Presença régia e vitoriosa do Divino Infante

Como o mundo atual é semelhante àquele no qual viveram os homens nas vésperas do Natal! Tudo parecia ruir, porém almas esparsas pela Terra esperavam por uma restauração. Não virá para nós também um acontecimento que nos liberte de todo o horror dentro do qual estamos?

Um Menino está para nascer em Belém! O que dizer desse acontecimento?
Quando o Verbo se encarnou e habitou entre nós, qual era a situação da humanidade? Com certeza, bastante parecida com a de nossos dias.

Num mundo pagão algumas almas esperavam a restauração

Apesar do pecado de Adão e Eva, havia uma como que inocência patriarcal das primeiras eras da humanidade, que foi deixando vestígios cada vez mais raros ao longo da História. E uma ou outra pessoa de cá, de lá ou de acolá, ainda refletia essa retidão primitiva. Homens esparsos que não se conheciam, pois não tinham contato entre si, e, em consequência, não formavam um todo, mas saudosos e pensando com nostalgia num passado tão longínquo que talvez nem sequer tivessem dele um conhecimento umbrático; olhavam o estado da humanidade do seu tempo representando uma decadência terrível, confirmada pelo que havia de poderoso e cheio de vitalidade: o Império Romano.
Ele era o mais quintessenciado, o último e mais alto produto do progresso. Porém, não durou muito tempo, pois caiu por causa de sua devassidão. Assim, coube-lhe o fim inglório de ser calcado aos pés pelos bárbaros, aqueles a quem os próprios romanos desprezavam e consideravam feitos para serem seus escravos. Esses haveriam de tomar conta deles.
Esse poderoso Império dominara um mundo podre. E se teve tanta facilidade para dominá-lo, em grande parte foi porque ainda era um pouco sadio. Devorando o mundo, o Império engoliu a podridão; e deglutindo a conquista, esta matou o conquistador. Todos os vícios do Oriente escorreram como torrentes em Roma e a tomaram. Assim, transformada numa cloaca, numa sentina, por sua vez, espalhava por toda parte – multiplicada e acrescida – aquela corrupção.
Entretanto, algumas almas opressas por essa situação sentiam que algo estava por acontecer e compreendiam que, ou o mundo acabaria, ou a Providência de Deus interviria. Essas almas tinham a sua desventura e a sua angústia levadas ao máximo na véspera do dia de Natal. Vivia-se o fim de uma era em seus estertores, mas na aparência da paz, e ninguém tinha ideia de qual poderia ser a saída.
Eis que, naquela véspera de Natal, tão terrivelmente opressiva para todos, em Belém, numa gruta, havia um casal que possuía uma castidade ilibada, e a Virgem Esposa, entretanto, seria Mãe. E, nessa gruta, em determinado momento, enquanto se rezava em profundo recolhimento, o Menino Jesus estava na Terra!

Autêntica adoração

Os pastores, que relembravam a retidão antiga, vendo aparecer os Anjos cantando e anunciando-lhes a primeira notícia: “Glória a Deus no mais alto dos Céus e paz na Terra aos homens de boa vontade!”, encantaram-se e foram em direção ao presépio, levando seus presentinhos ao Menino Jesus. Foi o primeiro magnífico ato de adoração, o qual bem poderíamos chamar de “ato de adoração da tradição”.
Eles representavam a tradição da retidão pastoril, daquelas condições de vida puras, perdidas em meio ao mundo depravado e cuidando de pequenos animais. Pastores que, levando uma vida recatada à margem da podridão daquela civilização, foi-lhes anunciado em primeiro lugar o grande fato: “Puer natus est nobis, et filius datus est nobis” (Is 9, 5) – “Um Menino nasceu para nós, um Filho nos foi dado!”
Pouco depois, no outro extremo da escala social, vinha também uma caravana, era outra maravilha. Uma estrela peregrina no horizonte… e, do fundo dos mistérios pútridos do Oriente, homens sábios, magos, cingindo a coroa real, deslocam-se de seus respectivos reinos.
Imaginemos que, em determinado momento, esses grandes monarcas se encontraram e se veneraram reciprocamente. Sem dúvida, cada um contou para os outros de onde vinha, e os três se encantaram ao ver que os aliara a mesma convicção, a mesma esperança e o chamado para percorrer o mesmo itinerário. Por fim, chegaram juntos à gruta levando as três culminâncias dos respectivos países: ouro, incenso e mirra, e renderam outra adoração ao Menino Jesus. Aí já não era mais a tradição dos mais humildes, mas sim, a dos mais elevados.
A tradição tem isso de interessante, de tal maneira ela é feita para todos, que possui um modo próprio de residir em todas as camadas sociais. Na burguesia ela se manifesta simplesmente na estabilidade. Na nobreza, pela continuidade na glória; enquanto no povinho, pela continuidade na inocência. Ora, esses reis, ápices da nobreza de seus respectivos países, traziam junto com a dignidade real, uma outra elevada honra: a de serem magos. Eram homens sábios, tinham estudado com espírito de sabedoria, pois no momento em que eles receberam a ordem: “Ide a Belém, e ali tereis as vossas esperanças realizadas”, seus espíritos encontravam-se preparados por tudo aquilo que conheciam e tinham estudado do passado.

