pintura de um vitral em uma catedral. Príncipe da casa real, com irmãos reis, São Casimiro era um jovem de alta cultura e condição social, no qual se reuniam todos os dons físicos, intelectuais e espirituais; era um varão muito justo, misericordioso e bondoso.

É interessante notar a castidade enorme deste Santo. Uma nota curiosa desta castidade é a sua comunicatividade. Ele era tão puro que transmitia aos outros o desejo de o serem também. Isso tem uma beleza especial, porque muitas vezes encontramos pessoas puras, dignas de admiração e homenagem, mas a quem Nossa Senhora não deu o dom de tornar comunicativa essa virtude.
Ora, uma das melhores formas de fazer apostolado é ter essa virtude comunicando-se de uma pessoa para outra, como por osmose.
Mas, como Deus está irado com o mundo, esses dons se tornam raríssimos. Por esse motivo, devemos recorrer a São Casimiro para compreender o que é a pureza convidativa e irradiante, e assim atrair as pessoas para a prática dessa virtude contrária à impureza, à voluptuosidade, também conquistadoras, e que arrastam para o mal. A virtude arrastando para o bem é uma coisa que pouco se vê em nossos dias e, no entanto, dá tanta glória a Nossa Senhora!
São Casimiro teve, entre outros, o dom da continência, que o tornou casto toda a vida, num celibato muito puro. Para corresponder com maior facilidade a tantas graças, cobriu seu corpo com rudes cilícios e o macerou com longos jejuns. Com frequência, passava noites inteiras dormindo sobre uma tábua e, algumas vezes, dormia nas portas das igrejas, onde era encontrado de manhã, com o rosto virado para o chão. Todas essas mortificações, o Santo praticava sem ferir qualquer das pompas que a dignidade de sua Casa, ou a consideração das pessoas com as quais vivia, pareciam exigir do seu estado.
Há um outro aspecto interessante aqui: é a atitude de São Casimiro vestindo roupas régias e levando cilício por baixo. Ele quer fazer penitência, mas sabe que sua condição lhe impõe vestir-se com a pompa inerente à sua categoria. E como ele não é igualitário, usa tudo quanto é necessário para a manutenção de seu estado. Vemos nisso o equilíbrio do verdadeiro Santo.

Qual o valor disso? Este Santo considerava tão nobre e justo que um príncipe, ou qualquer pessoa de maior categoria social, tivesse um estado de vida superior, que ele, fazendo penitências de todos os modos, encobria sua mortificação para ostentar sua nobre condição aos olhos de todos, qualificando isso como um verdadeiro dever de estado a ser cumprido.
Desde seus primeiros anos São Casimiro se desinteressou dos prazeres do mundo, das diversões e da vida folgada. Seus prazeres, os mais atraentes, eram de passar várias horas seguidas rezando diante dos altares. O palácio de nosso Santo era um lugar de devoção, onde se rezava a Deus o dia inteiro. Quando ele assistia ao Santo Sacrifício da Missa, não era raro que tivesse êxtases no momento de se operar a transubstanciação.
Uma das virtudes em que mais se esmerou o grande São Casimiro foi a cordial devoção a Nossa Senhora, à qual chamava de “minha Boa Mãe”. Daqui veio a conservar os virgíneos candores desse arminho, apesar do real estado e da viçosa idade… Não contente de recitar todos os dias um longo hino, composto por ele, no qual cantava os mistérios da Encarnação e os gloriosos privilégios da Mãe de Deus, quis ainda ser enterrado com essa oração e uma imagem de Nossa Senhora, a qual cento e vinte anos depois, por ocasião do processo de canonização, quando foi aberta a sua sepultura, foi encontrada junto ao corpo.

O Santo é sempre uma pedra de escândalo

Ao completar Casimiro treze anos, os Estados da Hungria, não estando satisfeitos com seu Rei, Matias Corvino, enviaram deputados ao Rei Casimiro III para que seu filho obtivesse a coroa da Hungria em detrimento de Matias. Casimiro III prometeu-lhes seu filho e o enviou com um exército para apoiar seu direito à eleição, contra Matias, que não aceitava sua deposição. Tendo chegado às fronteiras da Hungria, São Casimiro soube que Matias acabava de reunir dezesseis mil homens para ir à frente dos poloneses e que tornara a conquistar o coração dos súditos. Soube também que o Papa Sisto IV se declarara pelo rei destronado e enviara uma embaixada a seu pai, para fazê-lo abandonar a empresa.
Foi então que o jovem príncipe percebeu a demasiada facilidade com que seu pai escutara os deputados húngaros. Tendo, então, reconhecido a injustiça da expedição a que o tinham atraído, ele se recusou a fazer qualquer outro ataque e voltou para a Polônia.

Foi mandado pelo pai para tomar conta da coroa da Hungria, e só quando chegou à fronteira percebeu que não estava depondo um usurpador, mas o rei legítimo. A partir desse momento ele se recusou a combater.
Vejam a preocupação em não derrubar um governo legítimo. Ao contrário desta nossa época em que os governos são tão mais perecíveis quanto mais legítimos, e tanto mais estáveis quanto mais ilegítimos são.
Estes são alguns preciosos exemplos de virtudes dados por São Casimiro, e temos que aproveitá-los para a nossa santificação.
Para não aumentar o desgosto de seu pai, que planejara aquele empreendimento, retirou-se para o Castelo de Dobczyce, onde se entregou a austeras penitências. Ao fim deste tempo voltou ao palácio real, onde já encontrou tudo mais em paz.

Casimiro, inimigo nato de toda espécie de intriga, era sumamente vigilante em tudo o que dizia. Tinha palavras inflamadas quando falava a respeito da beleza da virtude e do feliz estado de uma alma em paz, em amizade com Deus.
Seu zelo pela Religião Católica correspondia a tanta piedade. Fez conhecer em diversas ocasiões sua aversão pelos que corrompem a Fé da Igreja. Ele empregou todo o seu poder em extirpar o cisma dos russos. Em virtude disso, fez agir seu zelo ante o Rei, seu pai, a fim de confiscar todas as igrejas cismáticas e impediu mais tarde que estas fossem restituídas aos cismáticos.
É muito bonito ver o seu zelo contra os hereges, virtude que sempre acompanha a alma da pessoa verdadeiramente pura. Havia certas igrejas, no reino do pai dele, entregues aos cismáticos, e ele fez questão de que de lá fossem expulsos.
Nesta biografia consta um grande gesto de heroísmo e de energia da parte de São Casimiro: o confisco dos bens da igreja cismática e o impedimento desta funcionar na Polônia. Gesto que está à altura de um inquisidor ou da alma de um Santo.
Mas, tirando esse gesto, o que nós vemos? As virtudes suaves, amáveis, que tornam um homem atraente. Não notamos as virtudes do batalhador. Por quê? Precisamente porque na Europa de então vivia-se o período chamado de “anarquia feudal”.
Os senhores feudais, os príncipes se destacavam todos pela tendência excessiva a combater, a manter, uns com os outros, um estado de guerra contínuo, por razões muitas vezes fúteis que levavam a Santa Sé a pronunciar condenação em cima de condenação.

Duas influências nefastas contribuíam para a existência desse estado de coisas. Em primeiro lugar, pela influência bárbara, embora remota, mas que ainda se fazia sentir e levava esses homens a não poder viver tranquilos. De outro lado, houve também uma explosão de vaidade a que, infelizmente, as Cruzadas do Oriente tinham dado lugar.
Como se sabe, na Europa houve várias Cruzadas, das quais a mais vitoriosa foi a da Espanha e Portugal contra os mouros que invadiram a Península Ibérica. Também houve Cruzadas coroadas de belo êxito contra os turcos, vindos do Sul, que invadiram mais de uma vez a Hungria, ou contra os pagãos do Mar Báltico que queriam impedir a expansão da Religião Católica.
Mas, ao par dessas, empreendeu-se a série de Cruzadas mais célebres destinadas à libertação do Santo Sepulcro, que, no total, umas pelas outras, redundaram no fracasso, em grande parte por causa do espírito de vaidade e de exibição que se apoderou dos cruzados. Sabendo que todo o Oriente tinha os olhos voltados para eles e que os atos de coragem praticados para a reconquista do Santo Sepulcro haveriam de redundar em fama, boa reputação e em glória para eles, tinham a pretensão de ocupar, no Oriente, os primeiros lugares nas batalhas, destacando-se e ganhando celebridade no Ocidente, dentro do contexto deles. Portanto, não abandonaram o contexto que ficava na Europa; apenas saíram fisicamente dele, mantendo a preocupação de ali se tornarem célebres.
Assim, acontecia muitas vezes que, com pasmo e verdadeiro escândalo para todo o mundo, quando chegava a hora de o General-chefe distribuir as posições de guerra, e não distribuía para esse ou aquele nobre um lugar onde ele teria ocasião de realizar grandes proezas, esse nobre não aceitava e entrava em luta contra o outro designado para tal posição. Então, na primeira linha, os cruzados guerreavam entre si em vez de lutar contra o adversário. Resultado: naturalmente, saíam derrotados.
Isso contaminou toda a nobreza europeia com uma espécie de vício de fanfarronada militar, cujo resultado foi que, terminadas as Cruzadas, mesmo na Europa as lutas entre os feudos fossem incessantes, e todos os Estados europeus vivessem numa agitação e numa fermentação contínua por causa disso. Essa era a “anarquia feudal”.
Essa situação favoreceu indiretamente a causa da Revolução, pois para coibir essa anarquia, os reis começaram a exercer uma autoridade brutal sobre os senhores feudais até quebrá-los, passando para a monarquia absoluta dos tempos modernos, certamente muito menos digna de aplauso do que a feudal como o ideal medieval a tinha imaginado.
Tratava-se, nesse tempo, de fazer uma reação contra esse espírito de fanfarronada, de vaidade militar, em favor da luta contra o gérmen da Revolução que se vinha acumulando.
Temos, então, um príncipe que faz o escândalo daquele século. São Casimiro vai invadir a Hungria porque, em virtude de direitos hereditários e por aclamação popular, fora eleito Rei daquele país no lugar do monarca deposto. Porém, quando chega à fronteira e recebe a notícia: “O Papa considera a sua causa falsa. Julgou o assunto e reconhece o Rei Matias como verdadeiro monarca. Aliás, este já subiu ao trono novamente, porque as diferenças existentes entre ele e os súditos foram aplacadas. Portanto, o Rei legítimo está no seu palácio”, São Casimiro se detém na fronteira e diz: “Se esse é o pensamento do Papa, eu paro, submeto-me e volto para trás. Não irei conquistar um reino ao qual não tenha direito.”
Isso era o contrário da mentalidade da “anarquia feudal”, segundo a qual ele deveria dizer: “Eu provarei, pela ponta de minha espada, que sou homem de coragem e conseguirei o que eu quero!” E avançaria contra toda razão e todo direito, para mostrar ser audacioso.

