“Hoje, se ouvirdes a sua voz, não endureçais vossos corações”, diz o salmista (94, 7-8). Fazendo eco ao autor sagrado, Dr. Plinio nos aconselha a não desprezarmos as inspirações da graça em nossa alma, sobretudo quando ela nos move à esperança contra todas as aparências adversas, à confiança heroica e ilimitada na misericórdia de Maria Santíssima.
Conforme nos ensina a experiência na vida espiritual, pode-se dizer que a fidelidade daqueles que se mantêm fiéis quando todos os motivos lhes falam de desesperança e todas as razões lhes impõem dúvidas, vale mais para a causa católica do que a fidelidade daqueles que não enfrentam tempestades e borrascas na sua trajetória de piedade.
Uma pessoa que, em condições adversas, permaneça fiel, é como uma árvore que se mostra mais frondosa do que todas as outras que não resistiram à tormenta, ou que por esta não tenham passado.
Aquela se sobressai, como prêmio pela sua fidelidade. Creio que essa é uma constante na história da Igreja e das obras católicas ao longo dos tempos.
Uma vocação para todos
Por exemplo, se um jovem continuar a observar os Mandamentos e a praticar a virtude, num ambiente onde tudo o solicita para o pecado e a prevaricação, dele poderá surgir um grupo de católicos que, postos diante de uma perseguição religiosa, se transformarão em heróis da fé e escreverão uma epopeia nos anais do catolicismo. Seria uma forma de a providência, a rogos de Nossa Senhora, premiar a fidelidade deles.
Tenho para mim, aliás, que todos nós somos chamados a essa espécie de vocação, isto é, a de sermos heroicos na confiança. Em vista disso, precisamos sempre confiar que o plano e os desígnios de Deus a respeito de cada de um nós se realizará, apesar de todas as aparências em sentido contrário. E se, apesar dessas circunstâncias contrárias, continuarmos obstinadamente fiéis, essa fidelidade se torna invencível, move montanhas e opera milagres. Muitos fatos nas vidas dos Santos, contados na sua singeleza, têm um sabor de historietas encantadoras, mas, no fundo, possuem altíssimo significado, e nos falam dessa força da confiança invencível.
O milagre na vida dedois jovens beneditinos
Ilustra muito bem essa verdade o episódio ocorrido na vida de São Mauro e São Plácido, dois jovens discípulos de São Bento, narrado por São Gregório Magno. Conta-nos este que São Plácido, o mais novo deles, estava se afogando nas águas de um rio. Vendo o religioso em perigo, São Bento ordenou que São Mauro o fosse resgatar. Este não hesitou um instante e, obedecendo à ordem do Superior, lançou seu escapulário nas águas e andou sobre ele, como sobre um tapete. Chegou até São Plácido, o tirou do rio e os dois retornaram andando na superfície líquida, de volta para junto de São Bento.
Pressentimento de que nossos melhores desejos se realizarão
Muitos dirão: “Milagre da obediência!” Sem dúvida. Entretanto, também a confiança tem seu prêmio próprio.
Ela é uma forma de obediência. É uma espécie de pressentimento interior, nascido de uma ação da graça, que nos faz sentir com inteira certeza que algo desejado pelos melhores lados de nossa alma se realizará.
Essa é a definição da confiança. Às vezes, há evidências contrárias que procuram desmentir essa confiança. Porém, se esperarmos e pedirmos muito, contra ventos e marés, aquilo se fará verdadeiramente. Poderá vir por caminhos inesperados, caprichosos, depois de longa demora que constituirá para nós uma dura provação.
Mas, quanto mais tardar, maior será a glória, mais brilhante o resultado de nossa perseverança, pois aquilo se realiza certamente. E é preciso sermos heróicos nesse ponto: quando tudo afirma o contrário, devemos dizer: “Continuarei a esperar com mais afinco, pois o que desejo acabará se operando, pela misericórdia de Maria Santíssima!”
