O cavaleiro era o varão católico destinado a viver para o emprego da força em defesa da Cristandade. Piedoso, humilde, generoso, previdente e casto, era o terror dos maus e o encanto dos bons. Seu amor a Deus e ao próximo se exteriorizava pelos modos de ser, que o tornavam gentil, distinto, apreciador do cerimonial. Tudo isso define o perfil de quem, em nossos dias, é contrarrevolucionário do fundo da alma.
O cavaleiro, tal como existiu na Idade Média, é o varão católico apostólico romano destinado a viver para o emprego da força em defesa da Cristandade. Para melhor compreendermos esse papel do cavaleiro, consideremos alguns dados históricos.
Um alicate gigantesco: mouros e bárbaros
Na Chanson de Roland – obra lendária, épica, mas que retrata uma situação histórica –, chama-nos a atenção e comove notar que se fala dos doze pares de Carlos Magno com admiração, canta-se a glória deles como sendo grandes guerreiros, mas não há uma referência aos filhos do grande Imperador, pois estes eram uns songamongas, incapazes de carregar o fardo glorioso do Império que o pai deles tinha sabido estabelecer.
Resultado: a partir de sua divisão em três reinos, correspondentes aos três filhos de Carlos Magno, iniciou-se o esboroamento do Império. Somava-se a isso a precariedade das estradas, tornando tão difíceis as comunicações entre o poder central e as grandes propriedades rurais que, embora cada proprietário rural ainda obedecesse teoricamente ao monarca, na prática constituía-se à maneira de um reizinho do local. Assim, o Império se esmigalhou, no sentido etimológico da palavra.
Consideremos que esse Império estava sob a pressão, à maneira de um alicate gigantesco, das invasões dos mouros, dos hunos e outros bárbaros. Portanto, assim esboroado, tinha ainda que oferecer resistência a essas hordas de invasores.
Consequentemente, os homens mais poderosos começaram a construir, em torno de suas terras, muralhas para abrigar sua família, seus trabalhadores, seu gado, suas colheitas e, sobretudo, a capela com o Santíssimo Sacramento, imagens e relíquias. Quando ouviam falar que, de longe, vinha o adversário, todos se refugiavam atrás das muralhas, de onde passavam a combater o inimigo.
À medida que o invasor encontrava em seu caminho essas fortificações, ia se tornando enfraquecido. Ainda quando não fosse esmagado diretamente, avançava mais ou menos como um touro cada vez mais crivado de banderillas. Em determinado momento, ele caía e morria. Era um modo jeitoso de cada proprietário, defendendo a si e aos seus, proteger a todos.
Constituiu-se, assim, uma situação singular: o proprietário rural, que era como um fazendeiro de hoje, ficou com a incumbência de construir as muralhas e dirigir a guerra. Por conseguinte, deveria dar o exemplo sendo o guerreiro por excelência que ia montado a cavalo, de espada em punho; o mais corajoso tinha de ser ele. Depois, vinham seus filhos e sua parentela. Só mais para trás estavam os camponeses. Porque os primeiros do lugar deveriam ser os primeiros na luta e no sacrifício.
Desta maneira, estabeleceu-se uma espécie de identificação pela qual a classe dos proprietários rurais era a dos guerreiros, dispostos a dar a vida por aqueles a quem governavam. Sendo pequenos “reis” locais, eles compunham a nobreza – o barão, o conde, o marquês – sob a direção de outro “rei” maior, que era o duque, o qual, por sua vez, estava sob as ordens do rei propriamente dito. Constituía-se, assim, a hierarquia feudal.
Havia, portanto, uma classe dos homens mais ricos, poderosos e nobres, que eram também os mais corajosos e guerreiros, aos quais os outros deviam obediência, mas os primeiros tinham uma dedicação como raras vezes um pai possui em relação a seu filho. Era o equilíbrio social estabelecido, com uma sabedoria extraordinária, em função das condições militares e políticas do tempo.
Guerreiros descendentes de bárbaros, mas civilizados pela ação da Igreja
Esses guerreiros eram descendentes de bárbaros como, por exemplo, os germanos, cujo perfil os romanos deixaram descrito para a História. Eram tipos louros de olhos azuis, mas como quase todos sofriam de oftalmia, aquele azul ficava banhado num mar de sangue das oftalmias mal curadas, o que, juntamente com a melena loura suja, mal cuidada, caída para trás, lhes davam um aspecto monstruoso. Avançavam brandindo armas e se despejando em cima das populações com uma ferocidade medonha, matando os homens, despedaçando os cadáveres, quebrando objetos e monumentos preciosos, tomando conta das cidades e reduzindo os romanos moleirões a servos, de maneira que eles – imundos e broncos – ficavam mandando nos homens cultos, finos, numa inversão completa de valores.
Conta-se que, antes das batalhas, eles passavam a noite no alto das montanhas bebendo e cantando para se adestrarem para o combate. Ao amanhecer, desciam em hordas silvando, uivando como bichos, com uma parte do corpo nua e toda pintada, tendo amarrados por cima da cabeça crânios de animais. Era o uso da força no que ela tem de mais hediondo e brutal. Enquanto os homens desciam as encostas da montanha, as mulheres ficavam em cima, bebendo e cantando canções guerreiras para estimulá-los.