Logo irrompe a perseguição

De imediato, desencadeou-se a perseguição. A meu ver, não seria razoável, nestas circunstâncias, meditarmos no Natal sem tomarmos em consideração a matança dos inocentes; essa tragédia que acompanha tão de perto a celeste paz, a serenidade magnífica e toda cheia de sobrenatural, do “Stille Nacht, Heilige Nacht”. Essa cruel matança tingiu de sangue a terra que mais tarde se tornaria sagrada, porque aquele Menino ali verteria seu Sangue Sacrossanto. Apenas Ele se manifestou, a espada assassina dos poderosos se moveu contra Ele. No momento em que essas maravilhas se afirmam, o ódio dos maus se levanta contra elas como uma corja.
Com frequência, a matança dos inocentes é considerada de um modo humanitário. Não há dúvida de que essa ponderação tem algum cabimento, pois eles eram inocentes e foram mortos, crianças covardemente trucidadas. Porém, essa apreciação justa e de compaixão empana, no espírito moderno e naturalista, a consideração mais importante: aquele massacre era o prenúncio do deicídio, pois tendo recebido a informação de que ali nasceria o Messias, o rei dos judeus teve a intenção de matá-Lo, e para isso mandou assassinar todos os meninos!
Embora não tivessem plena consciência de ser o Homem-Deus, de um modo ou de outro, a intenção era de atingir, senão Deus, pelo menos o enviado d’Ele. Daí uma série de outros fatos, e a História Sagrada se desenrola diante de nós.

Ontem e hoje o mundo agoniza

Como a nossa vida é parecida com a dos homens que viveram na véspera do “Puer natus est nobis, et filius datus est nobis!” O mundo de hoje agoniza como agonizava o das vésperas do nascimento de Nosso Senhor. Tudo é desconcertante, loucura e delírio. Todos procuram aquilo que cada vez mais foge deles, como o bem-estar, a vidinha, o gozo infame, as trinta moedas com as quais cada um vende o Divino Mestre, que implora a defesa e o entusiasmo daqueles a quem Ele remiu.
É muito provável que nestas condições haja algum homem, pela vastidão da Terra, a gemer por presenciar diante de si o mundo caindo em pedaços; é o descalabro da Cristandade ou, hélas, a terrível crise na Santa Igreja imortal, fundada e assistida por Nosso Senhor Jesus Cristo, de tal maneira em declive que se soubéssemos ser ela mortal, seríamos levados a dizer que está morta.
Eu me pergunto: não virá para nós um acontecimento enorme, talvez dos maiores da História – embora infinitamente pequeno em comparação com o Santo Natal –, que nos liberte também de todo o horror dentro do qual estamos?

 

O que dar e pedir ao Menino Jesus?

Aos pés do Presépio, se Deus quiser, vamos celebrar o Santo Natal, e devemos levar nossos presentes o Menino-Deus como fizeram os Reis Magos e os pastores. Entretanto, o que dar-Lhe? O melhor presente que Ele quer de nós é a nossa própria alma, o nosso coração! O Divino Infante não deseja nenhum outro presente da nossa parte a não ser este.
Alguém dirá: “Que pífio presente, eu dar a mim mesmo a Ele!” Não é verdade! Se Jesus nos receber em suas mãos divinas, nos transformará em vinho como a água nas bodas de Caná e seremos outros. Digamos a Ele: “Senhor, modificai-nos! Asperges me hyssopo et mundabor: lavabis me, et super nivem dealbabor. Senhor, aspergi-me com hissope e eu ficarei limpo; lavai-me e tornar-me-ei mais alvo do que a própria neve! (Sl 51, 7). Vosso presente, Senhor, é a criatura que vos pede: aspergi-me, purificai-me!”
Ora, esse presente devemos oferecê-lo pela intercessão de Nossa Senhora, pois, como oferecer algo como nós, a não ser por meio d’Ela? E se tudo fazemos por seu intermédio, por que não pedir um presente a Nosso Senhor também através de sua Mãe? Sem dúvida, o dom fundamental que devemos implorar é o seguinte: “Senhor, mudai o mundo! Ou, se não há outro meio, abreviai os dias cumprindo as promessas e as ameaças de Fátima! Mas, para perseverar pelo menos os que ainda perseveram, Senhor, tende pena deles, abreviai os dias de aflição e fazei vir o quanto antes o Reino de vossa Mãe.”
Enquanto estivermos cantando o “Stille Nacht, Heilige Nacht” e as demais canções sagradas do Natal, devemos ter bem presente o seguinte: tudo é muito bonito e muito bom na lembrança do fato havido há dois mil anos, sobretudo porque temos a convicção de que Nosso Senhor continua presente na sua Santa Igreja e na Sagrada Eucaristia, e sua Mãe nos auxilia desde o Céu
Na Terra, porém, é preciso pedir uma presença régia e vitoriosa do Divino Infante! Inclusive, podemos dar a esse pedido uma outra formulação: “Ut inimicos Sanctæ Matris Ecclesiæ humiliare digneris, te rogamos audi nos!” “Senhor recém-nascido, que repousais nos braços de vossa Mãe como no mais esplendoroso trono que jamais houve e haverá para um rei na Terra, nós vos suplicamos: dignai-vos humilhar, abaixar, castigar, tirar a influência, o prestígio, a quantidade e a capacidade de fazer mal, aos inimigos da Santa Igreja Católica Apostólica Romana, a começar pelos mais terríveis; e estes não são os externos, mas os internos!” Em suma, peçamos a forma mais requintada da vitória de Nosso Senhor: o esmagamento dos seus adversários e a vitória de sua Mãe Santíssima!

