Nobreza e lógica de São José

Amor à hierarquia e espírito lógico são características fundamentais do contrarrevolucionário. Dr. Plinio analisa as razões pelas quais São José pode e deve ser cultuado enquanto nobre, e louva a lógica, levada até o heroísmo, do Patrono da Santa Igreja.

 

O texto que pretendo comentar é tirado do capítulo VII do livro “Suma dos dons de São José”, do Padre Isidoro de Isolano, dominicano do século XVI, um dos primeiros teólogos católicos a atacar Lutero. É de longe o mais importante Doutor da Teologia sobre São José. Esta ficha parece conter dados muito interessantes a respeito deste Santo e o espírito da Contra-Revolução.

Carpinteiro e príncipe da Casa de Davi

Não está muito conforme com os mistérios das Sagradas Letras essa nobreza de sangue tão louvada em São José.

Aqui o autor cuida de São José enquanto nobre de sangue. Ele era, ao mesmo tempo, trabalhador manual, carpinteiro e, como tal, pertencente — ao menos do ponto de vista econômico — à camada mais modesta da sociedade. Mas, de outro lado, descendia do Rei Davi e de toda uma linhagem de reis de Israel.

A Casa de Davi decaiu e, com o tempo, perdeu o trono e afastou-se do poder. Seus membros continuaram a morar em Israel, mas essa Casa era cada vez menos influente, menos poderosa e menos rica. A tal ponto que quando, afinal, da raça de Davi nasceu Aquele que, na intenção de Deus, era a razão de ser da raça, Nosso Senhor Jesus Cristo — a esperança e a alegria de todo o povo, e que deveria ser um filho de Davi —, a Casa de Davi estava no auge de sua decadência.

E São José era um trabalhador manual, um mero carpinteiro. É bem verdade que, nessas sociedades muito rudimentares, as classes sociais e econômicas não se diferenciam de um modo absolutamente tão nítido quanto nas sociedades mais desenvolvidas; e nem sempre é um sinal de muita decadência econômica o fato de a pessoa ter pertencido a uma grande família e passar a exercer um trabalho manual.

Conheço zonas do interior do Brasil, por exemplo, em que das grandes famílias do lugar há gente que é, por exemplo, chauffeur de praça, carregador da estação, ou algo análogo, mas que se casa com ramos mais ricos da família e, depois, ascende novamente na escala social.

Portanto, essa situação de São José não queria dizer necessariamente tanta prostração quanto seria a de um descendente de reis que chegasse a ser, hoje em dia, trabalhador manual. Mas ao menos se pode afirmar que era, na ordem econômica das coisas, o mínimo que uma pessoa pode ser.

Então, São José pode e deve ser cultuado enquanto operário, mas também enquanto príncipe da Casa de Davi. É por essa razão que, falando a respeito dele, o Papa Leão XIII, um dos Pontífices que mais inculcaram a devoção a São José, disse taxativamente que este Santo deve ser cultuado não só como modelo do príncipe, mas também como o modelo, o ânimo, o estímulo de todos aqueles que pertencessem a grandes linhagens decadentes; para que essas pessoas compreendam como, pela virtude, pela fidelidade a Deus, podem erguer-se ao mais alto grau da santidade e realizar esplendidamente os desígnios da Providência sobre elas.

Argumentação tomista

O Padre Isidoro de Isolano está analisando, precisamente nesse capítulo, São José enquanto aristocrata. Então, escreve ele: São José foi eleito para conhecer a verdade do Verbo de Deus. São Paulo disse: “Não há, entre vós, muitos sábios segundo a carne, nem muitos poderosos, nem muitos nobres. Antes escolheu Deus a estultice do mundo para confundir os sábios, e a fraqueza para confundir os fortes” (1Cor 1, 27). Logo, não se deve louvar a nobreza de São José, escolhido por Deus.

Percebe-se que o autor adota o método de São Tomás de Aquino. Ao tratar desse tema, o Doutor Angélico perguntaria, por exemplo: “Deve ser São José louvado também enquanto nobre?”

Então ele daria, em primeiro lugar, as razões pelas quais parece que não deve. Citaria um, dois, três argumentos negativos. Depois apresentaria os argumentos positivos, como quem faz um cálculo de conta corrente: tem o débito e depois o crédito. Por fim, tira a conclusão: Se tais são os argumentos pró e tais os contra, como responder? Então ele refuta os argumentos da tese que ele quer refutar, faz alguma grande citação em abono da ideia dele — sobretudo citações da Sagrada Escritura — e depois tira a conclusão. É o método lógico perfeito.