Os funcionários do Império Romano fugiam todos para o Sul, onde os bárbaros ainda não tinham chegado. Havia, entretanto, quem não fugisse: a Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Os padres e os bispos permaneceram em meio à barbárie e começaram a converter os bárbaros nos quais, após várias gerações de gente batizada, entrou a doçura de Nosso Senhor Jesus Cristo. Desses bárbaros batizados nasceram os cavaleiros, herdeiros daquela força, daquele senso da luta, daquele gosto pelo combate e pela aventura que, quando bem entendidos, devem caracterizar o homem.
Por outro lado, uma vez convertidos, esses guerreiros se tornaram verdadeiros artesãos da paz porque não empregavam a força para fazer mal, mas a fim de se defenderem do mal que os outros iam lhes fazer. E se promove a paz quem não faz mal a ninguém, também é um promotor da paz aquele que defende a ordem por meio da força, se necessário for. Pois se, como vimos, a paz é a tranquilidade da ordem, quando alguém luta para restabelecer a ordem e a tranquilidade está defendendo a paz. Assim, quando em seus castelos eles defendiam as suas populações, suas riquezas honestamente acumuladas e, sobretudo, o Santíssimo Sacramento, agiam enquanto guerreiros da paz.
Sendo a paz um bem, deve ser amada com amor maior do que a paixão desregrada com que o celerado se entrega ao mal; eles precisariam ser ardentíssimos defensores da paz, guerreiros mais ferozes no combate pelo bem do que os outros eram na luta pelo mal.
O perfil moral do cavaleiro…
Vai surgindo, assim, a figura do cavaleiro: um guerreiro tremendo, que metia medo no adversário, mas sem ódio individual. O verdadeiro cavaleiro católico não podia matar por ódio pessoal. São Bernardo diz na regra dos Templários, da qual ele foi o autor, que o cavaleiro deve ser sereno e sem ódio individual, sem nenhuma dessas paixões que degradam tanto o homem quando ele fica com os furores do egoísmo; mas precisa ser terrível para fazer prevalecer a ordem que o Criador quer na Terra, os direitos de Deus contestados.
Por isso o cavaleiro, terror dos maus, é um encanto dos bons. Termina a batalha, o cavaleiro volta para o seu castelo, sua presença é a alegria de todos, porque ele afaga, é bom, não é vaidoso, recebe as homenagens que lhe são devidas, mas tem gosto de exaltar o valor dos outros: “Aquele combateu muito bem… Fulano, você foi um herói, eu lhe dou um título e tal parte de minhas terras…” Recompensas aceitas pelos outros, não por egoísmo, mas por encantamento. “Como é bom o senhor! Como ele é generoso! Como é grande! Que encanto sua presença no castelo! Lá fora ele era o terror, aqui é a flor do castelo!”
Então aparece outro lado do cavaleiro: herói por amor a Deus, piedoso antes de tudo. Acaba a batalha, ele entra na capela do castelo, ajoelha-se e dá graças por ter escapado ileso. Agradece, sobretudo, por ter conseguido afugentar o bárbaro ou o maometano e levar à vitória os fiéis, fazendo brilhar a glória de Deus sobre o adversário. Diante de uma imagem de Nossa Senhora, ele reza especialmente agradecido, enternecido. Todos cantam juntos. Seria uma das maneiras como se poderia imaginar a celebração da vitória.
No dia seguinte recomeça o trabalho. Todos já estão saindo da fortaleza, levando para suas casas seus pertences, as famílias vão se reinstalando, as mulheres retomam seus afazeres domésticos, os homens voltam a cuidar da agricultura. Enquanto isso, o castelão está tomando providências: “A fortaleza ficou quebrada em tal ponto, devemos consertar depressa, porque ninguém sabe quando o adversário vem. Quantas armas perdemos? Precisamos mandá-las refazer logo. A experiência atesta que tal arma tem melhor efeito se elaborada de tal maneira…” Então, ele dá ordem para fabricar as novas armas daquele modo. Quando o castelo é grande, tem no seu interior uma verdadeira aldeiazinha de carpinteiros, ferreiros e artesãos que vão preparando todo o necessário para o próximo combate. Porque o descanso é apenas a respiração entre duas batalhas.
Vemos, então, mais dois traços do cavaleiro: ele é piedoso, humilde, gosta de se curvar diante de Deus, é generoso, sente prazer em dar, elevar os outros, dignificar os talentos alheios, sua alegria está não em ser o único, mas o chefe de gente que tem valor. Outro traço: ele é previdente e já se prepara para a próxima guerra.
Tudo isso vai constituindo o perfil moral do cavaleiro. Ele é doce, afável, bondoso, mas essa afabilidade, esse amor cristão que o cavaleiro tem ao próximo se traduz nas boas ações, como também nas boas maneiras, que são o modo de exteriorizar a bondade interior. O cavaleiro é gentil, distinto, trata as pessoas bem. Por ser filho da paz, ele quer a ordem, e esta prescreve que cada um seja tratado de acordo com a sua categoria. Assim, o cavaleiro acolhe cada um segundo a respectiva categoria, mas quer que o respeitem. E se alguém lhe faltar com o respeito, vem a repreensão e, conforme for, a punição. É natural.