 

Lembranças das noites de Natal

As recordações dos natais da infância fixadas na minha memória se fundiram num só Natal. Todos se repetiram com muito encanto e agrado para mim, sem que eu os deixasse de achar sempre novos. Eu poderia tentar descrever as sucessivas impressões de como se comemorava o Natal na igreja e em casa.
O Natal na igreja se celebrava com uma Missa, mas não era a do Galo. Nela se adorava a Nosso Senhor, enquanto recém-nascido em Belém, e em seguida, fazia-se uma consideração do Presépio. Por último, o sacerdote pronunciava a bênção.
Eu tinha uma dupla impressão do Natal. Por um lado, chegava diante do Presépio e me comovia muito, me emocionava, pois me parecia que dele, de fato, emanava paz e tranquilidade. Vendo o Menino deitado de braços abertos, tinha a sensação de estarem abertos para mim e para todos os que O venerassem. Braços acolhedores, afáveis, cheios de simpatia e perdão.
Assim, eu me tomava com aquela alegria do Natal, toda ela intensa e sobrenatural, mas, ao mesmo tempo, carregada de tristeza. Por quê? Vejam, por exemplo, a imagem do Sagrado Coração de Jesus que se encontra numa das capelas laterais da igreja dedicada a Ele, na cidade de São Paulo. Essa imagem é muito bondosa e vê-se Nosso Senhor imerso na felicidade celeste, mas Ele aponta para o seu Coração num gesto de tristeza, como que repetindo as palavras ditas a Santa Margarida Maria Alacoque: “Eis aqui o Coração que tanto amou os homens e por eles foi tão pouco amado.” Por isso, a devoção ao Sagrado Coração de Jesus tem essa nota reparadora, em que nós devemos atenuar o sofrimento d’Ele pelos pecados dos homens.
Então, essa serenidade da dor, misteriosamente ligada à alegria natalina, tinha para mim um sabor especial, que não sabia explicar, mas me parecia que a alegria perderia muito sua razão de ser se a dor ali não estivesse presente. Era, de fato o júbilo natalino, mas numa determinada forma que o Natal não apresenta de imediato, ou seja, a alegria da resignação para o que viria no futuro, aceitando-o com bondade e com abertura de alma para a dor.
Assim como o Divino Redentor sofreu, todos os homens sofrerão. Então, aquele menino que estava festejando o Natal sofreria também. Mas, quando chegasse a hora da dor, ele já deveria ter conquistado uma certa serenidade tranquila, augusta, cheia de paz, a qual faria com que dentro da própria dor, ele tivesse alegria.
Essa era a mensagem de Natal que se tornava tão clara, no seu sentido religioso, na Missa do dia celebrada na Igreja. Na véspera do Natal não tinha a mesma intensidade. O sentido religioso era claro, mas a festa era feita num ambiente temporal. Na família, célula da sociedade, vive-se o prazer lícito das coisas temporais inocentes, da boa diversão, das crianças contentes pelos dons recebidos de Deus; infantes que ainda não começaram a batalha contra o pecado e se alegram por estarem vivos e existirem no mundo.
É a alegria que teria uma borboleta ou um passarinho, se pudessem pensar, sentindo seu próprio voo de fruta em fruta ou de flor em flor, debaixo do Sol. Alegria muito boa, sem dúvida, que faz sentir à alma todos os prazeres da virtude, porque o verdadeiro prazer não provém do pecado. Assim, quando vier a tentação roncando, resfolegando e agitando o guizo, a alma humana compreenderá ser aquilo mentira do demônio, pois o que parece prazer é tristeza.
Eis algumas lembranças da noite de Natal.v

(Extraído de conferência de 23/12/1983)

Natal

Após Dona Lucilia anunciar que a festa de Natal ia começar, todos — umas vinte crianças — dávamo-nos as mãos e começávamos a entoar o “Stille Nacht”. Íamos, então, levando o presépio com o Menino Jesus, desde a saleta onde estávamos até a sala dos brinquedos, na qual havia uma árvore de Natal.

Ali cantávamos canções de Natal, girando em torno da árvore, mas já sentindo o cheiro do chocolate com o qual se iam enchendo as xícaras, acompanhado de creme “chantilly”; e o odor do pinheiro um pouco queimado por algumas velas, que deitava um perfume de resina especial.

Havia uma alegria cândida, pura, eu ousaria dizer virginal, que não era perturbada por qualquer intemperança. Nenhuma criança fazia uma travessura, uma peraltagem, todas brincavam entre si com a maior calma, dentro daquela paz que parecia sair das imagens de Nossa Senhora e do Menino Jesus que estavam no presépio, e se difundia por toda a sala.