Suscitado para rebater a Revolução de seu tempo

Também, nessa época, começava a se acentuar a ideia de que um príncipe que reza muito, dá esmola aos pobres e tem um trato

muito afável não possui as virtudes verdadeiramente militares e não é um homem corajoso, o qual, segundo a concepção errada, não é afável nem piedoso; ao contrário, é um fanfarrão disposto a toda hora a brigar com qualquer pessoa, e não conhece o oposto harmônico que é exatamente a placidez, a serenidade, o amor à paz, o equilíbrio que dão o verdadeiro valor à coragem.

Na realidade, a fanfarronada estava substituindo a coragem sincera. Ora, São Casimiro enfrentou toda essa posição errada de seu século e praticou tais virtudes, ditas moles, mas que naquela época era preciso ter uma coragem extraordinária para praticar, porque todo o mundo as desprezava.
Com efeito, o Santo é equilibrado, forte, vigoroso, heroico se necessário, mas capaz também de não praticar esse falso heroísmo de ponta de faca se as circunstâncias pedem dele outra forma de heroísmo, que consiste em enfrentar a opinião pública. Esse herói é, portanto, o tipo do verdadeiro príncipe que devemos venerar e honrar.
Nota-se como Nossa Senhora o suscitou, no fundo, para salvar o feudalismo. Se os senhores feudais tivessem seguido esse exemplo, a “anarquia feudal” se aplacaria por si mesma, e teria sido muito difícil a implantação da monarquia absoluta e pré-revolucionária dos tempos modernos.
Nós devemos ver em São Casimiro o varão que teve coragem de resistir à pressão de seu tempo, de fazer o contrário do que convinha à Revolução da época. Esta é a verdadeira coragem, e quem a possui conquista as demais, inclusive a de derramar o seu sangue no campo de batalha se as circunstâncias exigirem.
Se vejo alguém com coragem de enfrentar a opinião pública, embora nunca tenha dado provas de bravura numa batalha campal, sou capaz de afirmar: “Esse homem tem grande possibilidade de ser um herói no campo de batalha.”
Entretanto, de um herói no campo de batalha, eu me perguntaria: “Que probabilidade ele tem de enfrentar a opinião pública?”
Porque quem enfrenta o mais difícil, isto é, a opinião vigente, é capaz de expor a sua vida.
Alguém perguntará: “Mas será verdade, Dr. Plinio, que é mais difícil enfrentar a opinião pública do que o adversário no campo de batalha?”
É nobilíssimo, belíssimo, empolgante enfrentar o adversário no campo de batalha a serviço de uma guerra justa e, sobretudo, sagrada. Mas há muita gente disposta a correr o risco de entrar em combate por medo de ser objeto de caçoada se permanecer na retaguarda. Logo, tais pessoas têm mais medo da risada do que da metralhadora.
Assim, nós podemos considerar São Casimiro como um verdadeiro herói.

Difundindo o aroma de santidade

Estando São Casimiro enfermo, diziam os médicos, e o importunavam seus domésticos, que lhe era necessário o casamento para conservar sua vida e saúde, tão importantes ao bem público. Desprezando com uma heroica constância os avisos dos médicos, respondeu-lhes ele uma sentença digna de seu espírito casto, generoso e celestial: “Não conheço outra vida e outra saúde mais que a Cristo, por cuja companhia desejo desatar-me”.
Deus lhe fez a graça de revelar o dia e a hora de sua morte, para a qual ele se preparou particularmente. No dia 4 de março do ano de 1483, aos vinte e quatro anos, expirou docemente entregando a sua alma a Deus. Seu corpo foi levado com grande pompa fúnebre para a Catedral de Santo Estanislau, em Welms, capital do ducado do qual ele era senhor, e recebeu ali as honras da sepultura. Operou-se grande número de milagres por sua intercessão.
Cento e vinte anos após a sua morte, seu corpo e as ricas vestes com que fora enterrado foram encontrados incorruptos, construindo-se uma riquíssima capela de mármore para conservação desta relíquia. São Casimiro é padroeiro da Polônia e modelo de pureza para a juventude.

Nós temos falado em muitas ocasiões a respeito dos Santos fundadores de povos ou de ciclos de civilização, e que por sua ação extraordinária movem a História. Porém, também podemos considerar que há uma outra categoria de Santos que nascem e se tornam exímios na prática de uma virtude, a qual eles vão representar em toda a vida da Igreja. E, para que a atenção dos fiéis não se desvie deste ponto central, esses Santos morrem relativamente jovens e a sua vida fica circunscrita à prática daquela virtude.
Considerem, por exemplo, São Luís Gonzaga. Ele fez pouca coisa, mas morreu no apogeu da virtude, ainda adolescente. Se ele tivesse realizado numerosas obras, as atenções se voltariam para o que ele fez, em vez de se concentrarem no que ele foi, e o principal exemplo a ser dado por ele acabaria esquecido.
Tais Santos nos mostram que a santidade consiste, sobretudo, em ter uma ação de presença dentro da Igreja, em difundir o aroma dessa santidade, não só enquanto estão vivos, mas depois de mortos. E que a vida deles, tão precocemente imolada e, em geral, oferecida em benefício da Igreja Católica, é um elemento preciosíssimo para a salvação das almas.

 

(Extraído de conferências
de 3/3/1964, 3/3/1966,
3/3/1967 e 25/11/1974)

 

1) Cf. ROHRBACHER, René-François. Vida dos Santos. São Paulo: Editora das Américas, 1959. v. IV, p. 177-180.
2) Expressão metafórica criada por Dr. Plinio para designar a mentalidade sentimental que se manifesta na piedade, na cultura, na arte, etc. As pessoas por ela afetadas se tornam moles, medíocres, pouco propensas à fortaleza, assim como a tudo que signifique esplendor.

Majestade, ápice da grandeza

Em Nosso Senhor Jesus Cristo o equilíbrio entre a majestade e a bondade encantava a Dr. Plinio. O Sagrado Coração de Jesus tão majestoso, mas sempre com uma bondade levada ao último limite do excogitável, deu-lhe a ideia, desde pequeno, de que o padrão mais alto da majestade era Ele. E, por sua vez, havia ali um lugar naturalmente posto para a devoção a Nossa Senhora.

A majestade se distingue da grandeza, porque ela é o ápice da grandeza. Mas não é qualquer ápice dela que define a majestade.

Conjugação entre finalidade e perfeição

Tomem, por exemplo, algo banal como os quatro dentes de um garfo. Há uma razão para que sejam nesse número: corresponde às dimensões do bocado que a boca humana normalmente ingere, ao menos nos costumes do Ocidente. Eles foram calculados pelo costume, pela tradição e por um certo bom senso presente em tudo.
Entretanto, se o garfo perder um dente, não vale mais nada. Pode-se jogá-lo fora. Se for de prata, mandamos fundi-la para vender o metal, mas ele, enquanto instrumento, já não tem utilidade.
A imagem do garfo íntegro traz consigo uma ideia de perfeição. Aquilo que é completo é perfeito. Embora a perfeição possua graus, no seu gênero determinado, naquele seu estilo, tudo quanto é completo é perfeito.
A coisa perfeita é, então, aquela que por si mesma realiza toda a sua missão. O garfo não realiza a missão de alimentar o homem e, sim, de espetar alimentos, e isto é suficiente.
As noções de completo e suficiente se conjugam. E quando algo adquire esta suficiência, passa a ter, em linguagem filosófica, a perfeição. Possui um grau, pelo menos mínimo, de perfeição. Eu posso imaginar, por exemplo, um garfo de ouro pertencente à Rainha Elizabeth. Este seria, sem dúvida, mais perfeito.

Majestade: a grandeza daquele que tem o poder supremo

Ora, a majestade é a grandeza daquele que está colocado como primeiro, ou numa ordem de coisas, ou numa associação perfeita possuidora de todos os elementos necessários para subsistir como deve. Ele é a chave de cúpula fora da qual todo o resto se esvai.
Só há duas sociedades perfeitas, de fato: a Igreja e o Estado.
Este é o ensinamento da Igreja: Ela é uma sociedade perfeita, tem todos os elementos para realizar a sua missão, e tem o governo soberano, acima do qual não há nenhum.
A Igreja é destinada à ordem espiritual, o Estado à ordem temporal.
O Estado é aquela sociedade perfeita de um povo, ou de vários, colocados sob a direção de um mesmo poder público soberano, não há nenhum outro acima dele.
Alguém dirá: “Mas a família não é uma sociedade perfeita?”
Não, ela é a cellula mater da nação. Se quiserem, em certo sentido, do Estado. Mas não é uma sociedade perfeita.
Outro objetará: “Um partido político não pode ser tido como sociedade perfeita?” Chama-se partido, logo não é perfeito, porque é uma parte. A sociedade perfeita é um todo.
“Bem, mas uma Universidade não é uma sociedade perfeita?” Não. Porque ela existe dentro do Estado e precisa dele. O Estado não precisa dela, está por cima.
Então, a verdadeira majestade, no sentido pleno da palavra, é a grandeza daquele que tem o poder supremo na sociedade perfeita: É o Rei, ou é o Imperador.
Assim se compreende melhor a etimologia: majus stat1. É aquele maior do que todos. Este tem majestade.