Nota-se, então, que o Padre Isidoro adota esse mesmo processo. Começa por dar os motivos pelos quais não se deve louvar a nobreza de São José. E aqui está uma razão tirada de São Paulo que, dirigindo-se aos primeiros católicos, diz: “Entre vós não há muitos que sejam cultos, nem nobres, nem poderosos de acordo com o mundo. Mas desde que sirvam a Deus, isso basta.” Então, daí se tira um argumento contra a nobreza, a cultura, o poder, que são coisas sem importância e não devem ser louvadas. É o primeiro argumento, que depois ele vai rebater. E continua:

Isso mesmo se confirma com a autoridade da Glosa sobre essas palavras do Apóstolo: “O Deus humilde veio a buscar os humildes e não os poderosos, entre os quais são considerados os nobres pelos mortais.”

Esgrima da inteligência

No século XVI os nobres eram considerados poderosos. Na reviravolta das coisas de hoje, um diretor de sindicato é, o mais das vezes, mais poderoso do que um duque. Então, ele diz: “Se é verdade que Nosso Senhor Jesus Cristo, ao encarnar-Se, não veio procurar os poderosos — os nobres, portanto —, não há importância em ser nobre. Logo, não se deve louvar São José enquanto nobre.”

E passa adiante:

A humildade de Deus foi extrema na Encarnação. Mais humilhação era escolher um pai putativo pobre do que um nobre. Logo, não deve elevar-se a nobreza de São José. A argumentação está muito bem desenvolvida. Nosso Senhor Jesus Cristo veio para Se humilhar. Por isso escolheu um pobre como pai putativo, isto é, a quem se atribui a paternidade, mas que não era o verdadeiro pai. Então, não tem importância que esse pobre seja nobre. Nosso Senhor também não olhou para isso, mas apenas para o lado da pobreza. Portanto, ser nobre não vale nada.

Continua o autor: A nobreza não parece ser outra coisa senão a antiguidade das riquezas, como disse Aristóteles. E José, pobre até o ponto de ter que exercer o ofício de carpinteiro para ganhar o pão de cada dia, não podia gabar-se de ser nobre.

O argumento também é interessante. Diz ele que, segundo Aristóteles, a verdadeira nobreza é ter uma fortuna muito antiga. Quem tem uma fortuna que passou por várias gerações, esse ficou nobre. Ora, São José não tinha nenhuma fortuna e, portanto, já não era nobre. Logo, não era o caso de louvar a nobreza dele.

Esses argumentos parecem-me muito bem feitos, o autor sabia objetar bem. Deve fazer parte da destreza do nosso espírito que apreciemos esse florete da argumentação, gostemos de ver argumentos feitos ainda que sejam contra nossas teses para, depois, dar a nossa resposta. É como uma esgrima. Muito mais alta e mais bela do que a esgrima da espada é a esgrima da inteligência. Aqui estão quatro estocadas bem desferidas contra nós. Vamos ver, agora, como o nosso bom padre responde a essas estocadas.

Descendente de rei, de sacerdote e de profeta

Para solucionar essa dificuldade, tenha-se em conta que a nobreza humana pode considerar-se em sua causa, em sua essência e em sua ação.

Está muito bem lançado! Para responder, começar por ver o que é a nobreza, para depois desencaixar daí os argumentos contrários. E, para saber o que é a nobreza, ela deve ser considerada em sua causa, em sua essência e em suas ações, ou seja, no que a causou, no que ela é e no que ela causa. Está perfeito. Não falta nada!

Considerando-a em sua causa, é a nobreza de origem, no que foi singularíssimo São José, pois tem sua origem numa tríplice dignidade: corporal, espiritual e celeste. Ou seja, uma dignidade real, sacerdotal e profética, que é celestial, pois predizer o futuro é só de Deus. Davi foi rei, Abraão foi patriarca, Natã, profeta, e os três foram antepassados de São José.

Ao analisar a causa da nobreza de São José, o Padre Isidoro explica que ele descende de varões dignos a três títulos diferentes: segundo o corpo, por ser descendente de rei; conforme o espírito, por descender de estirpe sacerdotal; segundo as coisas sobrenaturais, porque era descendente de profeta.

Ora, descender de rei, de profeta e de sacerdote confere a mais alta nobreza que uma pessoa possa ter. É esplendidamente bem argumentado.