Essa alegria proporcionava uma coisa que eu não sei exprimir. Mas era a ideia do “Puer natus est nobis” — Foi-nos dado um Menino —, e uma grande alegria tinha nascido no Céu. O Menino era Jesus. E ali se realizava algo de único, como que a repetição do Natal; parecia-nos estar vivendo as graças do Natal.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 25/12/1976)

Noite santa, Silenciosa…

Ao longo dos séculos da história cristã, as noites de Natal têm recordado aos homens e lhes feito compartilhar as bênçãos inefáveis do augusto momento em que o Redentor nasceu para o mundo. Sobretudo antes das festas laicas e comercializadas de hoje, as celebrações natalinas possuíam um néctar, uma poesia, um encanto, um discernimento de espírito por onde todos como que sentiam e conheciam a graça de Deus e de Cristo que desce como um orvalho do mais alto do céu, ou seja, do claustro sacratíssimo de Nossa Senhora, e sem transgredir a virgindade intacta da mãe, entra nesta terra. A Virgem teve um filho e a humanidade se extasia!

Dir-se-ia revestido de completa beleza o cenário dessa noite na Terra Santa, iluminada por estrelas reluzentes como nunca, povoada de Anjos que anunciam o nascimento do Salvador. Entretanto, como lucra em formosura o Natal, quando considerado nas manifestações de piedade e de inocência com que o festejam os povos germânicos! Imagine-se a igrejinha, a paroquiazinha toda coberta de neve, com o relógio iluminado por dentro, indicando 10 para a meia-noite; os aldeões que se aproximam com os tamancões grandes, porque a neve enche o caminho, e ainda cai aos flocos. A igreja, bem aquecida, acolhe generosamente os seus fiéis que entram depressa e logo se acomodam naquele pequeno palácio do Menino-Deus.

Ao longe, as casinhas da aldeia espargem cintilações douradas através de suas janelas, pontilhando de luz o imenso manto de neve com que se veste a natureza. Das chaminés escapam tufos de fumaça: é a festa de Natal que já está preparada, a lareira acesa, as suculentas, atraentes e substanciosas delícias da culinária alemã postas no forno, os presentes junto à esplendorosa árvore montada na sala principal, enfim, tudo pronto para as santas alegrias que se seguem à jubilosa celebração litúrgica.

Esses vários aspectos constituem, dentro da inocência da neve, um quadro só, completado pelos sentimentos da canção natalina por excelência, o “Stille Nacht”.

“Stille Nacht! Heilige Nacht!Alles schläft, einsam wacht Nur das traute hoch heilige Paar. Holder Knabe im lockigen Haar, Schlaf in himmlischer Ruh!”

Noite silenciosa, noite Santa! Tudo dorme. Solitário, está velando O nobre e altamente santo Casal. E o Menino de cabelos cacheados, Dorme em celestial tranqüilidade!

Composta no século XIX por um modesto professor austríaco, o mundo inteiro a adotou como a música do Natal. E desde então não se compreende um 25 de dezembro em que não se entoe, nos mais diversos países e nos mais diferentes idiomas, o “Stille Nacht” é o nosso “Noite Feliz”…

Por movimentos aos quais não é alheia a mão da Providência, o consenso popular soube compreender o significado mais profundo desta canção, e daí a indiscutível primazia dela sobre as demais melodias natalinas. Que significado?

No “Stille Nacht” existe em alto grau a ideia de que os Céus se abriram, e o Menino Jesus fez um percurso gigantesco para chegar até nós. Portanto, por trás da ideia da Encarnação, e como elemento necessário para se situar inteiramente a posição do homem em face do nascimento do Verbo, está a noção de um acontecimento fabuloso, desmedido, imenso, que se deu e se converteu em intimidade e amor. E, por causa disso, em ternura, o tempo inteiro maravilhada.

É a ternura diante das fragilidades de um Deus feito homem, diante das quais nós não temos nem sabemos o que dizer. De outro lado, porém, esse mesmo Deus é o Senhor do Universo, onipotente, eterno Juiz de toda a Criação. Portanto, num sublime paradoxo, é a ternura e a compaixão para quem é infinitamente mais do que nós, extremamente delicadas, envoltas num alto critério de sentimento para serem dignas de se apresentarem Àquele que de fato merece essa compaixão, mas que é Deus. Então é a piedade humana ao mesmo tempo admirativa e súplice, é o homem que tem pena fazendo um pedido ao Deus de quem tem pena… Outro paradoxo, outra grandiosa beleza!

Paradoxos e contrastes que despertam em nossas almas toda sorte de delicadeza de emoções. Ao lado da ternura e da compaixão, a reverência, a veneração, a submissão de todo o nosso ser ao Divino recém-nascido, e um deixar-se levar a subidas cogitações às quais esse acontecimento entre todos bendito nos convida. Além disso, a noção recolhida, humilde e enlevada do sublime, e um imenso agradecimento de quem recebe uma misericórdia sem limites, por nos sentirmos visitados e impregnados por todas as graças que Ele trouxe ao mundo, para a nossa salvação.