Ponto de partida para um reflorescimento
Dentro do nosso próprio movimento temos exemplos do quanto pode a força da confiança. Com efeito, mais de uma vez temos visto núcleos de amigos nossos onde todos se mostravam fervorosos e animados no começo de sua trajetória na vocação. Com o passar do tempo, porém, um se deixa tomar pelo desânimo, outro pela tibieza, aquele esmorece na prática da piedade, e o grupo se ressente dessa estagnação espiritual. Mas, se um deles permanecer fiel ao fervor primeiro, esse núcleo de amigos acabará recobrando ânimo e renascerá das cinzas.
Isso que se passa num setor do movimento, pode se dar no grupo constituído numa cidade qualquer.
De início, todos estão confiantes e esperançosos quanto ao futuro da obra naquela região. Lançam-se com fervor no apostolado. Contudo, sopra um vendaval, todos se dispersam de um momento para outro.
Exceto um que, se não perder aquela fidelidade invencível, com segurança e sem choramingos, será o ponto de partida para um reflorescimento daquele grupo. O mesmo princípio de aplica a cada obra nossa, de caráter individual, dentro da vocação. Começamos um apostolado, e temos a impressão de que não vai para a frente. Ficamos abatidos. Se continuarmos fiéis, tudo reverdecerá, ao cabo de algum tempo surgirão ótimos e duradouros frutos.
Sintomas de que o pressentimento nasce da graça
Essa é a confiança cega de quem acredita naquele pressentimento, percebe pela fé que este é uma voz da graça e persevera contra todas as aparências externas. Alguém poderia levantar a seguinte questão, a meu ver legítima: como se pode distinguir a simples presunção de um pressentimento válido, pois às vezes se tem uma série de pressentimentos que não se realizam. Como discernir, então, o bom pressentimento que nos vem de Deus?
Eu diria haver três sintomas que nos indicam a boa procedência desse pressentimento. Em primeiro lugar, sentir que desejo algo pelos melhores lados de minha alma e, portanto, os piores estão afastados. Em toda alma, os melhores lados são: o amor a Nosso Senhor Jesus Cristo e a Nossa Senhora, à Santa Igreja Católica e à Civilização Cristã.
Em segundo lugar, sentir que quando espero algo, minha piedade, minha abnegação, florescem e minha alma encontra alegria dentro da virtude.
E o terceiro sintoma: quando duvido daquilo, minha piedade fenece, começo a sentir tristeza em ter sido chamado por Nossa Senhora, e a virtude, em vez de ser um palácio de luz, passa a ser para mim uma masmorra sombria. Minha dedicação desaparece.
Essas características configuram, portanto, o pressentimento suscitado pela graça dentro de minha alma. Não é um privilégio dos justos Não se deve pensar que esses estímulos da graça sejam privativos dos santos. Até pecadores os recebem, como ação da clemência divina para conduzi-los à emenda de vida. A história está semeada de exemplos dessas vozes da graça agindo no interior de almas pecadoras, levando-as ao arrependimento e a uma heroica prática da virtude.
Não se trata de uma visão nem de revelação. É um pressentimento, no sentido etimológico da palavra: algo que se sente que será, antes que venha a ser. E esse pressentimento se realiza e se confirma.
Assim, confiando em que os nossos melhores desejos se realizarão, somos capazes de praticar muitas virtudes. Se essa esperança decai, nossa vida espiritual fenece. Não fechemos, pois, nossos ouvidos à voz interior da graça. Não julguemos que todo pressentimento como tal é bobagem à qual não se deve dar importância. Sem dúvida, dar crédito a qualquer pressentimento seria temeridade e pode mesmo ser superstição. Cumpre saber discernir a obra do Espírito Santo em nós, daquilo que é produto de nossos caprichos. Daí a necessidade de conferir nossas moções interiores com as características que acima estabelecemos.
Verificados esses três sintomas, podemos calmamente enfrentar até mesmo o inverossímil, porque este, pelo favor de Nossa Senhora, certamente se realizará. Esse é o heroísmo da confiança.
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 12/1/1971)