A majestade é, antes de tudo, de Deus

A majestade é, antes de tudo, de Deus. Ele é a Majestade. Em comparação com Deus, quis sustinebit?2 Quem é qualquer coisa em comparação com Ele? E em união com Ele, logo abaixo d’Ele, Cristo Rei. Nosso Senhor Rei tanto da Igreja quanto do Estado. É evidente. O Estado tem obrigação, em suas leis, de conformar-se em tudo com os desígnios de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Abaixo de Nosso Senhor Jesus Cristo, Nossa Senhora. Porque o governo de todo o universo foi entregue por Deus a Ela, que Se tornou a Imperatriz. Depois vem o Papa, e de modo sucessivo o Rei, o Imperador, o chefe de Estado.
Como se explica que chefes de Estado se constituam com um poder que nega a majestade?
Por erro deles. Porque mesmo numa nação independente, de índole republicana, se deveria reconhecer a grandeza daquele que ocupa, embora temporariamente, as funções supremas. O fato de elas serem provisórias diminui a grandeza da situação pessoal de quem as exerce. Porém, não diminui a função em si.
Por exemplo, o doge de Veneza era chefe de Estado provisório. Ele era eleito por dez anos. Mais tarde parece ter passado a ser vitalício. Enquanto era provisório, não era hereditário, ou seja, não pertencia à família dele aquele poder. Qual era a dignidade dele? Era a de ser doge. Doge quer dizer duque, em dialeto veneziano. Duque temporário, mas soberano de uma região riquíssima, mas pequena. Ficava ridículo ser imperador. Ninguém é imperador de Luxemburgo, por exemplo. No entanto, ele estava cercado de um fausto, do qual dá bem ideia o Palácio dos Doges. Ou seja, o poder público, de si, deve ter majestade.

Em Saint-Germain l’Auxerrois, um fato que ilustra a majestade

Alguém poderia dizer: “O senhor tratou da majestade enquanto ligada ao cargo. Uma pessoa não pode ter majestade por um dom natural?”
Pode, mas nesse caso ela tem um dos elementos da majestade e, por ampliação, se afirma que ela tem majestade. Quer dizer, se ela tem uma tal supremacia pessoal que, olhando-a se pensa na realeza, ela tem os elementos que caracterizam o rei. Ela não é um rei, mas é majestosa.

Certa vez, minha família ouviu Missa na Igreja de Saint-Germain l’Auxerrois, em Paris. E viram entrar a Princesa Isabel acompanhada de uma dama. Como ela era princesa, e a Primeira Guerra Mundial não tinha arrebentado ainda, se prestava, mesmo nas Repúblicas, a honra de dar-lhes um lugar no presbitério. Ela entrou e foi direto para lá, ocupando o lugar que lhe estava reservado.

Terminada a Missa, minha mãe e minha avó, que não a conheciam pessoalmente, viram a dama de honra da princesa se levantar e ir caminhando em direção a elas, dirigindo-lhes a palavra:
— Eu sou a Baronesa de Muritiba, dama de honra da Princesa Isabel. Ela viu as senhoras desde o presbitério, achou que fossem brasileiras. Então, me mandou manifestar seu desejo de conhecê-las. Se quiserem, ela as espera na sacristia.

Foram até lá: Cumprimentos, homenagens, e, na conversa, a princesa soube que minha mãe era casada com um parente do João Alfredo3, deputado no tempo do Império, muito chegado à Imperatriz. Soube também que meu avô era chefe monarquista em São Paulo, e uma porção de histórias assim. E o resultado foi um convite da Princesa Isabel para todos os membros de minha família irem tomar lanche na sua residência, em Boulogne-sur-Seine.
Foram todos, até as crianças, porque naquele tempo era costume conhecerem-se as famílias inteiras, e não algumas pessoas. Eu tenho certeza que a Princesa Isabel não se espantou nenhum pouco de ver umas dez ali. E para elas era uma ocasião de poder dizer a vida inteira: “Eu conheci a Princesa Isabel!”
Um dos meus tios tinha um filho surdo-mudo que aprendeu a falar com um sistema inventado em Viena, o que naquele tempo era novidade. Esse menino era meio détraqué4. Apesar disso o levaram, por medo de deixá-lo muito deprimido se todos os outros fossem e ele não. Acredito bem, aliás, ter Dona Lucilia, a grande favorecedora desse sobrinho, votado em favor da ida dele.

Chegamos, ficamos todos em pé esperando a princesa. Afinal, ela entrou, cumprimentos. Quando ela foi se aproximando, meu primo, que elevava a voz muito mais alto do que o natural, pois não ouvia, começou a falar:
— Essa é a princesa? Onde se viu? Princesa tem coroa, tem cetro, tem manto bonito! Ela está vestida como vovó!
A Princesa Isabel ouviu isto e, com muita bondade, disse-lhe sorrindo:
— Pois é, meu filho, não tenho nem o manto nem a coroa, mas eu sou a Princesa Isabel, e tenho gosto em conhecer você.
Ela era muito majestosa, um modelo de majestade!

Pendor para o excelente

É próprio do espírito humano reto, bem constituído, ver uma coisa boa e apetecê-la. Voltemos mais uma vez ao exemplo do garfo: O espírito humano bem formado apetece sempre a algo melhor. De maneira que, tendo se alegrado por algum tempo com um garfo bom, ele começa a pensar: “E como seria um garfo melhor?”
Assim, dependendo do pendor pessoal, o ser humano é atraído por mil outras coisas que o levam a cogitar na perspectiva de serem cada vez melhores, algumas delas atingindo o nível de perfeição. Esta, a seu modo, corresponde à majestade naquele gênero.
Por exemplo, existem milhares de idólatras de automóveis. Imaginem um indivíduo desses tão tacanho, que nunca tivesse ouvido falar numa Rolls-Royce. Mas quando ele encontra um veículo desses, numa propaganda, fica encantadíssimo. Lê os prospectos, contente por existir algo dessa categoria que jamais será dele, porque nunca terá o dinheiro para comprá-la e mantê-la. Qual é a razão dessa alegria? Ele viu a possibilidade de um exemplar melhor dentro da ordem de coisas de que ele gosta.
Contudo, se aparecesse um automóvel superior, mais perfeito, ele se alegraria ainda mais. Porque é natural que esse pendor para o excelente, para o supremo de determinadas coisas, e para o muito bom de várias outras, desabroche na alma humana.
Logo, é compreensível que, desde pequeno, eu tenha desejado, conhecido e voltado minha alma a certas majestades. Como isto se fez?

Coração de Jesus de majestade infinita

Na Igreja do Coração de Jesus5 havia todas as impressões ocasionadas pelo culto, pela liturgia, pelos cânticos, pelo órgão, pelo ambiente de recolhimento, mas, sobretudo, pela Pessoa de Nosso Senhor, enquanto mostrando o Seu Coração aos homens. Esta devoção, pelo próprio nome da Igreja, era inculcada nela por várias formas. Na torre, aquela imagem dourada do Coração de Jesus, com os braços abertos para toda a humanidade. Aquela majestade d’Ele com os braços abertos, me entusiasmava!

Dentro tem também uma imagem, no altar lateral à esquerda de quem olha para o Tabernáculo. Não pretendo dizer nem um pouco que ela tenha valor artístico, nem é uma obra de arte, é de artesanato. No entanto, muito tocante, muito nobre, e com o coração de Jesus exprimindo muita bondade, com uma grandeza misteriosa, parecendo emanar algo para mim, vindo do vermelho bem escolhido do seu manto, dos ornatos dourados… Mas, sobretudo, de sua cabeça, os cabelos… sobretudo, o olhar, os traços do rosto. Ele me parecia tão majestoso, e tão bom ao mesmo tempo! Tão infinitamente superior, e com tanta pena, tão voltado para mim, e tão misericordioso, que eu pensava: “Majestade é isto! E eu gosto desta majestade!”
Quando me deparei, na ladainha do Coração de Jesus, com aquela invocação “Cor Iesu majestatis infinitæ, miserere nobis”6, adotei-a e a inscrevi entre as minhas invocações prediletas, desde logo!
No teto do Coração de Jesus vem a mesma majestade expressa por uma pintura representando Nosso Senhor aparecendo a Santa Margarida Maria Alacoque. E há um letreiro, em caracteres dourados sob fundo verde, escrito em francês, pois essa Santa era francesa: “Eis aqui o Coração que tanto amou os homens, e por eles foi tão pouco amado.”

Esse equilíbrio entre a majestade e a bondade me encantava! Ele, tão majestoso na aparição, mas sempre com uma bondade levada ao último limite do excogitável. Deu-me a ideia de que ali estava o padrão mais alto e pleno da majestade. Sendo Ele Rex regum et Dominus dominantium – Rei dos reis e Senhor de todos aqueles que têm domínio –, era natural que se concebesse n’Ele uma majestade dessa elevação.

Nossa Senhora preenche o hiato entre Nosso Senhor e o pecador

Donde, por sua vez, um lugar naturalmente posto para a devoção a Nossa Senhora. Porque o culto à majestade do Sagrado Coração cria a seguinte situação: Quando deitamos atenção, a majestade d’Ele é tão grande, que a pessoa se sente aniquilada: “Como me aproximar d’Ele? Como dizer-Lhe: Eis-me aqui? Quando sinto em mim o pecado original no qual fui concebido, experimento o primeiro impulso de todas as desordens que todo homem tem em si! Isso tudo me distancia d’Ele.”
Fazendo essas considerações, eu adorava a majestade d’Ele enquanto me recusando, olhando para aquilo que em mim causa-me desgosto e, se eu pudesse, jogaria fora. Esta exclusão, eu a adoro! De outro lado, porém, ela me apavora. Porque Ele é tudo. E, rejeitado por quem é tudo, o que eu sou? Se Ele não me rejeitasse, eu não O adoraria. Se Ele me rejeita, desapareço… Então, qual é a solução?