A todas essas boas disposições nos inclina a melodia do “Stille Nacht”, cujas notas e inflexões têm isso de próprio, que fazem um comentário do sentido da palavra cantada. Então, nos tons mais baixos, é a ternura vigilante que se debruça sobre a manjedoura, velando para que nada toque no Menino, que nada O moleste. Ele está chorando, mas a Mãe o consola… E com que incomparável desvelo!

Em outros momentos, porém, nas notas mais agudas, novamente ressalta a ideia de que este Menino de cabelos cacheados, é Deus. O Menino dorme. E a sua tranqüilidade, assim como Ele, não é da terra. É do Céu…

Plinio Corrêa de Oliveira

Diante do Presépio

“Deus, ei-Lo exorável e ao nosso alcance, feito homem como nós, tendo junto de Si a Mãe perfeita, Mãe d’Ele mas também nossa, …e São José, o varão sublime, que reúne em si a maravilhosa antítese das mais diferentes qualidades.

Ao contemplá-Los, nossas almas crispadas se distendem. Nossos egoísmos se desarmam.

A paz penetra em nós e em torno de nós…”

Plinio Corrêa de Oliveira

Como seria a música de Natal perfeita?

Esse assunto, sobre o qual me perguntam, é uma matéria abundante, com o inconveniente de que versa sobre um tema do qual não entendo muito, que é a música. Mas enfim, de algo eu posso tratar.

Um canto que considerasse a vida de Nosso Senhor

Primeiro, a respeito do que seria a música de Natal perfeita. Há uma porção de hipóteses que se entrecruzam nisso, e depois uma série de feitios de espírito que se colocam diante disso. Por exemplo: a mim pessoalmente me agradaria uma música de Natal que considerasse o mistério do Menino Jesus que se encarnou, e apareceu entre nós… O que todos sabem. E que se relacionaria, entretanto, com o futuro do Menino Jesus; de maneira que dissesse alguma coisa a respeito dos trinta e três anos de vida de Nosso Senhor. Porque o nascimento, por mais sublime que seja, é apenas o começo. E quem considera o começo de uma estrada, volta os olhos para a extensão da estrada que se desenrola a partir daquele início.

E, portanto, eu gostaria de uma música de Natal que, em determinado momento, desenvolvesse algo — um pouco que fosse — sobre os trinta anos de vida oculta, contemplativa, d’Ele com Nossa Senhora. Depois a dor da despedida, a vida pública, a Paixão, a Morte, a Ressurreição e a glória no Céu! Terminando, por exemplo, com este pensamento: “Se os anjos cantaram ‘glória a Deus no mais alto dos Céus e paz na Terra aos homens de boa vontade’, o Homem de boa vontade por excelência foi Ele, o Homem-Deus!” Ninguém teve a boa vontade que Ele teve, em nenhum sentido, nem de longe, nem comparado com nada. E então a glória d’Ele também é superior a de qualquer outro. Quando cantaram “glória a Deus no mais alto dos Céus”, os anjos louvaram a Jesus enquanto Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. E quando entoaram “paz na Terra aos homens de boa vontade”, glorificaram a Ele enquanto trazendo para a Terra a possibilidade da verdadeira ordem; e, com essa verdadeira ordem, a verdadeira paz.

Depois, a luta d’Ele em sua vida pública e a Ascensão ao Céu, porque Ele era o Homem de boa vontade por excelência, que realizou tudo o que tinha de realizar e recebeu uma glória incomparável no Céu. Essa seria uma ideia que muito me compraz.

Mas especialmente me agradaria focalizar o caráter militante da Igreja. Seria, portanto, uma música muito mais longa do que simplesmente o “Stille Nacht”, quase um canto épico. E não seria dirigida somente para as crianças. O Natal é, a titulo especial, uma festa de criança, mas ela é uma festa para todo mundo. Nosso Senhor chegou até a idade madura, trinta e três anos. E, portanto, o normal é que essa festa seja para todas as idades.

Canções para diversos estados de alma

Eu também imaginaria de bom grado canções de Natal para diversos estados de alma. Para a alma inocente, mas que se sente imersa neste mundo e dentro da luta para manter a virtude, que tem receio de ver a sua inocência comprometida, agradece a Deus a inocência que tem e pede que essa inocência seja de aço e que dure até o fim.

Depois, o cântico de Natal da alma penitente. Há duas espécies de penitentes.

O penitente arrependido, humilde, de cabeça baixa, que se acerca da manjedoura e canta a São José e a Nossa Senhora. A São José, pedindo que ele obtenha da Santíssima Virgem um olhar de compaixão. Nossa Senhora atende ao pedido, e o recebe ultra maternalmente. Ele então pede a mediação d’Ela para chegar até o Menino Jesus.

Ele se sente indigno de entrar na gruta, e canta do lado de fora, dizendo:
“Até o boi e o burro, com seus bafos, são dignos de ficar aí dentro, porque estão na ordem de Deus. Mas eu sou um pecador, que rompeu em determinado momento essa ordem; e não sou digno de me aproximar. Aonde os animais entram, eu não entro! Mas se Vós, minha Mãe, me cobrirdes com o vosso manto, eu ouso tudo!”

