O homem de hoje sofre uma verdadeira caçada das novidades. Estas o perseguem, a bem dizer, o dia inteiro. Não há lugar onde ele entre e não esteja exposto a ouvir o rádio ou a televisão relatando os últimos acontecimentos. Em geral, neste mundo caótico em que vivemos, sucederam calamidades e misérias, tristezas e provações, e sobrevêm sustos.
Porém, se o homem é tão perseguido pelo noticiário, cumpre notar que a recíproca é igualmente verdadeira: ele vai atrás das novidades, das quais tem uma fome inextinguível. E ainda que essas novidades o apedrejem, está disposto a receber as pedras, se estas lhe proporcionam as sensações mais recentes de seu cotidiano.
O homem se torna, assim, inadequado para conhecer as verdadeiras novidades, aquelas que não são os fatos a espoucarem daqui, de lá e de acolá, não são nada da humanidade que passa, mas os sentidos, as correlações e os reflexos novos que partem dos grandes valores — espirituais e materiais — que o passado nos legou e que tocam nossas almas.
Exemplifico.
Tive em mãos um lindo álbum de vitrais e, folheando-o, veio-me ao espírito uma consideração nova para mim. Olhando esses vitrais, por certo mais velhos do que eu, analisando-os com admiração, surgiu-me a pergunta: Esses vitrais são tão, tão belos. É bem certo que o Paraíso terreno tinha coisas mais belas do que eles? Uma pessoa que se imagina num lugar amplo, aos pés de um extraordinário vitral no momento em que torrencialmente atravessam por ele todos os raios de sol; em que o olhar dela é inundado por esses raios, mas a pessoa percebe no corpo inteiro que aquelas refulgências do sol estão vindo, estão ferindo os vitrais e a enchem de luz e de colorido, como se ela entrasse num mar luminoso e policromado — nesse momento, é bem certo que a pessoa não veja algo de tão belo quanto havia no Paraíso terrestre?
Costuma-se entender que o Paraíso terrestre continha tudo quanto há de mais bonito e excelso na criação temporal. E, grosso modo falando, é verdade. Em confronto com a realidade deste nosso chão de exílio, a superioridade do Paraíso é incomparável. Mas, se formos conhecer alguns pormenores, determinados aspectos desta Terra, será que não existe aqui beleza ainda maior do que há no Paraíso?
E não será que, por esta forma, nós conhecemos melhor um verdadeiro paraíso de nossas almas que existe neste vale de lágrimas, e que é a Santa Igreja de Deus? Se nós a sabemos ver, se nós a sabemos amar, se nós a sabemos sentir, se sabemos admirar tudo quanto ela engendrou de magnificências e riquezas ao longo de sua História , como os vitrais por exemplo, não é ela o nosso paraíso neste mundo?
Imerso nessas reflexões, continuando a folhear o álbum, lembrei-me de dois personagens que a tradição nos autoriza a supor que ainda vivem em algum lugar misterioso da Terra, provavelmente no próprio Paraíso terrestre: Santo Elias e Santo Enoc.
E então pensei: No ambiente onde eles passam os milênios, se for mesmo um lugar paradisíaco, haverá incontáveis maravilhas. Mas, na linha de minhas anteriores considerações, por um dom que lhes terá concedido a Providência, eles podem apreciar esses aspectos da Terra que sejam ainda mais belos do que aqueles do Éden criado por Deus para o homem inocente.
Portanto, eles podem se encantar com os vitrais espalhados pelas igrejas de todo o orbe, conhecendo-os melhor que qualquer homem. Nas horas em que as igrejas estão vazias, nos momentos em que não há ninguém para admirar os seus vitrais, Santo Elias e Santo Enoc os estarão contemplando.
Mais ainda. Eles sabem de todos os vitrais que foram destruídos, como eram e como seriam se ainda hoje resplandecessem. Eles sabem de todos os vitrais que foram planejados, mas que por miséria humana ou por qualquer vicissitude não puderam ser elaborados.
Eles têm conhecimento de quando e como nasceu o intenso desejo do maravilhoso na alma humana, um anseio que a preencheu de tal forma que ela teve a necessidade de extravasá-lo, de expressá-lo, e, à força de excogitar o meio de fazê-lo, tateando, de repente empreendeu a magnífica epopeia dos vitrais.
Eles conhecem a história do senso artístico de que resultou o aparecimento das inexcedíveis policromias que guarnecem as aberturas em ogivas, em arcos, em rosáceas, das catedrais, igrejas, abadias, mosteiros e capelas semeados pela Terra.
Eles se enlevaram diante da alma de um vitraleiro humilde e despretensioso que, na sua modesta oficina de artífice, desejou a cor perfeita para sua obra, pôs-se a fabricá-la e quando finalmente a elaborou, pensou: “A minha vida está explicada. Eu trouxe ao conhecimento dos homens, eu trouxe à piedade da Igreja, eu trouxe à glória de Santo tal, ou de tal mistério da vida de Nosso Senhor, de Maria Santíssima, essa nova cor. Ó, sol! tu que me antecedeste na Criação, tu também foste feito para que um dos teus raios passasse sempre por este vitral. E enquanto tu fores sol e o mundo for mundo, um dos teus raios atravessará o azul com que eu sonhei, vai iluminar o chão de granito e arrebatará alguma alma fiel que o veja. Minha vida está justificada”.
Santo Elias e Santo Enoc, ao verem e admirarem esses vitrais, compreendem que eles de algum modo resplandecem, à maneira dos inefáveis esplendores do Padre Eterno, matrizes de todas as cintilações, luminosidades e coloridos postos na Criação. Não será temeridade supor que os Anjos desçam do Céu para acompanhar e instruir a esses grandes personagens bíblicos na sua peregrinação pelo universo dos vitrais, colocando diante dos olhos deles a fabulosa coleção dos que existiram, existem e poderiam ter existido.
E os dois, reconhecidos, entoam a Nossa Senhora um cântico de louvor, uma homenagem de todos os vitrais, de cada fragmento de vitral, de cada cor, de cada figura, de cada rosácea… Eles, pelo seu espírito, são o sol que atravessa esses vitrais. E Nossa Senhora os fita comprazida, e pensa: “Meus filhos e meus vitrais!”.
Nestas condições, também é de se supor que eles concebam para si a ideia de que, no fim dos tempos, quando Nosso Senhor Jesus Cristo vier em sua pompa e majestade, seguido de Maria Santíssima, de todos os Anjos e Santos do Céu, para julgar os vivos e os mortos, esse espetáculo de conjunto nos dê uma impressão à maneira de um fabuloso vitral que preenche, de ponta a ponta, o horizonte.
Quando, no dizer da Escritura, o céu estiver enrolado como um pergaminho, tudo tiver acabado e a magnitude de Deus aparecer, será talvez este o “supremo” vitral que marca para sempre o começo de uma era onde não há mais história, mas apenas eternidade. Os vitrais, que maravilha! Os vitrais, que sonho! Os vitrais, que realidade!
Plinio Corrêa de Oliveira