No hiato entre Ele e mim ‒ que, por alguns lados, deve ser visto como um abismo escuro ‒ há uma réstia de luz: Nossa Senhora, Mãe d’Ele e minha, a qual, como ensina a Igreja, quis a morte de seu Divino Filho para nos redimir, e a teria querido mesmo se fosse para salvar somente a mim ou a qualquer outro homem que há na Terra. Quanta misericórdia!

A superioridade de Maria Santíssima

Mas Nossa Senhora não é divina, não tem aquela superioridade Nosso Senhor Jesus Cristo. Ela é superior a mim a jardas, anos-luz, centúrias de séculos, não tem dúvida! Contudo, é uma criatura. Por isso, ouso me aproximar d’Ela e recitar o Memorare, a Salve Regina, e florescer! Porque Ela faz ponte entre Ele e mim. Este é o bem-estar de minha alma!
Naquele episódio do boletim do Colégio São Luís7, quando eu estava rezando aflito diante da imagem de Nossa Senhora Auxiliadora e me sentia olhado por Ela com uma bondade, uma ternura, uma disposição para me perdoar, com uma pena de mim, uma coisa extraordinária, duas ideias vieram juntas, como num relâmpago. A primeira era: “Parece mamãe!”; a segunda: “Mamãe não chega, nem de longe, aos pés d’Ela!”
A maternalidade d’Ela comigo, não por ser eu, Plinio, não. É por um qualquer, um prequeté pecador, um cisco de menino pecador, aparecendo diante d’Ela, trêmulo, mais movido pela atrição do que pela contrição; a esse menino, Ela deixa cair a pétala de um sorriso!
Deste fato veio-me a convicção: Ou eu me agarro a Ela a vida inteira, ou eu me perco! Meu negócio é com Ela! Recorrendo a Ela, pedindo, querendo saber a respeito d’Ela, e girando em torno d’Ela, ao serviço d’Ela. Minha vida é para Ela!
Com frequência, rezando a Salve Regina, eu me lembro disso e, de algum modo, revivo bem exatamente aquela sensação. Quando vou ao Coração de Jesus, visito-A enquanto sendo a Mãe que me sorriu! É evidente. E o meu hábito é este mesmo: entro, inclino-me diante do Santíssimo, faço uma adoração rápida e vou direto para junto do altar d’Ela, para vê-La de perto.
E a imagem do Sagrado Coração de Jesus? É claro, vou vê-la, adoro ao Sagrado Coração de Jesus, venero a imagem d’Ele, sei que a maior homenagem, a primeira, se deve a Ele. Mas, em consideração à ideia da mediação d’Ela, sem a qual eu não me salvaria, creio ser mais respeitoso ir pedir primeiro a Ela para pôr minha alma em condições de aparecer diante d’Ele. E acredito que nenhum teólogo sério tenha alguma objeção a isto.

A admiração diante da grande majestade

Pelo velho hábito de lecionar, que leva à deformação de dar a muitas coisas o caráter de aula, apresentei o conceito de majestade tão claro no seu conteúdo abstrato. Entretanto, ao tratar do Sagrado Coração de Jesus, passou-se do abstrato para o concreto mais sublime, mais perfeito que possa haver, provocando uma impressão de majestade muito grande que convida ao silêncio na consideração das naturezas divina e humana na Pessoa d’Ele, sob a invocação do Sagrado Coração. Esta é a majestade das coisas postas por Deus na ordem do universo.
Desde quando eu era pequeno me intrigava ver certos líquidos que postos em recipientes de gargalo muito estreito não saíam, permanecendo retidos por uma rolha invisível. Passei anos sem entender o porquê, julgando que um dia compreenderia isso em função de algo mais alto. Meu professor de Física deu-me uma explicação, mas não me interessou.
Porém, essa velha imagem de meu curso de Física me veio ao espírito, de repente, quando foi abordado o tema a respeito da majestade. Pensei: “Está vendo? É como a admiração. Ela, diante da grande majestade, fica sem saber se expandir, como o líquido no gargalo, porque desperta movimentos de alma tão grandes, que o ‘gargalo’ da voz humana é insuficiente para transmitir.” E nós ficamos no mutismo de quem quisera ter outros meios de expressão e não os tem. Se fosse músico, tocaria uma melodia; se fosse poeta, comporia uma poesia, porque elas dizem muitas coisas que as palavras não exprimem. Não sendo músico nem poeta, admiro pelo silêncio.
No caso de Nosso Senhor Jesus Cristo, é muito mais do que uma admiração, é uma adoração, um ato de culto. Eis o que se deu. Fico feliz por minhas palavras terem conseguido despertar este ato de culto em relação a Ele.v

(Extraído de conferência 29/10/1985)

1) Do latim: (sentido literal) o maior está de pé.
2) Do latim: Quem subsistirá?
3) João Alfredo Corrêa de Oliveira, tio-avô de Dr. Plinio.
4) Do francês: desequilibrado, demente.
5) Santuário do Sagrado Coração de Jesus, igreja situada no Bairro Campos Elíseos, em São Paulo.
6) Do latim: Coração de Jesus, de majestade infinita, tende piedade de nós.
7) Sobre isso, ver Revista Dr. Plinio n. 122, p. 18-23.

Significado da Realeza de Jesus Cristo

O Reino de Deus está dentro de nós. Ora, apesar de pequeno como extensão, ele possui um valor infinito porque custou o Sangue de Cristo. Por isso, cada um de nós deve conquistá-lo para Nosso Senhor, destruindo tudo aquilo que, em nosso interior, se oponha ao cumprimento de sua Lei.

 

o domingo em que a Santa Igreja de Deus celebra a Realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo, encher-se-ão, no mundo inteiro, os templos católicos com uma multidão piedosa, que irá depositar aos pés dos altares suas súplicas e suas orações. Contemplando em espírito essa imensa multidão, composta de pessoas oriundas de todas as raças e de todos os pontos do globo, tão numerosa que, segundo a previsão do Apocalipse, “ninguém a pode recensear” (Ap 7, 9), um pensamento se apodera de mim. E ao mesmo tempo experimento o desejo imperioso de o comunicar aos meus leitores.

Uma verdade áspera e dolorosa

Ser-me-ia, sem dúvida, muito mais grato e fácil cingir-me exclusivamente a considerações de ordem geral sobre a Realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo. Tenho, porém, a certeza de que tais considerações outros as farão. Mas o pensamento que está em mim, posso eu porventura ter a certeza de que todos os demais o tiveram, e de que, em hipótese afirmativa, o externarão? Uma dolorosa negativa me responde a esta pergunta. E por isso, deixando a outros uma tarefa, aliás, incontestavelmente indispensável e fundamental, vou fazer a mais ingrata, obscura e desagradável, porém mais necessária: a de dizer uma verdade áspera e dolorosa neste grande dia de festa.

Os bons pensamentos têm isto de característico que, quando aproveitados, servem de remédio tanto a nós mesmos quanto ao próximo. Quando, porém, nós os rejeitamos em nossa vida interior, ou os calamos em nossas relações com o próximo, eles se transformam, segundo São Paulo, em carvões ardentes que nos causticam e calcinam a alma. Ai dos que receberam e, por egoísmo ou covardia, não atenderam aos bons conselhos! Ai também dos que, por covardia ou egoísmo, calaram os bons conselhos que poderiam ter dado! Estes conselhos salutares, que eles não externaram, queimá-los-ão a eles próprios pelo interior, como brasas ardentes. E no dia do Juízo serão levados à conta de talentos inaproveitados.

Quando pronunciou, em Lisieux, sua magistral alocução, o então Cardeal Pacelli, já predestinado pelo Espírito Santo a reger futuramente a Igreja de Deus, fez uma queixa amarga que nos cabe recordar. Disse ele que, entre os muitos homens que desobedecem hoje às palavras dos Pontífices, há uma categoria que causa especial mágoa ao Papa. Não se trata dos que não têm Fé e nem dos que, tendo uma Fé morta e inoperante, não procuram ouvir o que o Papa lhes diz. Os que mais fazem sofrer o Papa – e este é o ponto que nos interessa – são os que, aos pés do púlpito, em atitude externa correta e reverente, ouvem a palavra do Vigário de Cristo comunicada pela hierarquia eclesiástica, mas não a compreendem, se a compreendem não a amam, e se a amam platonicamente não lhe dão execução!

“Veio para o que era seu, mas os seus não O receberam”

Assim, no dia de hoje, quantos e quantos católicos, elevados pelo Batismo à dignidade de cidadãos do Reino de Deus, nem sequer cumprirão o preceito dominical! Quantos outros católicos ainda, indo à igreja, ouvirão algum sermão sobre a Realeza de Jesus Cristo, sem saber, entretanto, e sem procurar saber em que sentido se deve atribuir a esta tão clara e tão litúrgica festa!
Quantos católicos, finalmente, acompanhando até o próprio texto da Liturgia Sagrada, lerão as maravilhosas lições que ela contém sobre a Realeza de Jesus Cristo e não a compreenderão! Quantos católicos que procuram implantar o Reino de Cristo no mundo inteiro, esquecidos ou ignorantes de que devem começar por implantar dentro de si mesmos! E quantos outros supõem que podem implantar realmente dentro de si o Reino de Cristo, sem sentir um desejo ardente e devorador de o implantar no mundo inteiro! Em outros termos, não são tais católicos do mesmo jaez daqueles que ouvem corretamente, porém só com ouvidos do corpo e não com os da alma, o que lhes diz a Igreja pela voz dos Pontífices?

