Em sua divina sabedoria, a Igreja sempre soube fazer face de modo admirável aos ataques de seus adversários, mormente quando estes incidiram sobre valores fundamentais da piedade católica.
Ela assim procedeu, por exemplo, no século XVI, diante da heresia que negava a presença real de Nosso Senhor no Santíssimo Sacramento.
A condenação desse erro no campo doutrinário, foi complementada por um surto de entusiasmo e fervor na celebração do culto eucarístico. Surgiram as grandes cerimônias e procissões em louvor ao Santíssimo Sacramento no mundo inteiro.
A data mais apropriada para tais manifestações de devoção era, sem dúvida, a festa de Corpus Christi, instituída na Idade Média. Ganhou ela, assim, um novo incentivo e um novo porte, revestindo-se de todas as pompas e riquezas que a Liturgia gerou especialmente para essa extraordinária forma de revanche aos ataques das heresias. Levar-se-ia triunfalmente pelas ruas o próprio Deus, presente na hóstia consagrada, como quem afirma: “Vamos proclamar desta forma nossa fé no Santíssimo Sacramento. Proclamamos tão ostensiva e magnificamente para sobrepujar a cacofonia do erro com as melodias, as fanfarras e a presença da população católica”.
E como não conservar na lembrança as procissões das quais participamos no entusiasmo de nossa alma, quando o bulício das agitações cotidianas cedia lugar à paz e quietude de um feriado religioso, onde o silêncio da rua era interrompido apenas pelos cânticos e invocações de louvor ao Santíssimo Sacramento!
As ruas artisticamente atapetadas de flores, formando desenhos de hóstias, cordeiros e outros símbolos eucarísticos, indicavam o trajeto da procissão. As calçadas apinhadas de gente enlevada e piedosa, que se ajoelhava à passagem do Divino Homenageado, conduzido pelo bispo ou sacerdote no seu ostensório de ouro cravejado de pedras preciosas, sob um dossel ou uma umbrela que lhe servia ao mesmo tempo de proteção e ornamento.
A cena se repete nos mais variados recantos da Terra, desde pequenas cidades interioranas até a Praça de São Pedro, em Roma, onde o próprio Sumo Pontífice leva o adorável Corpo de Cristo à frente de uma imensa multidão de fiéis que o seguem pelas famosas colunatas de Bernini, sob o repicar festivo dos sinos.
O mesmo se vê em ruas seculares de cidades européias
— como, por exemplo, Toledo e Sevilha, na Espanha — com requintes de solenidade e esplendor que só a piedade católica seria capaz de conceber para honrar dignamente a Sagrada Eucaristia.
Assim era também nas ruas da Viena imperial, onde as procissões em louvor do Santíssimo alcançaram um ápice de magnificência, na época em que o poder temporal se curvava diante do Rei dos reis e Senhor dos senhores.
Abaixo, o leitor poderá beneficiar-se com a narração de uma dessas esplêndidas celebrações, realizada na bela Capital austríaca em 1912, por ocasião do Congresso Eucarístico de Viena. Dela participaram o Imperador Francisco José à frente dos grandes dignitários do Império, tropas militares com suas bandas e fanfarras, e centenas de milhares de fiéis.
Às oito horas, a tropa já tinha tomado posição. O cortejo, composto exclusivamente de homens, saía do átrio da catedral de Santo Estevão, enquanto 150 mil mulheres e moças formavam-se em duas alas desde a catedral até a porta monumental que dava acesso ao palácio imperial.
Primeiramente avançam as paróquias de Viena, em seguida os magnatas húngaros, os tiroleses em número de oito mil, os bósnios, os tchecos, os moravos, os rutenos e os romenos. Eis a seguir as delegações estrangeiras: os franceses, os espanhóis, os italianos, os ingleses, os alemães, etc.
São onze horas e meia. O clero vai entrar em cena. Compõe-se de cinco mil sacerdotes e religiosos ordenados hierarquicamente: simples padres, párocos, monges de todas as Ordens, cônegos e, encerrando o bloco, duzentos bispos com capa, mitra e báculo.
Fanfarras de trompetes anunciam o terceiro cortejo — do Santíssimo Sacramento — atrás do qual seguirá o do Imperador-Rei. Na primeira linha estão escudeiros vestidos de vermelho rutilante; em seguida, militares da corte, com “panache” branco, montados em cavalos cinzas; os dragões e os hussardos. Ainda um esquadrão de cavalaria e eis que surgem os cardeais.
Fanfarras ressoam, sinos tocam por toda parte e — precedida por oficiais, camareiros e pelo grande marechal da Corte — penetra na Helden Platz (Praça dos Heróis), a carruagem da coroação de Maria Teresa, pintada por Rubens, atrelada por oito cavalos negros. A parte alta é quase toda de vidro e pode-se ver comodamente o legado papal, ajoelhado ante um altar no qual está o ostensório.
A chuva cessa por um momento e o sol deixa entrever alguns pálidos raios. Muitos caem de joelhos, sem se preocuparem com a lama. Aí então, num silêncio dos mais comoventes, passa o Deus da Eucaristia. Como Nosso Senhor deve ter abençoado estes humildes que se inclinam ante sua passagem, e ouvido os ecos de sua comovida piedade!
Depois da carruagem de Nosso Senhor, eis agora a do Imperador. Numa carruagem atrelada por oito cavalos brancos, trajando uniforme azul, Francisco José olha fixamente o Santíssimo Sacramento, que ele acompanha. A seu lado está o arquiduque herdeiro.
O cortejo termina por uma soberba cavalgada da guarda montada austríaca, da guarda montada húngara e pelas carruagens dos arquiduques. Desenvolve-se conforme o itinerário prescrito, mas é impossível celebrar a Missa, e mesmo dar a Bênção, no lugar onde está montado o altar. Uma feliz ideia é enunciada pelo legado papal: ele se volta em direção à multidão perfilada e seu carro percorre de novo a imensa praça. Através da vidraça da carruagem aparece nitidamente o prelado elevando o ostensório e abençoando a multidão. Todos ficam consolados por esta bênção suprema.
Precedendo ou seguindo o Santíssimo Sacramento, os bispos, os cardeais e o Imperador entram então na capela do palácio imperial, onde o cardeal legado celebra a santa Missa, à qual assistem piedosamente o Soberano e toda a Corte.
É uma hora da tarde: a imensa multidão se dispersa. Estão felizes por terem honrado a Sagrada Eucaristia, apesar da hostilidade dos elementos da natureza.
Uma dama austríaca dizia: “Nosso Senhor quer nos mostrar que é preciso fazer face às dificuldades para seguiLo”.
É um pensamento dos melhores. O Deus da Eucaristia quis permanecer o Deus escondido, mas, sem dúvida, quis receber estas homenagens dos grandes e dos humildes.
Na verdade, tais são as vinculações e as harmonias insondáveis estabelecidas por Deus na sua obra que isto é assim: o Santíssimo Sacramento — Jesus Cristo em corpo, sangue, alma e divindade, que se encontra no alto dos Céus cercado por legiões de anjos que O adoram ininterruptamente — desce para percorrer as ruas, para estar com os filhos dos homens e fazer sua alegria neste convívio com cada um de nós.
Assim como na Comunhão em que O recebemos no íntimo de nosso coração, Ele ali está, paterno, manso, cheio de bondade, e repetindo de um modo ou de outro a sua frase imortal: “Aprendei de Mim que sou manso e humilde de coração, e encontrareis paz para as vossas almas…”