Que relação há entre rei e corpo? O rei é o chefe do Estado. O Estado cuida, entre os homens, daquilo que diz respeito ao corpo.

O sacerdote faz para a alma o que o Estado realiza para o corpo. Ele cuida das coisas da alma, do espírito.

O profeta é o representante de Deus, o porta-voz da palavra do Altíssimo. Sobretudo quando se trata do profetismo oficial, de um homem mandado por Deus e cuja missão era garantida com milagres, e que falava oficialmente em nome do Criador, como o embaixador fala oficialmente em nome de seu rei. Evidentemente isso é uma altíssima situação, uma altíssima missão.

São José tinha, portanto, as três causas mais altas de nobreza, representativas de três aspectos da vida do homem: o aspecto material, o espiritual e a representação de Deus. É muito bem tratado, superiormente inteligente.

Vejamos agora o que ele diz sobre a essência.

Varão justo, esposo da Rainha do Céu e pai nutrício de Jesus

São José era nobre em sua essência, quer dizer, na sua própria pessoa, porque encontramos nela tríplice nobreza: ele foi justo em sua alma, alcançou a dignidade de esposo da Rainha do Céu e teve ofício de pai nutrício do Filho de Deus.

Consideremos que aquele fotógrafo, Antony Armstrong-Jones, que se casou com a Princesa Margaret, irmã da Rainha Elizabeth da Inglaterra, antes do casamento foi elevado à dignidade de Conde de Snowdon, porque para se casar com a irmã da Rainha tem que ser nobre.

Mas que pouca coisa é ser casado com a irmã da rainha, em comparação de ser esposo da Mãe de Deus! Se isso não constitui nobreza, e se o homem que se casou com a Mãe de Deus não é nobre, então não há nobreza na Terra! O estado dele é, por definição, nobiliárquico.

Nossa Senhora é Rainha do Céu e da Terra, não por uma alegoria, uma imagem, mas Ela o é efetiva e autenticamente. Se a Rainha Elizabeth fosse católica e reconhecesse, portanto, a realeza da Santíssima Virgem, ela, aparecendo diante de Nossa Senhora, teria que se ajoelhar e colocar a coroa dela aos pés da Mãe de Deus. Porque onde Nossa Senhora está ninguém é rei, ninguém é rainha. Somente Ela é a Rainha e tem todo o poder. Os reis e as rainhas não são senão os representantes d’Ela. Nossa Senhora é que manda, porque todo o poder que Deus tem sobre o universo, Ele deu a Ela. Maria Santíssima é a Rainha de todo o universo. Ora, aquele que se casa com a Rainha de todo o universo é nobre, evidentemente.

Notem a coisa interessante: antes de mencionar a nobreza de São José como fidalgo casado com Nossa Senhora, o autor refere a nobreza de São José porque ele era justo, um varão virtuoso que vivia na graça de Deus.

Temos aí uma tese muito interessante em matéria de nobreza. Aos olhos dos homens, um nobre pode valer mais do que um plebeu, porque não está escrito na fronte de ninguém se ele está ou não na graça divina. Mas, aos olhos de Deus, o plebeu em estado de graça vale incomparavelmente mais do que o nobre que esteja em estado de pecado. Quer dizer, o primeiro foro de nobreza é a graça de Deus. É uma coisa evidente.

De tal maneira que no Reino de Maria, se houver uma nobreza, sou da opinião de que os nobres que vivam oficial e publicamente em estado de pecado percam a nobreza. Mas, depois, o Padre Isidoro diz bem: São José não foi apenas o esposo de Nossa Senhora, mas também o pai nutrício do Menino Jesus. Ora, ser o pai nutrício do Filho de Deus é a mais alta honra a que um homem possa chegar, depois da honra de ser a Mãe do Filho de Deus, que é, evidentemente, maior.

Mais do que governar todos os reinos e impérios do mundo

Também em suas obras ele deu provas, ao mundo inteiro, de uma singular nobreza, pois recebeu em sua casa o Salvador do mundo, conduziu-O são e salvo através de vários países, serviu-O e alimentou-O durante muitos anos com seus trabalhos e seus suores.

Quer dizer, ele não só foi nobre porque se casou com Nossa Senhora, mas porque Deus o investiu na mais alta função de governo que possa haver na Terra, abaixo de Maria Santíssima. Exercer uma alta função de governo, de acordo com os conceitos da sociedade tradicional daquele tempo, nobilitava, conferia nobreza. Ora, ser o pai do Menino Jesus, governá-Lo, bem como a Nossa Senhora, é mais do que governar todos os reinos e impérios do mundo. Isso não lhe veio só do casamento; Deus o escolheu para essa tarefa. Compreende-se a nobreza excelsa que lhe vinha disso, evidentemente.