Ela o cobre, e ele, sob o manto da Santíssima Virgem, recita um “Confiteor”. E recebe do Menino Jesus um gesto, que pode ser interpretado como o gesto instintivo de uma criança, mas tem o sentido de um perdão. E ele se retira agradecido.

Depois podia haver a canção de Natal do pecador atolado no pecado, que gostaria de sair do pecado, mas que não quer querer. Mas ao menos chega ali e, de fora, canta pedindo a Nossa Senhora que lhe mande um mensageiro, que leve a Ela uma súplica dele. Aproxima-se um passarinho, e o pecador põe uma mensagem em seu bico.

A súplica é entregue, e nesta ele diz que não é como o pecador anterior, que rompeu com a Lei de Deus, mas depois rompeu com o pecado; e, quando entrou na gruta já estava reconciliado com o Criador. Mas ele não é nem o pecador arrependido, nem o boi, nem o burro: é a serpente. Ele está em pecado mortal! E, carregado de pecados, tem tristeza e ao mesmo tempo, esperança! E pede a Nossa Senhora, de longe, que Ela remova as montanhas internas do pecado na sua alma, e faça dele um homem que afinal se arrependa e se entregue a uma vida de penitência.

Ele é o primeiro dos visitantes para quem o Menino Jesus, quando o pecador se aproxima da Santíssima Virgem, sorri e abre os braços. O pecador pede perdão e, contrito e perdoado, sai da gruta de Belém.

Seria algo muito adequado para os vários estados de alma, que daria ânimo aos mais miseráveis como aos mais fortes.

Poderíamos imaginar também o Natal do guerreiro, do combatente. O Natal do cruzado aos pés do muro de Jerusalém. O Natal do cruzado do século XX.

Isso é uma ideia apenas esboçada, porque nunca aprofundei esse pensamento. Essa seria uma canção de Natal, a meu ver, perfeita.

O ”aroma” da graça de Natal na São Paulinho

A tudo isso eu acrescento uma coisa que me parece decisiva, como elemento dentro do assunto. Os Natais de outrora tinham uma sacralidade muito maior que dos dias atuais. No meu tempo de moço, dois, três dias que precediam o Natal, já um certo aroma, uma certa atmosfera natalina começava a envolver a São Paulinho. E alguns homens importantes tomavam na rua um ar de quem não percebia isso, e que estavam preocupados com outras coisas. Mas tinham o cuidado de não contundir, porque seria fazer saltar uma bomba!

E o centro velho de São Paulo, formado pelas Ruas Libero Badaró, XV de Novembro e Direita, depois aquele conjunto de ruas em torno e dentro desse triângulo, era assim: apareciam mais as casas que vendiam brinquedos e tinham na vitrine um presépio. Possuíam também — como se dizia naquele tempo — gramofones, que tocavam músicas de Natal. Andava-se a pé, por exemplo, na Rua Direita, e de ponta a ponta ouviam-se músicas de Natal, em estágios diferentes de andamento.

Mas quando chegava a noite de Natal, e as famílias todas — numa hora em que costumavam estar dormindo — começavam a ir em grupos para a igreja, devagarzinho e na paz, as ruas ficavam vazias de qualquer gente que não fosse caminhando para o templo. E de dentro da igreja saía uma luz forte, que iluminava a rua cada vez que se abria a porta; começam a cantar etc. E depois batia o sino e iniciava a Missa, com o cântico de Natal…

Tinha-se a sensação de uma graça que vinha de uma altura incomensurável, e era de uma qualidade tal que enchia a pessoa de duas disposições de espírito, as quais parecem incompatíveis, mas convivem maravilhosamente: a noção recolhida, humilde e enlevada do sublime; e de outro lado a doçura de quem recebe uma misericórdia sem limites.

Devo dizer que a “organizadora” das nossas festas de Natal era Dona Lucilia. Mas somente muito tempo depois dessas festas natalinas, dei-me conta de que eu gostava dessas comemorações porque o espírito dela as animava. Eu talvez de nada da minha infância tenha tantas saudades quanto desse “aroma” da graça de Natal.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 5/1/1989)

A Igreja Católica vivendo na alma dos povos

Como o Sol quando atravessa vidros de cores variadas, assim é a ação da Igreja na alma dos povos produzindo acordes diferentes para cantar o Natal. Através dos cânticos natalinos de cada nação compreendemos como a Igreja Católica é riquíssima, inesgotável em frutos de santidade e de perfeição. Não terá, ela mesma, sua própria canção de Natal?

 

Vamos fazer o comentário a algumas músicas natalinas de diferentes nações e considerar nelas o modo de cada povo cantar o Natal.

Povo da bravura e da proeza, mas dotado de delicadeza de alma

Comecemos pelos alemães, conhecidos no mundo inteiro principalmente como sendo um povo filosófico e militar. Enquanto militar, o povo da bravura, da proeza e, em certo sentido, da cavalaria, das Cruzadas. Entretanto, dotados de tal delicadeza de alma para a canção de Natal, que compuseram o cântico natalino universal: o “Stille Nacht”, no qual eles imaginaram e interpretaram o sentimento de ternura que deveria despertar em alguém que visse no presepe uma Criança fraquinha, com todas as debilidades físicas da infância, chorando, com frio, mas sendo o próprio Deus. Destinado, porém, a sofrer tanto! Quando abre seus braços para as pessoas, já forma uma cruz que faz pensar na dor insondável pela qual Ele vai passar, e convida a considerar todo o amor que O levou a padecer isso por nós, para nosso bem e nossa salvação, sem outra finalidade a não ser esta.