A doutrina da Realeza de Jesus Cristo está intimamente ligada à belíssima e piedosíssima prática da entronização do Sagrado Coração de Jesus nos lares. Se se entroniza a imagem do Sagrado Coração de Jesus no lugar mais nobre do lar, é exatamente porque se reconhece que Ele é Rei. Entretanto, quanto lar há por aí em que a imagem está entronizada na sala, mas Cristo não está entronizado nos corações!
Evidentemente, não quero exagerar a tristeza já, de si, tão grande deste quadro, cometendo a injustiça de desprezar o que há de belo e de bom, apesar dessas lacunas. Qualquer ato de piedade, qualquer atitude de reverência para com a Igreja de Deus, por mais superficial e insignificante que seja, deve ser por nós, católicos, apreciado, amado e estimulado com um zelo imenso, reflexo direto de nosso amor a Deus. Longe de nós, pois, um pessimismo de sabor farisaico que nos fizesse contestar todo e qualquer valor a essas práticas de piedade, desde que sejam sinceras, por mais que a frieza ou a ignorância lhes toldem o brilho sobrenatural.
Entretanto, feita esta reserva, a verdade aí está: a queixa de São João ainda hoje é muitas vezes procedente: in propria venit et sui eum non receperunt… (Jo 1, 11)1

Cristo é Rei por ser Deus

Não seria, aliás, difícil conhecer a Doutrina da Igreja sobre a Realeza de Jesus Cristo. Na sua infinita misericórdia, Deus Se dignou de comparar o amor infinito com que nos ama ao amor que nos têm nossos pais. Evidentemente, não quer isto dizer que Ele tenha reduzido na comparação as insondáveis dimensões de seu amor, para as amesquinhar até as proporções exíguas dos afetos de que os homens são capazes. Pelo contrário, se Ele serviu-Se dessa comparação do amor paterno foi apenas para nos dar a entender, de longe, o quanto Ele nos ama. Se dermos à palavra “pai” o sentido que ela tem na ordem natural, Deus não é apenas nosso Pai, mas muito mais do que isto, por ser nosso Criador. Porém, como a função de pai, na natureza, não é senão de coadjuvar a Deus na obra da Criação, se alguém merece na realidade o nome de Pai é Deus. E nosso pai segundo a natureza outra coisa não é senão o depositário de uma parcela da paternidade que Deus tem sobre nós.

O mesmo se dá com a Realeza de Jesus Cristo. Para nos fazer compreender a autoridade absoluta que, como Deus, Ele tem sobre nós, Jesus Cristo dignou-Se de Se comparar com um rei. Entretanto, como é por Ele que reinam os reis, e a autoridade dos reis só é autêntica por provir d’Ele, na realidade, o único Rei, Rei por excelência, é Ele. E os reis ou chefes de Estado não são senão seus humildes acólitos, dos quais Ele Se digna servir-Se na obra da direção do mundo. Cristo é Rei por ser Deus. Chamando-O de Rei queremos simplesmente afirmar a onipotência divina, e nossa obrigação de Lhe obedecer.
Obediência! Eis aí um dos conceitos contidos essencialmente no conceito da Realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo. Cristo é Rei, e a um rei se deve obediência. Festejar a Realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo é festejar seu poder sobre nós. E, implicitamente, nossa obediência em relação a Ele.
Como é que se obedece a um rei? A resposta é simples: conhecendo-lhe as vontades e cumprindo-as com amorosa e pormenorizada exatidão. Assim, pois, o único modo de obedecermos a Cristo Rei é conhecer sua vontade e segui-la.

 

Sejamos soldados de Cristo Rei

Desta noção tão clara, simples e luminosa um programa de vida, também ele claro, luminoso e simples, se segue.
Para conhecer a vontade de Cristo Rei devemos conhecer o Catecismo. Porque é ali, através do estudo dos Mandamentos, estudo este que só será completo com o de toda a Doutrina Católica, que conhecemos a vontade de Deus. E para seguir esta vontade devemos pedir a graça de Deus pela oração, pela prática dos Sacramentos e por nossas boas obras. Finalmente, pela vida interior, isto é, pela leitura espiritual, pela meditação e pela vida vivida exclusivamente à luz do Catecismo, seguiremos a vontade de Deus.
Disse Nosso Senhor que o Reino de Deus está dentro de nós mesmos. Ora, este pequeno Reino, pequeno como extensão, mas infinito como valor porque custou o Sangue de Cristo, cada um de nós o deve conquistar para Nosso Senhor, destruindo tudo aquilo que, dentro de nós, se oponha ao cumprimento de sua Lei.
Finalmente, as Leis de Cristo se aplicam não apenas a um indivíduo em particular, mas aos povos e nações. Que os povos conheçam e pratiquem na sua organização doméstica, social e política, as encíclicas que são a expressão da própria vontade de Deus, e Jesus Cristo será Rei.
Em outros termos, sejamos bons católicos; sendo-o, seremos necessariamente apóstolos; e sendo apóstolos, seremos necessariamente soldados de Cristo Rei.v

(Extraído de O Legionário n. 372, 29/10/1939)

1) “Veio para o que era seu, mas os seus não O receberam”.

 

Beleza divina do Reino de Cristo

O reinado de Nosso Senhor Jesus Cristo se exerce sobre
as almas. Cada indivíduo, nação, Ordem religiosa, forma
como que uma província, um céu. A harmonia dessas
almas individuais e desses grupos humanos constitui no
seu todo a beleza divina do Reino do Divino Salvador.

 

A primeira vez que fui à Europa, o avião que me conduziu chamava-se Ciel de Lorraine. Notei depois que havia uma série de aviões com títulos assim: Céu disto, Céu daquilo…

Encontra-se envolta nisso a ideia de que o céu da Lorena não é o mesmo da Île-de-France e este não é o céu de Auvergne. Portanto, a cada província, com suas características regionais e sua forma de cultura, corresponde um céu, já não o atmosférico, mas outra espécie que não é também o sobrenatural. Trata-se de um céu de cultura. Embora a partir da terra vejamos o mesmo azul na Lorraine ou na Champagne, há qualquer coisa que os diferencia entre si como também da doçura do céu da Île-de-France, por exemplo.

Então, embora se saiba que as nuvens e o céu, realmente com algumas variantes, mas afinal de contas são os mesmos por toda a parte, tem um sentido em se falar de um céu de Lorena, um céu de Auvergne, etc., e esta teoria da variedade dos céus inclui uma espécie de teoria da diversidade dos céus culturais, e de uma projeção para o céu físico de valores culturais da Terra e de uma impregnação destes por elementos vindos do céu astronômico-celeste, conforme se apresenta num lugar, constituindo um todo só que forma cada província a bem dizer um céu. O luar do Ceará, por exemplo, compõe um céu, pelo menos noturno, inteiramente especial.

Cada província é uma espécie de valor de alma que tem um significado próprio, e cuja posse é um elemento capital para a integridade do reino. Este, perdendo uma província, mais do que ficar privado de uns tantos territórios, perde algo que é um valor moral, cultural, o qual, desmembrado do reino, faz com que este perca a sua integridade e fique como, por exemplo, uma imagem sagrada da qual se cortasse uma parte. Quer dizer, algo de irremediavelmente mutilado, enquanto aquela unidade não se reintegrar.

Por causa disso, por exemplo, os franceses, com muito senso para as coisas, fizeram o seguinte: Quando a Alsácia e metade da Lorena foram tomadas na Guerra de 1870, eles envolveram com crepe de luto as estátuas que representavam em Paris essas províncias, significando que o crepe seria tirado quando aquelas províncias fossem reconquistadas.
Era um luto da França e da província. Um luto de alma por causa dessa unidade ideal que é a substância da verdadeira unidade do reino.

Cada indivíduo é como uma província do Reino de Nosso Senhor

A que propósito vêm essas considerações na festa do Reinado de Cristo?
Tenho a impressão de que quem não deteve a sua atenção sobre essa realidade de que acabo de falar, não possui toda facilidade desejável para compreender bem o que é o Reino de Nosso Senhor Jesus Cristo.

É o Reino sobre pessoas e não territórios. Um Reino sobre almas em que cada indivíduo, grupo humano, nação, Ordem religiosa, família, constitui como que uma província, um céu. É a harmonia de todos esses grupos humanos, todas essas famílias de alma, todas essas almas individuais que constitui no seu todo a beleza divina do Reino de Nosso Senhor Jesus Cristo. E o Redentor, como Rei, defende cada alma contra o ataque do adversário com um amor, um conhecimento do valor daquela alma e do que ela significa para a unidade do seu Reino, muito maior do que o Rei da França defenderia a Auvergne, a Lorena ou qualquer outra coisa.
Cada um de nós é a Lorena, a Alsácia, a Île-de-France de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele sabe que, assim como há o céu de uma província, existe o céu de um indivíduo o qual corresponde à sua luz primordial objetiva e subjetiva1. Isso no seu todo é uma espécie de firmamento de beleza espiritual próprio a cada um de nós, que o Divino Salvador ama com um empenho com que um verdadeiro francês deve, por exemplo, amar a Lorena ou o céu da Lorena.
Quer dizer, é este valor de caráter moral e espiritual que se deve amar. Isto nos leva, então, a considerar o seguinte: As províncias ou os municípios do Reino de Cristo Rei são os homens. Cada vez que Nosso Senhor perde ou diminui o exercício efetivo de sua realeza sobre uma alma, dá-se n’Ele, na sua vida terrena, uma tristeza parecida com a do rei que perde sua província; uma espécie de ordem de beleza ideal se perde. Mas cada vez que se volta a Ele, o Divino Salvador tem todas as alegrias dessa recondução. É isto que se joga continuamente na festa de Cristo Rei.

O céu para o qual Nosso Senhor nos chamou…

Existem céus para as várias famílias de alma. Qual será o que corresponde à nossa? Na harmonia de valores espirituais, que é o Reino de Cristo Rei, o que representa nossa família espiritual? Que valores morais, que vocação, que apelo para a virtude, para o heroísmo, para a dedicação incondicional, para enfrentar todas as formas de risco, de trabalho, de despesa, de humilhação, enfim tudo quanto está contido neste valor especial que Nosso Senhor Jesus Cristo criou para esta época, e para o qual Ele nos chamou!