Esses são os novos raios que emite a nobreza do santíssimo José, tornando-a mais resplandecente que o mesmo Sol.

Seguindo, como dissemos, o método de São Tomás, o Padre Isidoro deu os argumentos contra a tese que ele ia sustentar; depois defendeu a tese e apresentou os raciocínios a favor dela. Agora ele vai destruir os argumentos contrários à tese por ele sustentada.

A humildade é o melhor ornamento da nobreza

Respondendo à primeira dificuldade: São Paulo se refere aos pregadores que levariam a Fé ao mundo, que deviam ser de origem humilde e simples, para que não se atribuísse ao seu poder e sabedoria a dignidade das maravilhas que obrava a graça de Deus, mediante o ministério deles; restando daí glória à Cruz de Cristo. Por isso lhes disse a Glosa: se não houvesse um honrado pescador, teríamos poucos pregadores humildes.

O pensamento é o seguinte: era natural que entre os primeiros católicos houvesse poucos nobres, e daí não se tira nenhum argumento contra a nobreza. Porque se entre os primeiros católicos existissem muitos nobres, muitos poderosos, muitos ricos, dir-se-ia que o Evangelho conquistou toda a Terra por causa do prestígio desses homens. Ora, não foi isso. Não houve nem nobres, nem sábios, nem poderosos, nem ricos. Foram homens simples que conquistaram. Donde o milagre fica patente. E não é porque a Providência não gostasse da nobreza, ou não lhe desse valor, mas foi para glorificar mais especialmente a Deus que foram escolhidos homens de uma condição modesta para esse primeiro passo. Está muito bem argumentado.

Agora, outra razão: Mas não era apropriado que o Rei dos reis convivesse na intimidade com quem não era nobre nem de espírito nem de sangue. Não era razoável que Aquele a Quem servem milhões de Anjos, escolhesse por pai a quem não fosse nobre de linhagem; nem tampouco que a Virgem escolhida por Mãe, a Quem admiram os moradores da Jerusalém celeste, fosse desposada por um homem de origem plebeia.

[…]

…sabemos que a humildade não é incompatível com a nobreza, mas que, pelo contrário, é o seu melhor ornamento; pois, quanto maior é uma pessoa, tanto mais deve humilhar-se em tudo. Deus ama singularmente os humildes. Assim disse a Santíssima Virgem: “Porque Ele olhou a humildade de sua serva, por isso todas as gerações me chamarão bem-aventurada” (Lc 1,48).

Tanto é verdade que a grandeza e a humildade não se excluem, que em Nosso Senhor tiveram uma aliança admirável.

O Magnificat

Foi [Nosso Senhor] pobre em bens de fortuna, mas não na excelência de sua Pessoa, que é o verdadeiro fundamento da nobreza.

Está muito bem argumentado. De fato, Deus ama eminentemente a humildade, porém esta não é uma virtude exclusiva dos plebeus; é também dos nobres, pois é a virtude dos grandes e dos pequenos.

A humildade é a verdade. É humilde aquele que, olhando para si, reconhece a verdade a seu respeito, contenta-se com o que é, não quer ser mais nem menos, porque Deus Nosso Senhor, que manda nele, o colocou na posição que ele tem. Por isso uma pessoa pode ser muito humilde, embora seja de altíssima categoria.

O autor cita exatamente as palavras do Magnificat. Porque olhou a humildade de Nossa Senhora, todas as gerações A chamarão bem-aventurada. Quer dizer, colocou-A no ápice porque era humilde, tinha a respeito de Si uma ideia perfeitamente precisa. Se a grandeza fosse incompatível com a humildade, colocando Nossa Senhora em tal excelsitude, Deus Nosso Senhor A teria impedido de ser humilde. Ora, Ela foi humilde até o fim da vida, sendo a maior das meras criaturas. Logo, entre grandeza e humildade não há incompatibilidade. É um argumento que não permite resposta. É perfeito.

Formas de grandeza de Nosso Senhor Jesus Cristo

Terceiro argumento:

Constatamos que a Encarnação revelou a suprema humildade de Deus:
1º- O revestir-Se da carne humana. “Ele Se aniquilou, tomando a forma de servo” (Fl 2,7).
2º- Por sua humilde vida. “Aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração” (Mt 11,29).
3º- Pelas terríveis dores de sua Paixão. “Olhai e vede se há dor comparável à minha dor” (Lm 1,12).