Tudo isso desperta a ternura no mais alto grau. E num paradoxo porque se trata da ternura para com Quem é infinitamente mais do que nós. É um sentimento paradoxal, porém não contraditório. Deve ser, pois, uma compaixão altamente delicada, fruto de um elevado critério de sentimento para tornar-se digna de ser apresentada Àquele que, de fato, merece essa compaixão, mas que é Deus. A compaixão humana para o que há de mais delicado, entretanto ao mesmo tempo admirativa e súplice, pela qual quem tem pena faz um pedido Àquele de quem possui comiseração, é outro paradoxo de uma grande beleza.

Em qualquer canção natalina alemã encontramos esses sentimentos ligados magnificamente e formando o espírito do Natal alemão, o qual lucra em ser considerado não só como o Natal ocorrido na Terra Santa no dia em que Nosso Senhor nasceu, mas o Natal como o alemão o festeja. Quer dizer, imaginar a igrejazinha da paroquiazinha toda coberta de neve, com o relógio iluminado por dentro, indicando dez para a meia-noite; os aldeões caminhando com os tamancões, porque a neve está enchendo o caminho e ainda cai aos flocos; a igreja bem aquecidazinha dentro, todo mundo entra depressa para poder tirar seus capotões e se sentir mais à vontade. Ao longe estão as casinhas da aldeia, e vê-se a fumaça que sobe das chaminés… É a comemoração do Natal que já está preparada, a lareira acesa, as suculentas, deliciosas e substanciosas guloseimas da culinária alemã que já estão no forno para a festa de Natal que se segue à solenidade litúrgica.

Tudo isso constitui, dentro da inocência da neve, um quadro só que completa os sentimentos da canção natalina alemã.

A inflexão da voz comenta o sentido da palavra cantada

No “Stille Nacht” há um misto de submissão de espírito, reverência e compaixão, de um lado e, de outro, uma alta cogitação. Ao longo do cântico nota-se esta alternativa: quando a melodia desce é a ternura vigilante pousando sobre o berço; que nada toque no Menino, que nada O moleste. O Menino está chorando, mas a Mãe O consola… Então, aquele desvelo… Mas depois, em certo momento, a melodia se eleva e traz a ideia de que é Deus Quem está ali.

“Schlafe in himmlischer Ruh” quer dizer “durma em celestial tranquilidade”. O pensamento então é: o Menino está dormindo, mas a tranquilidade com que Ele dorme é celeste, pois esse Menino não é da Terra, mas do Céu. Daí a ênfase dada, pela melodia, à palavra “himmlischer”, que significa “celeste”. Assim, é característico dessa canção que a própria inflexão da voz faça um comentário do sentido da palavra cantada. Aqui há um conceito de música que, a meu ver, só é superado pelo gregoriano.

O Menino transforma os espinhos em rosas perfumadas

“Maria durch ein Dornwald ging, der hat in sieben Jahrn kein Laub getragen.

Was trug Maria unter ihrem Herzen? Ein kleines Kindlein ohne Schmerzen.

Da haben die Dornen Rosen getragen, als das Kindlein durch den Wald getragen”(1).

O pressuposto dessa outra música é Nossa Senhora com o Menino Jesus. A Virgem Santíssima extremamente moça e trazendo consigo o Menino. Evoca uma ideia de juventude, de delicadeza, de virginal fragilidade e de virginal força. Ela anda com o Menino, mas vê-se que está sozinha, porque a canção não se refere a mais ninguém, e traz bem protegido sob seu coração o Menino, numa floresta que há sete anos não produz senão espinhos.

Então, há uma espécie de contraste: Como aquela flor de delicadeza que é Maria Santíssima, com aquele Menino, o tesouro do Universo, podem estar sujeitos a uma trajetória através de tantos espinhos? Que coisa horrorosa! E se acontecer algo ao Menino do qual uma gota de Sangue, por si só, vale mais do que todo o Céu e toda a Terra?

Esse Menino Ela traz bem junto ao Coração e O protege. Prevalece a ideia de Nossa Senhora cuidando de seu Divino Filho e como que atemorizada pelos espinhos que O cercam. Estes fazem parte da natureza hostil, amaldiçoada, daquele lugar que há sete anos não produz nada. O Menino que em seu seio virginal repousa e parece estar fora do uso da razão é o Homem-Deus. De maneira que sabe tudo, pode tudo, dá a solução para tudo. Então, o perigo para Ele, representado pelos espinhos, o agreste e o hostil de quanto O envolve, Ele resolve: pelo seu poder transforma os espinhos em rosas que, com seu perfume, agradam a Mãe d’Ele. Assim, Nossa Senhora vai atravessando a floresta e, vendo os espinhos se transformarem em rosas perfumadas orientadas para Ela, compreende: foi uma amabilidade de seu Filho. Ele está dormindo… Entretanto, governa a natureza!