Então nós devemos ter, na festa de Cristo Rei, a seguinte preocupação: o desígnio do Redentor a nosso respeito está se realizando e, portanto, o Reino d’Ele é efetivo em nós, como tem o direito de ser? Nós somos aquilo que Ele quereria que fôssemos?
É preciso dizer que, embora não se possa responder pura e simplesmente sim, sobretudo, graças a Deus, não se pode responder pura e simplesmente não. Devemos, ao formular esta pergunta, ter a alegria de dizer que o fundo de quadro é uma afirmação. E graças a Deus nós somos para Nosso Senhor Jesus Cristo, nessa época em que Ele é tão perseguido e tão flagelado, uma grande consolação.

Mas, por outro lado, isso nos deve dar o desejo de ser e dar ainda mais, para que se integre sobre nós o exercício efetivo do poder d’Ele. De maneira tal que tenhamos toda aquela beleza de alma, a qual seria propriamente o nosso céu nesse conjunto de formosuras que deveria ser, nos dias de hoje – e de fato é –, a Santa Igreja Católica. Porque esta, por mais desfigurada e conspurcada que esteja, é um jardim onde continuamente desabrocham flores para Nosso Senhor. E nós, talvez só no dia do Juízo Final, poderemos saber quantos santos florescem no desconhecimento, na ignorância, no abandono, isolados e odiados aqui, lá e acolá, dando a Deus uma glória completa e magnífica.

…e cuja estrela central é o Imaculado Coração de Maria

É assim que cada um de nós deve ver a atual situação e, quando for comungar, perguntar com que disposição o Redentor me recebe. Que graças, que generosidade Ele está disposto a me conceder?
Essas coisas na vida são uma espécie de regra de três. Nosso Senhor recebe a cada um de nós na Eucaristia com uma alegria, uma certa medida de tristeza e muita esperança. Isto no conjunto constitui a incompleta realeza de Cristo sobre cada um de nós, mas que, marchando para ser completa, é uma razão contínua de gáudio para Ele.
Assim, peçamos ao Redentor, por meio do Imaculado Coração de Maria, que nos dê a compreensão de todos esses céus da Igreja Católica, do Reinado de Nosso Senhor Jesus Cristo, de que nós somos individualmente e como família de almas uma espécie de céu dentro desse conjunto de céus. Um céu preciosíssimo porque sua estrela central é o Imaculado Coração de Maria. Estrela mais preciosa não poderia haver.
Que compreendamos as graças recebidas, quanto motivo temos para esperar perdão, misericórdia, e roguemos muitos favores com grande empenho e desembaraço, com uma respeitosa desenvoltura. A isso nos conduzem essas altíssimas considerações.v

(Extraído de conferência de 21/10/1964)

1) Luz primordial é o aspecto de Deus que cada alma deve refletir e contemplar, em função do qual precisa ordenar toda a sua existência, a sua vocação pessoal. A luz primordial objetiva está no Criador e a subjetiva se encontra na alma da pessoa.

 

 

Vítima do ódio ao Bem e à Verdade

 

 

 

À medida que Santo Estêvão manifestava as maravilhas que trazia em seu interior, o ódio contra ele ia aumentando.
Primeiro, à vista dos milagres que operava, os inimigos se levantaram para disputar com ele. Depois, tendo o santo diácono discutido maravilhosamente, reduzindo-os ao silêncio, aumentou-lhes o ódio a ponto de fazê-los ranger os dentes. Ao vê-lo num êxtase, transbordando de sobrenatural, resolveram matá-lo.

Ódio ao quê? Não pensemos que Santo Estêvão foi inábil, imprudente, de maneira a não se fazer entender por aquela gente. Entenderam-no com perfeição. Mas está na essência da iniquidade e perfídia dos filhos das trevas odiar o bem e a verdade, que, quanto mais vão se manifestando, tanto mais são odiados.

Por fim, o ódio culminou na lapidação, e então se passou esta cena maravilhosa: Santo Estêvão, qual outro Cordeiro de Deus, com os olhos voltados para o céu, todo ferido, pronunciou esta oração: “Senhor Jesus, recebei o meu espírito!” Em seguida, vergado pelas pedradas,
caiu de joelhos e disse: “Senhor, não lhes imputeis este pecado!”

Um suspiro… e aquele homem todo ensanguentado dormiu no Senhor. A tormenta se tinha transformado num sono, na morte plácida dos justos; o martírio estava consumado e sua alma subia ao Céu.

(Extraído de conferência de 26/12/1966)

Primeiro lance da Contra-Revolução

O demônio tem especial ódio à Imaculada Conceição pelo fato de esta singular prerrogativa de Nossa Senhora constituir para ele uma derrota dolorosíssima e, por assim dizer, pessoal. Com efeito, tendo satanás conseguido arrastar nossos primeiros pais ao pecado original, as vantagens que lhe traria essa queda, caso não houvesse a Redenção, seriam simplesmente espetaculares. O homem, criatura nobre de Deus, ficou desfigurado pelo pecado e sujeito às más tendências. Com isso tornou-se incalculável o número de pessoas capazes de cair, ao longo dos séculos, no Inferno. Imenso foi o êxito imediato obtido pelo demônio com o pecado de Adão e Eva.

O único modo de anular esse triunfo do mal seria o Verbo Se encarnar e, enquanto Homem-Deus, oferecer- Se como vítima pela nossa salvação. Ora, essa vitória do Bem teve sua primeira realização no nascimento de uma menina excelsa, imaculada, que, apesar de todos os embustes do demônio, nascia livre da trama na qual ele pretendia envolver todo o gênero humano. Em favor d’Ela, Deus rompeu a urdidura satânica. E Ela nasceu fora da lei do pecado original.

Portanto, a raiz da salvação do mundo, o ponto de partida da Redenção da humanidade, foi o fato de Nossa Senhora ter sido criada isenta do pecado original. Donde nos ser fácil compreender como o primeiro lance da Contra-Revolução foi, precisamente, a Imaculada Conceição de Maria Virgem, prelúdio da Encarnação do Verbo.

(Extraído de conferência de 3/12/1964)
O Primeiro Primeiro lance da Contra-Revolução
Luis C.R. Abreu

Um dos primeiros lutadores contra a heresia

 

São João Evangelista, o Apóstolo virgem, que auscultou o Sagrado Coração de Jesus e recebeu Nossa Senhora como presente, foi também o precursor de todos os batalhadores da Fé até o fim do mundo.

 

A respeito de São João Evangelista, cuja festa a Igreja comemora no dia 27 de dezembro, temos a comentar uma ficha extraída de Dom Guéranger1.

Águia que se eleva até ao Divino Sol

Santo Estêvão é reconhecido como o protótipo dos mártires, mas São João nos aparece como o príncipe dos virgens. O martírio valeu a Estêvão a coroa e a palma; a virgindade mereceu a João prerrogativas sublimes que, ao mesmo tempo que demonstram o valor da castidade, colocam esse discípulo entre os principais membros da humanidade.
Descendente de Davi, da família da Santíssima Virgem, São João era parente de Nosso Senhor segundo a carne. Enquanto outros foram Apóstolos e discípulos, ele foi amigo do Filho de Deus. Como proclama a Santa Igreja, essa predileção se deve ao sacrifício da virgindade oferecido por João ao Homem-Deus. Convém, pois, ressaltar no dia de sua festa as graças e prerrogativas que para ele decorrem dessa amizade celestial.
Conforme o Evangelho, São João foi o discípulo que Jesus amava. Essa simples frase basta por si mesma, mas esse amor deve ter sido para ele o princípio de dons assinalados, entre os quais destaca-se o fato de ter sido o primeiro defensor do Verbo Divino, do Filho consubstancial ao Pai, que a heresia já começava a negar. Nessa defesa, São João eleva-se como águia até ao Divino Sol em ensinamentos luminosos e límpidos.

Se Moisés, após ter conversado com o Senhor, retira-se desse maravilhoso entretenimento com a fronte ornada de raios maravilhosos, quão radiosa deveria ser a face admirável de João que se apoiava sobre o Coração de Jesus, onde, como fala o Apóstolo, estão ocultos todos os tesouros da sabedoria e da ciência!

Ademais, foi o filho de Maria! Ao morrer, Jesus deixava sua Mãe. Quem na Terra mereceria receber um tal legado? Por certo, o Salvador deveria enviar os seus Anjos para guardar e consolar a Santíssima Virgem. Mas, do alto da Cruz, o Salvador viu o seu discípulo virgem, cuja castidade o tornou digno de herdar esse tesouro tão valioso. Assim, segundo a bela frase de São Pedro Damião, Pedro recebeu em depósito a Igreja, a mãe dos homens, mas João recebeu Maria, a Mãe de Deus.