Contudo, nem sempre apareceu no exterior com a mesma humildade; mas, pelo contrário, mostrava sua grandeza quando convinha. Assim vemos que Ele ensinou com autoridade, fez milagres e ressuscitou vitorioso dentre os mortos.

Também está muito bem argumentado. Afirma o autor: tanto é verdade que a grandeza e a humildade não se excluem, que em Nosso Senhor tiveram uma aliança admirável. Ninguém na vida foi mais humilde do que Nosso Senhor Jesus Cristo, mas ninguém teve grandeza maior do que a d’Ele.

E ele indica três formas da grandeza do Redentor. O ensinamento de Nosso Senhor; ensinar é um atributo da grandeza. Mostra, de outro lado, o seu poder de fazer milagres, a ponto de ressuscitar mortos; é manifestar uma grandeza que ninguém tem. Quando qualquer potentado da Terra, no auge de seu poder, ressuscitou um morto? Só Deus o pode fazer. Mas, terceiro, ressuscitou-Se a Si próprio, o que é um milagre ainda muito maior. Porque, estando morto, ressuscitar-Se a Si próprio é uma grandeza que desafia qualquer palavra. Então, Aquele que foi o mais humilde de todos foi o maior; logo, a humildade não é incompatível com a grandeza. Não há o que dizer! Está perfeitamente respondido.

Mais ainda: a humilhação de Deus na Encarnação não teria sido maior por escolher um pai de origem humilde; foi extrema a humilhação e nada poderia acrescentar-se à humildade que supõe revestir a divindade da natureza humana.

Ele quer dizer o seguinte: falar que Nosso Senhor Se humilhou muito, sendo filho de operário, é uma coisa inteiramente secundária. A humilhação verdadeira d’Ele, sendo Filho de Deus, foi consentir em ficar homem. Diante disso o resto é inteiramente secundário.

Nobreza “en sommeil”

Por último, foi pobre em bens de fortuna, mas não na excelência de sua Pessoa, que é o verdadeiro fundamento da nobreza, como já foi declarado. Além disso, ele careceu do supérfluo, mas não do necessário. Nem tampouco se opõe à nobreza o ganhar o pão com o suor de sua fronte, pois o trabalho evita a degradação, e ninguém pode glorificar-se da nobreza se não souber cobrir suas necessidades com o trabalho de suas mãos. A natureza, que dá essa nobreza aos homens, aborrece a ociosidade, combatendo-a com todas as suas forças. E assim dizia Aristóteles: “Todo o que trabalha ordena sua operação ao obrar”. O trabalho tem a si mesmo por seu próprio efeito; e também Deus e a natureza nada fazem inutilmente.

O princípio que o autor desenvolve aqui é muito interessante. Ele diz que o trabalhar com as próprias mãos de si não destrói a nobreza, porque não há uma incompatibilidade radical da nobreza com o trabalho manual; este não é uma vergonha, não é um pecado. Um nobre pode estar reduzido à condição de trabalhador manual e, com isso, não perde a sua nobreza. Ele pode readquirir, de futuro, a sua posição, porque não fez uma ação vexatória, criminosa. São José foi assim. O que ele fez com seu trabalho manual foi tudo quanto havia de mais nobre e de mais alto e, por causa disso, não se pode dizer que ele tenha desmerecido a nobreza de seus antepassados, trabalhando manualmente.

Certa ocasião li um livro sobre a nobreza no qual o autor mostrava que, em determinadas regiões da Europa, havia essa delicadeza de alma: quando um homem de uma família nobre perdia a fortuna e era obrigado a trabalhar com suas próprias mãos, não se afirmava que ele tinha perdido a nobreza, dizia-se que sua nobreza estava “en sommeil” — a expressão é muito bonita: em estado de sono —, e que ela despertaria no dia em que suas condições materiais lhe permitissem viver no estado nobre. É um infortúnio, ele ficou pobre, está trabalhando, mas não está fazendo nada degradante.

É verdade que para um homem que se tornou, por exemplo, copeiro não é próprio dizer para ele: “Alteza, traga-me um copo d’água!” A nobreza dele entrou num estado de sono; ela está como que dormindo dentro dele. Mas, as circunstâncias melhorando, a nobreza dele refloresce.

