São Paulo é o modelo da argúcia, intrepidez, capacidade de realização, postas ao serviço do apostolado. Depois do Príncipe dos Apóstolos, ninguém o excedeu, em nenhum sentido, entre os que evangelizaram o mundo.
As virtudes desse grande Santo tem uma atualidade perene na Igreja, que o honra de todos os modos. Um esplendido monumento em seu louvor é a grandiosa Basílica de São Paulo, construída em Roma, de que nosso clichê fixa um aspecto.
Sejam o seu exemplo e as suas preces um auxílio para que os católicos, e especialmente os desta sua Arquidiocese, se esmerem mais e mais no serviço da Igreja.
O que mais chama a nossa atenção na vida de São Paulo é a sua decisão, sua atitude integral, diante de um ideal. Quando o apóstolo quer alguma coisa, ele a quer deveras. Vive integralmente por um ideal, e tudo é sacrificado pela realização do mesmo.
O perseguidor da Igreja
Enquanto moço em Jerusalém, o ideal de sua vida era o Judaísmo, e é no Cristianismo que ele descobre o inimigo mais perigoso do mesmo. Sem medir fadigas, dedica-se então a extirpar pela raiz este inimigo. É um entusiasta! Não de um entusiasmo platônico e gesticulador que nada vale, e sim de um entusiasmo interior e profundo que constantemente se traduz em atos: “Saulo, respirando ameaças e morte contra os discípulos do Senhor”. E como tal era conhecido até em Damasco, duzentos e cinquenta quilômetros distante de Jerusalém. Ele mesmo escreve aos Galatas (1, 13): “Certamente ouvistes dizer do meu modo de vida de outrora no Judaísmo, com que excesso eu perseguia a Igreja de Deus e a expugnava. E avantajava-me no Judaísmo a muitos dos meus companheiros de idade e nação, extremamente zeloso das tradições de meu país”.
Um entusiasmo sadio e verdadeiro traduz-se em obras e São Paulo entrega-se deveras à perseguição da Igreja: “Respirando ameaças e morte…” Espírito perspicaz e de vistas largas, ele compreende logo que a extirpação eficiente deve começar nos grandes centros de irradiação mundial. A cidade de Damasco, para onde fugiram muitos cristãos, é um tal centro perigoso. E, como vive inteiramente para o seu ideal, não mede esforços nem perigos, não quer saber de medidas incompletas e pusilânimes, e espontaneamente se dirige ele mesmo a Damasco, viagem de mais ou menos uma semana (250 kms), a fim de “levar presos para Jerusalém a quantos homens e mulheres achasse desta doutrina cristã”.
O Apóstolo
Convertido ao Cristianismo, São Paulo devia tornar-se um grande apóstolo. Mudou de ideal, mas não de mentalidade e caráter e com o mesmo entusiasmo produtivo procura a realização de seu novo ideal – Cristo. O mesmo zelo, ardor, perspicácia, constância, destemor. As mesmas medidas completas e enérgicas, o mesmo gosto pelo essencial que de preferência o faz procurar os grandes centros de irradiação mundial. A mesma dedicação incondicional! A vida apostólica de São Paulo, um verdadeiro prodígio e assombro, é uma prova constante e cabal desta afirmação.
Para mim, viver é Cristo
Com esta mentalidade purificada ainda pela graça, vive perpetuamente com o ideal “Cristo” diante de seus olhos. Mais ou menos 330 vezes aparece o nome de Jesus nas suas epístolas. Sem a menor hesitação escreve: “Mihi vivere Cristus est”. Ou então: “Vivo … iam non ego, vivit vero in me Christus”. Textos que provam seu amor, sua identificação com o ideal da sua vida: Cristo. Tudo está subordinado a este ideal, e enumerando, por exemplo, seus honrosos títulos de judeu, escreve: “Tudo isto tenho por perdas pelo eminente conhecimento de Jesus Cristo, Meu Senhor, pelo qual tenho tudo perdido e eu avalio por esterco, a fim de ganhar a Cristo” (Fil. 3).
É desta fibra que se fazem os grandes apóstolos, os heróis de Jesus Cristo.
Outro característico digno de nota é que São Paulo soube unir a espontaneidade e ao ardor da sua alma um raciocínio severo e uma dialética rigorosa.
“E eu me fiz tudo para todos”… – Mais outro belo característico do grande apostolo, também muito pronunciado, é a sua bondade, a delicadeza para com os que o rodeiam. A sua compaixão para com os que sofrem, com quanto interesse e dedicação ele cumpre a sua missão de angariar esmolas para os pobres de Jerusalém e da Palestina (Rom. 15, 25; Cor. 16, 1 ss; 2 Cor., 8 e 9).
Com quanto engenho ele inventa piedosos artifícios para aumentar estas coletas pelos pobres!
Acha tempo, no ardor das lides apostólicas, para escrever uma bela e delicada carta de recomendação em favor de um pobre escravo fugitivo, pedindo que o senhor novamente o aceite com bondade e espírito de perdão, sem os castigos de costume. Também não recua em granjear o próprio sustento com o trabalho de suas mãos a fim de não incomodar a ninguém.
É com grande delicadeza que trata dos fiéis de todos os lugares. Com uma fineza admirável sabe descobrir as boas qualidades dos homens, elogiando-os alegremente na prática do bem. Em cada carta aparecem os traços inconfundíveis desta bondade e lhaneza de trato. Com grande instância recomenda sejam seus colaboradores bem tratados nas igrejas, e com muita e santa alegria, toma nota dos bons resultados por eles alcançados.
Numa palavra, todos os que entravam em contato com o grande Apóstolo, do maior ao menor, sabiam e sentiam constantemente que São Paulo se interessava por eles, que não eram para o Apóstolo um mero número, que ele se lembrava todos os dias de cada um, até do mais humilde, que São Paulo jamais se esquecia de um serviço prestado, fosse à sua própria pessoa ou aos seus. Todos enfim percebiam que São Paulo era um verdadeiro amigo, um pai para cada um.
Assim também compreendemos que, dando vazas aos seus sentimentos de amor, São Paulo escrevesse a frase quase incompreensível: “porque eu mesmo desejara ser anátema quanto a Cristo, por amor de meus irmãos que são os meus parentes segundo a carne, os israelitas” (Rom. 3, 3). E enumerando os seus trabalhos e fadigas pela causa de Cristo, compreendemos que em último e mais importante lugar enumere os seus cuidados de pai: “além das coisas extenues, há o que pesa sobre mim cada dia, o cuidado de todas as igrejas (“instantia mia quotidiana: sollicitudo omnium ecclesiarum)”.
Plínio Corrêa de Oliveira – Legionário, 20 de janeiro de 1946, N. 702, pag. 1