Mais de uma vez me tenho perguntando se as construções, os monumentos e as obras de arte no Paraíso terrestre teriam sido mais belas que os engendrados pelo espírito católico nos séculos gloriosos da Civilização Cristã. Sem dúvida, o Éden onde viveram nossos primeiros pais era lindíssimo. Já o seria pela simples presença de Adão que, na sua inocência e formosura originais, era perfeita prefigura de Nosso Senhor Jesus Cristo. Como se isso não bastasse, diz a Escritura que Deus até ali descia, no cair da tarde, para se entreter com Adão em meio ao frescor da brisa que soprava naquela atmosfera paradisíaca.
Diálogo sublime, colóquio inimaginável, momentos incomparáveis.
Contudo, tanto quanto me é dado entrever (condicionando desde logo meu pensamento ao superior juízo da Teologia), algo faltava àquela extraordinária beleza. Pois se Deus criou o mundo para o homem nele crescer em graça e santidade, e nele glorificá-Lo com as obras de suas mãos, a magnificência do próprio Paraíso só estaria acabada quando o homem empreendesse realizações artísticas que servissem de complemento à criação divina.
Nesse sentido podemos dizer que o mundo todo seria como uma ânfora riquíssima e esplendorosa, à qual entretanto faltam as asas ornamentais e igualmente preciosas, que não apenas lhe tornam fácil o manuseio, mas, sobretudo, consumam-lhe o esplendor. Ora, Deus deixou aos filhos d’Ele, aos homens, a missão de colocar as asas na ânfora, de excogitar maravilhas e com elas embelezarem a face da Terra. Esse é o papel primordial da arte.
Então, ao longo dos milênios, talvez, em que este mundo existiria como uma extensão do Éden, as gerações que se fossem sucedendo realizariam obras artísticas cada vez mais belas, mais interpretativas, mais expressivas, mais carregadas de sobrenatural. Todas, porém, seriam a pré-história em relação ao dia em que o Verbo se encarnasse e habitasse entre nós. Pois aí nasceria para o Paraíso outra época e a arte reviveria de dentro de seus esplendores como se fossem de dentro de cinzas, e apareceria com uma nova beleza, porque estava toda constituída em função do Filho de Deus.
É belo Deus descer e conversar com o homem. Quanto mais belo é Deus se fazer homem! E tendo Ele assumido a nossa natureza, é evidente que tudo se modificaria em função de sua Pessoa, e que ovos aspectos de maravilhoso, de beleza, de magnificências, exprimir-se-iam de mil outras maneiras através do talento humano. Assim seria, se o homem não tivesse pecado. Pecou, e foi expulso do Paraíso. Mas trouxe consigo, no íntimo de sua alma, aquele desejo do belo e da pulcritude. Ele o transmitiu a seus descendentes, em cujos corações foi crescendo e crescendo, tornando-se sempre mais premente a necessidade de expressá-lo, de dar-lhe vida, de torná-lo realidade.
Foi uma longa caminhada ascensional, essa história das almas que anelaram, sonharam e pensaram o maravilhoso, transmitindo de geração em geração uma espécie de pressentimento daquilo que um dia, afinal, haveria de florescer na Idade Média com uma pujança insuperável: o estilo gótico.
Nasceu gradualmente, vindo do fundo dos tempos, como os bancos de coral que se vão construindo no correr dos séculos a partir das profundezas do oceano até surdirem por sobre as águas, formando ilhas e rochedos. Assim também o banco da maravilhosa arte gótica foi medrando aos poucos, desde os primórdios do peregrinar das almas fiéis nesta terra de exílio.
Desde os dias em que passaram a conviver com o sofrimento, aguçando nelas as saudades do Paraíso; os dias em que esperaram pelo Messias prometido; os dias em que O viram, Ele mesmo, padecer pela Redenção do gênero humano. E os dias em que O adoraram gloriosamente ressurrecto, em que conheceram o surto do cristianismo sob as bênçãos de Maria Santíssima e o influxo irresistível da graça do Divino Espírito Santo.
Tenho impressão de que aí, então, foi dada à Igreja a plenitude daquela virtude por onde Ela sempre agiria nas almas dos seus fiéis, de maneira a possuírem e desenvolverem esse senso do maravilhoso, esse desejo de esplendor que os fez conceber as grandiosas catedrais, os órgãos de som harmonioso e arrebatador, os majestosos castelos, os vitrais “éblouissants”…
Assim como os fez idealizar quantas outras coisas menos sensíveis ao corpo, mas cuja beleza o espírito compreende melhor: a Cristandade, a Civilização Cristã, a sociedade temporal com seus costumes, instituições e tradições existindo à luz da Santa Igreja Católica, e incontáveis outros valores suscitados na Idade Média que têm uma beleza vitralícia multiplicada pelo vitralício. Já não são vitrais que os olhos vêem, mas são vitrais que a alma contempla e considera enlevada Numa palavra, são alguns daqueles complementos que faltaram ao Paraíso…
Plinio Corrêa de Oliveira
Revista Dr Plinio 53 (Agosto de 2003)