O Padre Isidoro de Isolano aplica isso à nobreza de São José. Perfeitamente bem pensado, bem concluído, bem articulado.

Alegria proporcionada pelo raciocínio

Enquanto eu desenvolvia o pensamento desse sacerdote a respeito de São José, notei como as expressões fisionômicas dos ouvintes indicavam adesão e satisfação, não apenas pela tese sustentada por ele, mas também por verem a agilidade de sua argumentação.

Permitam-me, nesta reunião um pouco mais íntima, tratar de algo à margem do tema.

Aqueles que sentiram algum contentamento em ouvir a argumentação desse padre tiveram um prazer por onde se esqueceram, por alguns instantes, das preocupações e dos aborrecimentos da vida de todos os dias; experimentaram certa serenidade, certa tranquilidade.

Façamos uma comparação entre a alegria que dá a torcida e a proporcionada pelo raciocínio, com essa serenidade da alma, quando o homem está no estado de repouso, de distensão, e acompanha o passo majestoso e cadenciado dos argumentos que se seguem uns aos outros como uma bonita parada; em que ele aprecia o gume de cada arma da lógica, e tem esse prazer soberano de ver a arma da lógica entrar no corpo, na carnatura do erro e fender.

O argumento que, como o bisturi de um médico excelente, entra e talha, corta o tumor e o organismo respira satisfeito. Magnífico! O mal ficou inutilizado, prostrado, arrasado.

Assim faz a lógica clara, precisa, elegante, que como um Anjo dardeja um raio sobre o erro e o liquida. Vemos o erro ser apresentado com todos os seus enfeites, mas depois surge a lógica e o joga ao chão com uma sapecada certa, um golpe certeiro.

Esse elogio da lógica seja feito em homenagem a São José, tão lógico, tão coerente, que levou a lógica ao verdadeiro heroísmo durante a sua vida.

Uma calma que só os homens lógicos possuem

Qual foi um lance da vida de São José em que ele levou a lógica até o heroísmo? Foi aquele episódio muito conhecido, quando ele viu que Nossa Senhora tinha concebido um filho do qual ele não era pai. O Evangelho trata disso. Então, ele ficou colocado diante de uma situação absurda. Maria era evidentemente santa, e ele não podia disso duvidar, porque a santidade d’Ela reluzia de todos os modos possíveis; de outro lado, estava criada uma situação que ele não conhecia, mas com a qual ele não podia conviver.

Ao invés de denunciá-La, como mandava a lei hebraica, ele saiu com a única solução lógica: “Quem está demais nessa casa, não é essa Mãe, que é a dona e rainha desse lar; nem o filho que Ela concebeu. Alguém está demais, mas esse alguém sou eu. Vou abandonar a casa e sumir; porque não compreendo esse mistério, mas contra ele não me levantarei. Passarei meus dias longe, venerando o mistério que não entendi.”

Resolveu, então, fugir da casa, deixando Nossa Senhora com o fruto de suas entranhas. Ele tinha que abandonar o maior tesouro da Terra, a Virgem Maria, o que para ele representava um sofrimento inenarrável, inimaginável.

O Evangelho nos conta que ele estava dormindo quando apareceu um Anjo e lhe deu a explicação. Quer dizer, antes desse lance tremendo, São José dormia. Ele ia viajar e tinha que se preparar por meio do repouso para essa viagem. E foi durante o sono que o Anjo veio e lhe explicou tudo. Ele continuou a dormir. Vejam a calma dele! Essa calma só os homens lógicos têm. De manhã, acordou e a vida continuou normalmente. Suma normalidade, suma coerência, suma lógica!

Em louvor dessa lógica de São José, fica este rápido comentário.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 19/3/1976)

Proporcionado à Mãe e ao Filho de Deus

Maria Santíssima é a mais perfeita dentre as meras criaturas. Se tomarmos a soma das excelências de todos os Anjos e homens que já existiram, existem e existirão, não teríamos sequer pálida ideia da perfeição da Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Se Deus foi tão magnificente no predestinar e modelar a Mãe que daria ao mundo o Salvador, e em cumulá-La das mais preciosas graças, não seria menos pródigo no escolher o homem que deveria ser o esposo dessa Virgem e Mãe.