A castidade enobrece e dignifica a criatura humana

Nesse texto pululam os pensamentos profundos e as considerações importantes, de maneira a não ser possível comentar tudo, mas alguma coisa pode ser considerada.
Em primeiro lugar é a afirmação, muito verdadeira, de que o sacrifício da virgindade, a oblação da castidade, é tão grata a Deus que vem logo depois do martírio.
A castidade é, sobretudo, uma virtude da alma a qual importa num abandono do que é baixo, sórdido, numa renúncia a tudo aquilo que tenderia a estabelecer o domínio da matéria sobre o espírito. A castidade enobrece e dignifica a criatura humana, tornando-a afim com Deus. Por isso Nosso Senhor Jesus Cristo amava São João a ponto de ser – como está lembrado nesta ficha – o discípulo a quem Jesus amava.
Está muito bem afirmado: se os outros foram Apóstolos e discípulos de Nosso Senhor, ele foi o amigo. Ele era o mais próximo de todos e a quem o Redentor tributava um sentimento acima do dado aos outros.
Aquele pequeno episódio que se deu na Ceia é muito característico a esse respeito. São Pedro queria saber quem era a pessoa que iria trair Nosso Senhor, porque o Divino Salvador tinha dito que um deles trairia. Então São Pedro – notem, tratava-se do primeiro Papa –, querendo de todos os modos conhecer o nome dessa pessoa, pediu a São João para perguntar, e este, pousando a cabeça sobre o próprio peito de Nosso Senhor, perguntou.
Temos aí uma maravilhosa evocação da devoção ao Sagrado Coração de Jesus. São João ficou ouvindo pulsar o Coração divino. Naquele momento suas pulsações eram de amor, mas também de angústia e de dor porque o abismo de sofrimento em que iria precipitar-Se estava chegando perto d’Ele.
Vê-se nesse fato que São João – uma alma eminentemente virgem, mas também chegada a Nosso Senhor e devotíssima do Sagrado Coração de Jesus – tinha uma proximidade única em relação ao Redentor.

Grandeza de São João Evangelista

Mas, como diz muito bem Dom Guéranger, pode-se afirmar que um dom o qual não ficava abaixo desse era o de receber Maria como Mãe. Nosso Senhor, ao morrer, deixou ao seu amigo, ao seu discípulo predileto mais do que a todos os outros, um tesouro de valor inestimável: Nossa Senhora, a Rainha do Céu e da Terra, o primeiro ser abaixo de Deus, tudo o que o Criador pode dar a um homem. Mais do que isto Deus não poderia conceder.
Nisso há outra manifestação extraordinária do amor às almas virgens. Nossa Senhora, Virgem, foi dada pelo virginal Filho ao virginal amigo, ao virginal discípulo, São João. Eis mais alguns traços para considerar a grandeza desse Santo.
Porém, o quadro não estaria completo se não fosse mencionado um outro aspecto da vida dele. Ele foi um dos primeiros lutadores contra a heresia. A primeiríssima heresia que nascia naquele tempo era a respeito das relações entre as naturezas humana e divina de Nosso Senhor, e São João começou a lutar contra essa heresia.
Então o Apóstolo virgem, o Apóstolo do Coração de Jesus, o Apóstolo que recebeu Nossa Senhora como presente, foi também o precursor de todos os lutadores da Fé até o fim do mundo, até o momento no qual o Profeta Elias virá lutar contra o anticristo.
Nestas considerações temos matéria ampla para nos recomendarmos a São João, pedindo que nos consiga as qualidades de alma que o fizeram digno deste prêmio de uma grandeza incomensurável: receber Nossa Senhora para tomar conta d’Ela.v

(Extraído de conferência de dezembro de 1964) 1) Cf. GUÉRANGER, Prosper. L’année liturgique. Paris: Librairie Religieuse H. Oudin. 1900. v. I, p. 326-331.

A justiça e a misericórdia se oscularam

Há espíritos que fazem admiravelmente o bem por meio da severidade, e outros que o realizam, dentro da medida do razoável, pela brandura e suavidade. Uns imitam mais Nosso Senhor enquanto expulsava os vendilhões do Templo; outros, enquanto Ele perdoava Santa Maria Madalena.

 

28 de fevereiro a Igreja comemora a festa de São Romão, abade. Temos a comentar uma ficha biográfica tirada da obra de Daras, Les Vies des Saints.

Lutar corajosamente contra o demônio

São Romão, nascido em 399, na Borgonha, foi fundador de um famoso convento na região do Franco Condado. Desde jovem retirou-se para a solidão, sendo mais tarde seguido por seu irmão, São Licínio. Conta-se que levavam uma vida que consideravam de paz e felicidade, quando o demônio resolveu interrompê-la. Cada vez que se punham de joelhos para rezar, o demônio fazia cair sobre eles uma chuva de pedras cortantes, que os feriam e impediam de continuar. Ambos resistiram por algum tempo, mas, vendo que nada conseguiam, decidiram abandonar o retiro. Ao chegarem a uma aldeia, foram hospedados por uma pobre mulher que lhes perguntou de onde vinham. Não sem alguma vergonha, narraram toda a verdade.
— Vós deveríeis, disse a mulher, lutar corajosamente contra o demônio e não temer os embustes e ódio daquele que tão frequentemente foi vencido pelos amigos de Deus. Se ele ataca os homens, é por medo de que eles, por suas virtudes, subam ao lugar de onde a perfídia diabólica o fez cair.
Ao saírem dessa casa, consideraram a sua fraqueza e quão pouco haviam combatido. Voltaram sobre seus passos e, com orações e paciência, venceram o inimigo.

São Licínio era severíssimo e São Romão agia com brandura

Mais tarde, tendo já fundado numerosos mosteiros, os dois irmãos visitavam essas fundações com frequência. São Licínio era severíssimo, não perdoando o menor deslize. São Romão, ao contrário, era bem mais misericordioso.
Aconteceu que São Licínio, visitando um convento na Alemanha, encontrou na cozinha excessiva quantidade de legumes e peixes. Escandalizado com aquilo, fez cozinhar tudo junto para castigo dos monges. A comida saiu tão repugnante que doze religiosos deixaram a casa, não suportando a penitência. São Romão teve uma visão sobre esse acontecimento e, quando Licínio voltou, disse-lhe:
— Meu irmão, é melhor não visitar as ovelhas do que ir vê-las para dispersá-las.

 

Resposta de São Licínio:
— Não tenhais pena, meu caro irmão! Não é preciso purificar o campo do Senhor e separar a palha do bom grão? Os que se foram eram doze orgulhosos em quem o Senhor não mais habitava.
São Romão concordou. Mas daí em diante chorava tão profundamente, magoado com a partida dos monges, que Deus, atendendo suas preces, reconduziu mais tarde os doze recalcitrantes ao convento. A ele se apresentaram voluntariamente para fazer penitência.

Combatentes varonis

Nesta narração há uma série de fatos interessantes para considerar. Em primeiro lugar, encontramo-nos em face da admirável floração de Santos ocorrida depois da queda do Império Romano do Ocidente. Vemos dois irmãos que levam uma vida de grande santidade, num lugar ermo, em meio a uma natureza amena, bucólica, felizes sem os atrativos das coisas da cidade, nem do mundo.
Podemos imaginar, nas horas de oração, esses irmãos ajoelhados, rezando um ao lado do outro – assim os representaria uma iluminura –, Nossa Senhora aparecendo no alto e sorrindo para eles.

Então, um primeiro ato é o da felicidade eremítica e bucólica desses dois irmãos, que vivem numa atmosfera terrena encimada por um céu parecido com o ar diáfano daqueles firmamentos azuis de Fra Angelico.
Em seguida, vem a provação. O demônio, que lhes tem ódio, emprega um modo de castigá-los muito interessante: uma chuva de pedras cortantes. Eles, tão bonzinhos, tão direitinhos… vem uma chuva medonha de pedras cortantes e os molesta. Procuram, então, rezar direito, mas afinal de contas as pedras são muito sérias e eles resolvem sair.
Encontram, por fim, uma boa mulher que habita uma choupana no campo. Ela perdeu o marido, tem um filho que mora longe e de quem apenas recebe, de vez em quando, uma carta; com uma perna inchada, doente, reumática, reza o tempo inteiro e vive só para Deus.
Essa mulher, provada por sofrimentos e cheia de sabedoria, recebe os dois e, naturalmente, primeiro lhes oferece algo para comer, ajuda a curar alguma ferida causada pelas pedras e depois pergunta o que há. Fora está chovendo torrencialmente, eles estão abrigados na casinha da mulher e lhe contam o ocorrido. Ela suspira, põe os olhos num crucifixo e afirma:

— Irmãos, andastes mal…
E lhes diz a verdade.
Eles, compungidos, passam a noite em prece. Na manhã seguinte, voltam para o ermo e vão lutar contra o demônio. São dois guerreiros contra o maligno que emergem dessa atmosfera azul e rosa-claro, ouro rutilante, os quais, a partir desse momento, transformam-se em lutadores varonis. É a formação deles que assim se enuncia.
Esse era o ambiente e o modo pelo qual a graça operava nessa época. Portanto, não se trata de lenda, mas é o estilo da ação de Deus nesse período.

Os diferentes métodos devem ser utilizados de acordo com o sopro da graça

Depois – na ficha saltam-se vários anéis intermediários –, eles nos aparecem numa posição pomposa, majestosa. São dois Santos veneráveis, cuja fama de santidade reuniu em torno deles vários conventos que lhes obedecem. Tornaram-se patriarcas, provavelmente já de barbas brancas, mais sábios, mais provados na vida do que aquela mulher, derrotaram os demônios, enfrentaram os adversários, fizeram viagens perigosas passando por lugares onde havia feras, pontes mal construídas, bandidos, tempestades, tudo enfrentaram por causa de Deus Nosso Senhor. Estão no zênite de suas vidas, porém mais uma vez um episódio entre eles se dará.
Há uma certa medida de severidade e de brandura que deve ser utilizada de acordo com o sopro da graça e com o modo pelo qual o Divino Salvador quer conduzir os espíritos. Existem espíritos que só sabem fazer bem por meio da severidade suma, e realizam um bem admirável. Há outros espíritos que, dentro da medida do razoável, quase se diria que estão no extremo oposto: são muito brandos, muito suaves, e fazem bem pela sua brandura e suavidade. Uns imitam mais Nosso Senhor enquanto expulsava os vendilhões do Templo; outros enquanto Ele perdoava Santa Maria Madalena.
Começam a governar esses mosteiros. São Licínio visita um deles e, encontrando irregularidades, aplica uma correção severa. Entretanto a Igreja é multíplice, e São Romão tinha o espírito diverso de seu irmão.
Notem a sutileza e o conteúdo teológico interessantíssimo do fato: São Romão lamentou tal atitude e censurou São Licínio. Este deu-lhe uma resposta esplêndida, explicando tudo. São Romão, suspirando, concordou.