…define o perfil do autêntico contrarrevolucionário
Em torno dele vai se constituindo um cerimonial, ao qual gradualmente são incorporadas sua família e pessoas dos outros castelos, que são como ele e com ele convivem, e vão formando uma classe onde a educação é mais excelente, o palavreado mais elevado, mais florido e bonito, a distinção dos trajes e das maneiras floresce e surge a cortesia, a distinção própria dos cavaleiros.
Essa classe não rebaixa as outras, ela vai subindo mais ou menos como um balão que, ao elevar-se, fosse levando toda a população consigo. A ascensão dos cavaleiros era a ascensão da nação inteira. Com os cavaleiros, os outros mais chucros aprimoravam a linguagem, a educação, iam se cultivando e acabando de se desbarbarizar.
O cavaleiro era sinônimo de nobre? Todo nobre era cavaleiro, e todo cavaleiro era nobre? Não era tanto assim. Concebiam-se, numa situação excepcional, certos plebeus se tornarem cavaleiros, bem como determinados nobres não serem cavaleiros, mas não era o normal. A maioria dos cavaleiros era nobre, e muitos dos plebeus que se tornavam cavaleiros pela sua coragem ascendiam à nobreza. A fonte do recrutamento da nobreza era principalmente a Cavalaria.
Temos, então, o sentido do cavaleiro em nossos dias. Por que a palavra é tão respeitada, bela e significa tanta coisa? É por ser esse tipo ideal do católico posto na sociedade temporal e que tem como um dos traços mais preponderantes de sua alma a combatividade, não a serviço de seus interesses, mas de Deus, da Igreja, da Cristandade.
Ora, é isso que propriamente define o perfil de quem, em nossos dias, é contrarrevolucionário do fundo da alma. Este é corajoso, terrível, admirável, bondoso, gentil, acolhedor. Sua palavra vale como escritura pública, porque um cavaleiro não peca e, portanto, não mente nunca. Ele é casto, porque a impureza é o contrário da Cavalaria.
No cavaleiro reluziam todas as qualidades do verdadeiro católico
Na Idade Média, era normal que os cavaleiros que não entrassem para uma Ordem Religiosa de Cavalaria se casassem. O cavaleiro era o homem virgem que se casava com a dama virgem; Cavalaria e virgindade eram complementares. A força dele era a do homem casto, puro, não a do cafajeste frequentador de botequins.
No cavaleiro reluziam, com o brilho do aço, todas as qualidades do verdadeiro católico.
Tanto quanto me lembre, os meus primeiros encontros com a Cavalaria foram saboreando esta palavra, e compreendendo que ela era como uma misteriosa pedra preciosa que não brilhava com a luz vinda de fora, mas com um fulgor proveniente de dentro. As palavras “Cavalaria” e “cavaleiro” pareciam-me ter em si mesmas uma beleza, uma dignidade, uma distinção extraordinárias. Eram como um brilhante ou um rubi que rutilava por si mesmo.
Nos remotos anos de minha infância, usava-se a palavra “cavalheiro” um pouco mais do que hoje, e ela teve um importante papel em minha formação. Algumas vezes, recebi de minha governanta a recomendação de ser um cavalheiro.
Por exemplo, fui educado junto com minha irmã e uma prima, e com certa frequência fazíamos passeios a pé para exercitar. As regras de educação, com vagos restos da Cavalaria, prescreviam que o cavalheiro deveria dar atenção e precedência à dama por esta ser mais frágil. E as duas meninas, às vezes, deixavam cair alguma coisa.
Eu, perpetuamente distraído, começava por não notar aquele objeto jogado no chão. Primeira repreensão da Fräulein Mathilde: “Quem está com senhoras – imaginem menininhas de quatro, cinco anos… – deve prestar contínua atenção nelas para ver se não estão precisando de qualquer coisa. É assim que age um cavalheiro. Você não procedeu como um cavalheiro porque não estava com sua atenção fixa nelas para saber que cortesia deveria fazer. Agora vá e apanhe o objeto.”
Eu pensava: “Vai me dar menos trabalho apanhar esse objeto do que brigar com essa alemã. Vou pegar para não ter amolação.” Pegava e dava para a menina que o tinha deixado cair. Mas a governanta continuava:
“Não senhor, sorria! Na hora de entregar, precisa mostrar sua alegria por ter prestado serviço, sorria!”
Além disso, por vezes as crianças tendem a ser descuidadas quando estão à mesa, deixando cair comida, o que não é bonito. Quando isso se dava, logo vinha a recomendação: “Cavalheiro não deixa cair grãos de arroz, entretanto se acontece recolhe-os não com seu dedo, mas com uma colher…” E assim tantas outras regras de educação. “Cavalaria” foi para mim uma palavra que tinha um som de ouro, mas batia como uma chicotada, e isso me fez extraordinariamente bem. v
(Extraído de conferência de 26/5/1984)