Um varão tinha de ser considerado proporcionado, por seu amor a Deus, sua justiça, pureza, sabedoria e todas as demais qualidades, a tal Esposa e a tal Filho. Esse homem, escolhido para esposo de Nossa Senhora e pai jurídico do Filho de Deus, foi São José.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 18/3/1967)

Consorte da Sede da Sabedoria e pai do Leão de Judá

Para se ter alguma noção do semblante de São José seria preciso deduzir, à maneira de suposição, o caráter de um homem que esteve à altura de ser o pai d’Aquele cuja Sagrada Face está estampada no Santo Sudário de Turim. Quer dizer, o homem que foi o educador, o guia, o protetor do Senhor daquele rosto impresso no Sudário; um homem da mesma linhagem, parente e esposo da Mãe d’Ele.

Conceber algo menor do que isso é não ter ideia da extraordinária figura de São José, modelo de fisionomia sapiencial porque consorte da Sede da Sabedoria, do Espelho da Justiça, Maria Santíssima. Modelo de fortaleza, porque pai do Leão de Judá, Nosso Senhor Jesus Cristo.

A este verdadeiro São José devemos elevar nossas preces, rogando-lhe interceda por nós junto à Virgem Santíssima e a seu Divino Filho, e nos alcance a graça de o imitarmos nas suas excelsas virtudes.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 18/3/1967)

Revista Dr Plinio 252 (Março de 2019)

São José – Modelo de cavaleiro

Um dos episódios mais bonitos da vida de São José é a fuga para o Egito.

O Santo Patriarca recebe em sonho a visita de um Anjo que lhe diz que o Rei Herodes está querendo matar o Menino Jesus. Então ele sai às escondidas, com Nossa Senhora e seu Divino Filho, e vão para o Egito.

A defesa do maior tesouro que houve na Terra — e tesouro maior do que esse não há no Céu — ficou inteiramente confiada a São José, que representava o braço vigoroso, a previdência, a força varonil na defesa de um Menino que era ao mesmo tempo Deus, mas quis ser fraco nas mãos de São José.

Nós louvamos e apreciamos muito a vocação de Godofredo de Bouillon, que comandou as tropas na reconquista de Jerusalém. É o cruzado por excelência, é uma coisa linda! Entretanto, muito mais do que retomar o Santo Sepulcro para Nosso Senhor é defender a Ele próprio! E disto São José foi encarregado bela e gloriosamente. Ele foi, portanto, o cavaleiro-modelo na defesa do Rei dos reis, do Filho de Deus encarnado.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 30/7/1989

São José e a fecundidade da vida interior

Quando alguém se refere aos grandes vultos da história, imediatamente nos vem à memória a figura de um genial estadista, de um celebrado filósofo, de um brilhante general. Todavia, tudo isso não é nada em comparação com a sublimidade de ter colaborado na realização da Redenção. Eis a incomparável vocação de São José, destacada por Dr. Plinio, que no-lo apresenta como modelo a ser seguido por todos os católicos.

A ignorância religiosa em que vivemos tem produzido, entre outros efeitos nocivos, o desvirtuamento inteiro do significado real de algumas determinações da Igreja, que, quando mal  interpretadas, são inteiramente estéreis de frutos espirituais, e quando bem compreendidas, são férteis em graças e proveitos de toda ordem.

São José, modelo de todas as grandes virtudes

É o que se dá, por exemplo, em relação ao culto de São José que, proposto pela Igreja como modelo dos chefes de família e dos operários, é também, pelo imenso acervo de virtudes com que foi enriquecido pela graça, modelo ideal de todas as grandes virtudes católicas.

A maioria dos católicos, porém, não pensa seriamente em tomar São José como seu modelo. De um lado, a imensa santidade do pai [jurídico] de Jesus, a quem a Igreja cultua com a suprema dulia, parece um ideal absolutamente inatingível. De outro lado, a fraqueza humana de que nos sentimos repletos, solicitada por toda sorte de inclinações, nos afasta por tal forma de qualquer ideal espiritual, que julgamos muito já ter feito quando nos libertamos do jugo do pecado mortal e venial, e vivemos uma vida espiritual estacionária, relativamente suave, pois que se limita à conservação do terreno conquistado, mas inteiramente estéril para a Igreja e para a maior glória de Deus.

Em busca da perfeição espiritual

A Igreja certamente não pretende que seus filhos igualem em glória e em virtude aquele que, depois de Maria Santíssima, foi o mais elevado expoente de virtudes da humanidade.

Por outro lado, porém, ela não quer de modo algum que limitemos nossos horizontes espirituais a uma vida piedosa banal, amesquinhada pela errônea ilusão de que seria falta de humildade aspirar-se à santidade que brilhou no gênio de São Tomás, na combatividade de Santo Inácio, no recolhimento de Santa Teresa e na caridade de São Francisco.