Severidade e doçura aliadas à força da oração

Mas a Providência quis que a misericórdia não saísse derrotada. Onde São Licínio tinha feito bem em expulsar, São Romão fez bem em pedir que voltassem. Este se pôs a chorar, e vê-se então o velho com as barbas brancas, numa atitude enternecida, pensando naquelas almas, as lágrimas cristalinas de olhos cristalinos, que correm ao longo de uma face alva e emaciada e chegam a cair no chão, enternecem o Anjo da Guarda e encontram eco diante de Nossa Senhora, a Qual, por sua vez, tem sempre audiência diante de Deus. Maria Santíssima pede. Resultado: os monges, que São Licínio com tão boa vassoura varrera, voltam. Não regressam como ele tinha varrido, mas emendados por uma ação que está para além das vias normais da graça: não é o corretivo de São Licínio, mas uma bela superação dele. A graça conseguiu a conversão daqueles que a justiça, a tão bom título e tão oportunamente, tinha castigado. Iustitia et pax osculatæ sunt, diz o Salmo (85, 11) – a justiça e a paz se oscularam. Aqui se poderia afirmar que a justiça e a misericórdia se oscularam. E termina assim, num encantador happy end, esta ficha.
Que São Romão nos consiga essa candura de alma, tão extraordinariamente agradável, para praticarmos a virtude. Mas que tenhamos também a compreensão dos métodos de São Licínio, e não apenas a ternura empregada por São Romão. E nos façam parecidos com eles: São Licínio nos dê toda a sua severidade; e São Romão, a sua doçura com sua força de oração, pois sem esta de nada lhe valeria a doçura.v

(Extraído de conferência de 28/2/1967)

Fidelidade perfeita, humilde e despretensiosa

Fundador, doutor e grande escritor, Santo Afonso atingiu os píncaros da sublimidade na inação, na oração e na dor. Não somente na dor física, mas sofrendo pelas aflições, tristezas e desmoronamentos que se operavam na Igreja Católica. Ele media bem o inconveniente terrível dos inimigos internos da Igreja, e não hesitava em chamá-los de Judas. Santo Afonso é um exemplo de fidelidade perfeita e sem jaça, sem esmorecimento, nem conformes, abnegada, humilde, despretensiosa!

 

No primeiro dia de agosto a Igreja comemora a festa de Santo Afonso Maria de Ligório, Bispo e Doutor da Igreja. Consideremos alguns dados a respeito de sua vida (1).

Uma preciosa existência coroada por uma morte prolongada sobre a cruz

De nobre família, foi grande devoto da Bem-Aventurada Virgem Maria. Doutor por excelência da Moral católica, que fora falseada pelo jansenismo. Fundador da Congregação do Santíssimo Redentor, viu-se excluído dela pela Santa Sé mal informada.
Os últimos anos de sua vida Santo Afonso Maria passou-os em casa dos redentoristas em Nocera. Desde então, sua vida foi apenas uma morte prolongada sobre a cruz. Estava velho, enfermo, sofrendo tentações violentas. Sua grande devoção era ao Santíssimo Sacramento e também à Virgem Mãe de Deus. Até então tinha pregado todos os sábados ao povo as virtudes de Maria, mas foi proibido de continuar pelo seu médico e seu confessor.O que mais o preocupava era a glória de Deus e os males da Igreja. Muitas vezes se oferecia em sacrifício por uma e por outra intenção. Tendo sabido que os jesuítas tinham se estabelecido na Rússia e na Prússia, não deixava de dar graças a Deus. “Afirma-se que eles [jesuítas] são cismáticos, dizia, mas não é justo. Sei que o Papa os reconhece como membros da Igreja e os protege. Roguemos a Deus por estes santos religiosos, porque o seu instituto é uma obra favorável ao bem das almas e da Igreja. Cismáticos, cismáticos, o que é isso? O Papa Ganganelli foi instrumento de Deus para os humilhar, e Pio VI é também instrumento para os exaltar. Roguemos a Deus e ele não os deixará de abençoar.”

 

Ficava profundamente emocionado quando sabia que alguns espíritos se mostravam incrédulos ou dispostos a se tornarem tais. Seu pesar era ainda maior ao saber do triunfo dos jansenistas. “Pobre sangue de Cristo, calcado aos pés e desprezado – repetia ele – e, o que há de pior, desprezado por pessoas que se dizem chamadas a restaurar a pureza da doutrina e o fervor dos primeiros fiéis. Por um beijo, Judas entregou Jesus Cristo, e também por um beijo eles traem Jesus e as almas. É um veneno oculto, dão a morte antes que se perceba.”

 

Introduzido na glória celeste com uma vida carregada de méritos

Quantos ensinamentos dentro desta ficha! Em primeiro lugar, o estado sacrifical de Santo Afonso de Ligório. Um fim de vida que era aflição e miséria, ele não podia mais fazer outra coisa senão sofrer, e esta foi provavelmente a parte mais preciosa de sua existência. Ele que tinha sido fundador, doutor, grande escritor, sublimava sua vida morrendo pregado na cruz para nos ensinar que a oração e o sofrimento valem incomparavelmente mais do que todas as obras, e quando um homem vive para rezar e sofrer, ele tem uma vida fecundíssima inteiramente justificada; enquanto que alguém, embora faça toda espécie de obras, mas não reza e não sofre é um homem inútil e, como tal, nocivo. É este o ensinamento que daí se desprende.
É claro que Nossa Senhora quis que esse grande Santo continuasse vivo para a sua alma chegar aos píncaros da sublimidade, e que esses píncaros fossem atingidos na inação, na oração e na dor. Não somente dor física, mas a que tanto devemos pedir: a dor pelas aflições, tristezas, pelos desmoronamentos que se operam na Igreja Católica.

Naquele tempo, a Santa Igreja estava sendo preparada para uma convulsão, a Revolução Francesa, e era necessário que o Corpo Místico de Cristo evitasse essa catástrofe ou pelo menos se preparasse convenientemente para ela. E Santo Afonso de Ligório, de seu leito de dor, comentando cada apostasia, sondando e lamentando as devastações perpetradas pelos jansenistas, mais preocupado com as chagas da Igreja do que com as suas próprias feridas, considerava essa real e trágica situação.
Quando sua alma chega à inteira crucifixão, dá-se com ele o que ocorreu com Nosso Senhor Jesus Cristo: o momento do consummatum est. Santo Afonso então foi chamado e entrou para a glória celeste com a vida carregada de méritos. Isto é viver, isto é morrer!

Quantos Judas temos em torno de nós?

Ele media bem o inconveniente terrível dos inimigos internos da Igreja, e não hesitava em chamá-los de Judas, considerando que eles combatem a Igreja por dentro, atraiçoando-a como Judas traiu o Divino Mestre; e Santo Afonso gemia por causa dessa traição.
Quantos Judas temos em torno de nós? Em outros tempos, poder-se-ia afirmar que os dedos da mão bastavam para contar os Judas que eram conhecidos. Entretanto em nossos dias devo dizer outra coisa: os dedos da mão, em determinados setores, talvez fossem demasiados para contarmos quem não é Judas. Esta é a realidade, ao menos por omissão, superficialidade de espírito, falta de generosidade, de dedicação.
Nesta situação, como nós devemos ter uma dor maior pelo mal que padece a Igreja Católica do que teve Santo Afonso Maria de Ligório! Se ele, com muito menos, sofreu tanto, que direito tenho eu de, por exemplo, considerar como o grande acontecimento do dia tal coisinha que se passou comigo, e ferver, arder, aborrecer-me? O que é isso em comparação ao sofrimento da Igreja? Não é nada. Se eu elevasse a minha alma até a consideração das dores da Igreja Católica, eu passaria sobre tudo isso desapegado, desprendido, aceitando tudo o que fizessem contra mim, ainda que os outros não tivessem razão.
Mas tal é a debilidade da natureza humana que muitas vezes isso não é assim, e nós devemos preparar nossas almas para que sejam cada vez mais desse modo, dispostos a toda humilhação, a toda incompreensão, a aceitar o incompreensível se for preciso, para num ato de suprema lucidez conformarmo-nos com tudo e cumprirmos nosso dever de todos os modos. É isto que Nossa Senhora pede de nós.

Embora fracos, sejamos fiéis!

Por outro lado, vemos como Santo Afonso Maria de Ligório se condoía com o Sangue que Nosso Senhor Jesus Cristo derramou inutilmente. Há uma frase no Antigo Testamento, mas que se refere profeticamente ao Divino Redentor: Quæ utilitas in sanguine meo? – Qual a utilidade de meu sangue? (Sl 29, 10). Como se Ele dissesse: “Eu derramei todo o meu Sangue, e até o que restava de água e Sangue em meu Coração, mas afinal de contas por utilidade de quem? A quem aproveita, quem deseja isto?” Então Santo Afonso tem esta expressão: “Pobre Sangue de Cristo!” Quando presenciamos as abominações que se veem hoje, somos também chamados a dizer: “Pobre Sangue de Cristo…”

Para nós só há uma consolação: a de termos, pelo menos, a possibilidade de utilizar o Sangue de Cristo e as lágrimas de Maria em nosso favor, pedindo que Eles tenham pena de nós e façam com que nossa generosidade seja uma reparação a tantos ultrajes. De maneira que do alto do Calvário Jesus e Maria nos sorriam e encontrem alguma alegria na nossa fidelidade. E, embora fracos, sejamos fiéis de uma fidelidade perfeita e sem jaça, sem esmorecimento, nem conformes, nem condições, abnegada, humilde, despretensiosa! Eis o que devemos ser, mais do que nunca, nesta hora. É este espírito de fidelidade que nós precisamos pedir a Santo Afonso Maria de Ligório.v

(Extraído de conferência de 2/8/1967)

1) Não dispomos dos dados bibliográficos da obra citada.