Ao tratar uma vez mais desse tema que lhe era muito caro — a arte de conversar, como meio de apostolado — Dr. Plinio evoca a figura do Duque de Saint-Simon, contemporâneo de Luís XIV, que possuía como poucos a qualidade de dizer as verdades mais pontiagudas, com elegância e nobreza. A exemplo de Nosso Senhor Jesus Cristo, modelo infinitamente mais nobre e elegante de cortesia e doçura no trato humano.
A propósito do tema de que anteriormente tratamos, envolvendo a cortesia cristã e o que chamamos de “saint-simoniamismo”, poder-se-ia perguntar se o principal papel do trato a la “Saint-Simon” é o de não ferir o respeito humano das pessoas.
A questão comporta certa precisão de termos.
Não para acobertar, mas censurar o defeito alheio
De fato, segundo os moralistas, costuma-se chamar “respeito humano” a atitude de alma de quem, por motivos meramente humanos — a linguagem é um tanto anacrônica — envergonha-se de praticar a virtude e de manifestar sua fidelidade a Nosso Senhor Jesus Cristo.
Ora, o “saint-simonianismo” não é um recurso para poupar o respeito humano, pois não deve acobertar os defeitos de ninguém. Pelo contrário, visa censurar o indivíduo atingido pelo respeito humano, sem que ele possa dizer que se lhe faltou com a educação. Portanto, não é um recuo, uma pirueta ou ladeamento perpétuos, mas, muitas vezes, consiste numa ofensiva “de esporas nos pés e lança na mão”, feita com elegância e nobreza correspondentes à vida de salão, sobretudo a dos ambientes frequentados por Saint-Simon.
Quando, porém, uma imperiosa razão nos leva a não combater o respeito humano de outro, sendo conveniente ladeá-lo, então o “saint-simonianismo” se verifica muito apropriado para fazê-lo de modo lícito. Trata-se de uma arte, uma destreza.
Exemplo augusto de “saint-simonianismo”
Numa civilização cristã autêntica, os homens deveriam manifestar menos susceptibilidades, menos assomos de amor próprio ferido e, por causa disso, as verdades poderiam ser ditas com mais franqueza do que em nossos dias. Entretanto, cumpre fazer uma distinção.
Das narrações evangélicas se infere que Nosso Senhor, a todo momento, criticava de frente e sem matizações os defeitos das pessoas?
Não. Mostra-nos o Evangelho que o Redentor muitas vezes dizia aos fariseus coisas desagradáveis, frontalmente e com rudeza (se se pode falar em rudeza, pois n’Ele tudo é adorável). Em outras ocasiões, porém, Jesus o fazia com uma inefável delicadeza. Por exemplo, como parece, ao escrever no chão os pecados dos acusadores da mulher adúltera, os quais, à medida que os liam, se retiravam da cena. Nosso Senhor não os delatou publicamente, pois na situação em que estavam lhes faria mais bem sentir sua doçura do que sua energia; sua delicadeza do que sua fortaleza divinas.
Recurso que eleva o convívio humano
Creio que no Reino de Maria, essa época de renovado esplendor que esperamos para a Cristandade, haverá nas pessoas uma fortaleza ao lado de uma delicadeza de alma superlativas, pelas quais terão discernimento para saber quando convém serem fortes, quando delicadas.
Na hora da suavidade, o “saint-simonianismo” nos ajudará a dizer palavras amenas, sutis; sem ele, feriríamos a sensibilidade do próximo. E no momento da severidade, o “saint-simonianismo” contribuirá para falarmos com elevação e nobreza, sem degenerar em xingatório. A conversa, então, ganhará tal brilho que se poderá dizer: “Saint-Simon? Que homem pouco educado!”
Ao se ler as “Memórias” de Saint-Simon é interessante notar as descomposturas, os argumentos irretorquíveis e fogosos que ele empregava. Eram altos vôos de espírito, plenos de lógica e com garras polidas…
“Saint-simonianismo” e a perfeição evangélica
Outro aspecto desse tema que envolve particular interesse se liga à abnegação e à humildade cristãs.
Sabe-se que em certos mosteiros existe o costume de proceder ao “capítulo de culpas”: os monges apontam claramente as faltas e defeitos reparados num confrade, o qual permanece prosternado no centro da sala em que se reúnem, por isso mesmo chamada “sala capitular”. Ou, então, qualquer um deles se adianta e se apresenta voluntariamente para se auto-acusar. Poder-se-ia perguntar como esse belo costume monástico se coaduna com o “saint-simonianismo”.
Acontece que na trajetória de santificação das almas existem a via normal e a especial. Na primeira há coisas que esta última — não por deficiência, mas por requinte — não comporta. Assim, numa comunidade constituída por pessoas escolhidas, abnegadas e desapegadas das coisas terrenas, é belo que as almas renunciem a qualquer forma de susceptibilidade, ou mesmo de sensibilidade legítima, para ouvirem humildemente todas as acusações que lhes são feitas. Porém, isso não se aplica à maior parte dos homens.
Do mesmo modo que, por exemplo, o burel franciscano é próprio a um gênero de almas chamadas para a prática da pobreza evangélica, mas não se pode pretendê-lo como traje para o comum das pessoas. A via dos escolhidos para uma vocação particular não convém à regra geral. O mesmo se pode dizer do silêncio trapista, e assim por diante.
O “saint-simonianismo”, pois, é mais adequado para o comum da sociedade humana, e é essa forma de destreza que muito contribui para elevar a arte da conversa. v
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 22/5/1970)
Revista Dr Plinio 113 (Agosto de 2007)