A Igreja desmascara esta falsa humildade, apontando nela, ou um pretexto especioso da covardia espiritual, ou uma concepção orgulhosa da virtude, considerada mais como fruto do esforço humano do que da misericórdia de Deus. E, ao mesmo tempo, ela se serve do exemplo de seus grandes santos para “levantar ao alto” nossos corações, indicando-nos que a única preocupação real desta vida, o único problema verdadeiramente importante de nossa existência, é a aquisição daquela perfeição espiritual que será o único patrimônio que conservaremos, a despeito das crises financeiras, das comoções sociais e da fragilidade das coisas humanas, para, finalmente, transpormos com ele os próprios umbrais da eternidade.

É disto exemplo frisante o grande São José. Nascido de família ilustre, arrasta, no entanto, uma existência obscura que, contrastando com o brilho de seu nome, o colocou na mais baixa camada da sociedade de seu tempo. Escasseiam-lhe os dotes naturais com que os homens se fazem grandes. Não dispõe de exércitos nem de súditos, que levem ao longe a glória de seu nome. Não dispõe do dinheiro com que galgar às altas posições. Vive humilde e desprezado, à sombra do Templo majestoso, e no próprio país em que reinara a sabedoria de Salomão.

No entanto, brilha nele a chama da caridade. Um intenso amor de Deus, uma espiritualidade e uma vida interior admiráveis fazem de sua alma objeto da complacência da Santíssima Trindade, e este homem humilde é chamado a co-participar de modo direto em acontecimentos dos quais decorreriam os mais notáveis fatos da história do mundo.

A Religião católica, coluna da civilização

A Redenção do mundo, que é o fato central de toda a nossa história, determinou a queda do paganismo, o aparecimento e o triunfo da Igreja Católica, a implantação de uma civilização baseada em concepções inteiramente novas da família, do Estado, do indivíduo e da Religião, que foram os fatos iniciais e a causa do grande progresso que hoje admiramos.

A família pagã, transformada e sobrenaturalizada pelo contato com os Sacramentos da Igreja, transformou-se em foco admirável de perfeição espiritual e em escola austera da disciplina dos instintos inferiores.

O Estado pagão, transformado em sua base pelo Catolicismo, deixou de ser privilégio de plutocratas ou demagogos, para ser antes de tudo um admirável meio de distribuição equitativa da justiça e proteção a todos os indivíduos.

O indivíduo, que no paganismo era presa de suas paixões, viu abrir-se diante de si o admirável ideal de perfeição espiritual pregado pelo Homem-Deus; e o homem medieval, descendente dos sibaritas da Antiguidade, se transformou no cruzado, no asceta ou no filósofo cristão.

A Religião, enfim, conseguiu trazer ao mundo, com seus Sacramentos, com a graça de que é veículo, e com o admirável apostolado hierárquico da Igreja, uma continuidade de ação santificadora que tem sido a coluna da civilização.

Todos esses acontecimentos gloriosos tiveram sua origem na Redenção. São José, pela admirável correspondência à graça com que se distinguiu, colaborou de modo eminente no plano divino da Redenção. E, como tal, é merecedor de grande parcela da glória que, legitimamente, cabe ao Divino Salvador, pela imensidade de benefícios com que nos cumulou.

Inestimável valor de uma vida espiritual intensa

Vemos, pois, a admirável fecundidade de uma vida que todas as circunstâncias naturais tendiam a tornar estéril. Vemos a prodigiosa capacidade de ação da santidade que, no recolhimento e na humildade, colaborou diretamente em acontecimentos muito mais importantes e teve uma participação incalculavelmente mais notável em toda a história da humanidade do que Alexandre com seus exércitos, Kant com seu saber arrogante, ou Maquiavel com sua diplomacia astuta e amoral.

Vida interior, portanto. Vida interior intensa, constante, ilimitadamente ambiciosa, no sentido espiritual da palavra, eis a grande lição que (o exemplo) de São José nos deixa.

Intimamente unidos a Nossa Senhora como o foi São José, não nos deve desanimar, ante a grandeza dessa lição, a escassez de nossas forças, pois que devemos exclamar como encorajamento: “Omnia possum in eo qui me confortat — Tudo posso n’Aquele que me conforta”.

Plinio Corrêa de Oliveira (Transcrito do “Legionário”, nº 116, de 26/3/1933. Título e subtítulos nossos.)