Todas essas ideias encontram-se nessa canção. O começo é um pouco jovial; depois vêm a ternura e o respeito. Tudo tratado com um tom de voz que é um pouco o de uma pessoa que conta uma história – isto é uma lenda, não aconteceu – para um menino ouvir. Por onde a ternura é um pouco para o Menino Jesus e um pouco para a criança que está ouvindo, a quem se conta uma coisa delicada e ela fica contente. Isso explica os mil tons e entretons da canção.

Entretanto, lembrem-se de que é o povo dos grandes exércitos, das grandes invasões, das grandes batalhas; do qual, na sua fase imperial última, faziam parte os couraceiros com capacetes encimados por águias. É esse povo que na hora da ternura sabe cantar assim. Isso desbarata uma espécie de preconceito pacifista e sentimental segundo o qual quem guerreia não tem sentimento e, talvez pior ainda, quem possui sentimento não deve combater. Não é verdade. O equilíbrio magnífico dessas coisas se encontra na alma alemã quando é retamente católica.

O espanhol se oferece a si próprio e a sua alegria em ação de graças a Deus

Consideremos agora a canção natalina popular espanhola.

Para entendermos bem esse estilo de música devemos levar em conta que, assim como o povo alemão, também o espanhol é feito para o heroísmo. Contudo, são tipos de heroísmo muito diferentes.

O alemão é feito para avançar em conjuntos de grande quantidade. O espanhol é individualista ao último ponto e concebe a coragem como lance individual. Ele se joga na peleja sozinho, vai batalhando, se atraca, mata ou morre, mas é ele que se arrisca inteiro.

Entre as muitas coisas boas concedidas por Deus aos espanhóis está uma natureza pobre completada por um panorama montanhoso, do qual se tem a impressão de que um gigante qualquer, um quebra-montes, esteve passando por lá, quebrando as montanhas a murros e pontapés enquanto dançava e cantava uma jota ou uma saeta; uma paisagem trágica, sob um Sol que calcina, esturrica aquilo tudo.

Mas eles têm uma riqueza de vida e uma superabundância de coragem de viver, que lhes confere uma qualidade que deixa outros povos boquiabertos: são alegres na pobreza. Resolvidos a viver sem terem necessidade de molas, doces, confortos, ou tantos outros “tóxicos” para acharem a vida agradável. Eles lá vão, cantando de “banderilla” na mão, por cima do touro!

Tudo o que torna a vida bastante agradável para muitos povos, o espanhol não tem. Mas ele possui uma coisa que poucos encontram na opulência: a alegria de viver, de sentir a sua própria vida, de olhar para o Céu e pensar em Deus.

Em canções alemãs como a “Stille Nacht” há um misto de alegria e de tristeza: o Menino nasceu, alegria; mas Ele nasceu para ser vítima; tristeza.

Já a canção natalina espanhola manifesta mais a alegria do espanhol a propósito do Natal, do que canta o Menino Jesus. Mas oferece a Ele a sua alegria de ser espanhol, como quem diz: “Senhor, Vós me deixais muito alegre e cheio da coragem que Vós me destes! Homenagem a Vós, Senhor!”

Ninguém ousaria afirmar não ser um modo muito digno de cantar o Natal. Porque o espanhol se oferece a si próprio e a sua alegria em ação de graças a Deus. É a ação de graças mais preciosa. E é assim que devemos interpretar muitos dos cânticos natalinos espanhóis.

O inglês gosta da proporcionalidade

Tratemos agora de um aspecto da canção natalina inglesa.

O inglês e o espanhol são dois povos tão diferentes, mas há uma analogia no modo de cantar e apresentar a música de Natal. O espanhol, embora pronto para a morte e tendo feito um pacto com ela, é, entretanto, otimista. Enquanto ele não morre, está achando que vai vencer e se alegra com isso. Se vem a morte, ele se mete dentro dela de “banderilla” em punho! Chegou a hora da morte, lá vai! Não tem medo.

O inglês canta também a alegria de viver, à sua maneira. Porém, seu estilo não é saltitante e não procura exprimir-se através dos superlativos como o espanhol, mas se exprime por meio de uma canção cuja principal preocupação é ser equilibrada. Enquanto o espanhol exclama e vai ao extremo, o inglês mantém a proporção, quase como quem diz: “O tema é extremo, mas eu não saio da proporção devida, porque gosto da coisa nas proporções adequadas. E faço da proporcionalidade o meu encanto predileto.”

E ele oferece ao Menino Jesus a sua anglicidade, o seu modo de ser e os seus problemas. É um povo de gentis-homens. Por isso, há uma canção que se dirige ao “gentleman” exortando-o a não estar triste nem aborrecido porque o Menino Jesus o ajuda.

No início, essa canção tem um tom delicado e ligeiramente infantil, quase como se fosse um menino falando a outro. Toda a inocência infantil está posta ali. Depois desabrocha o homem, e vem o “gentleman” com seus problemas, inclusive o pecado. O “gentleman” luta contra o pecado, e às vezes é derrotado. Mas vem já a promessa de misericórdia: “Se você cair, não desanime; o Menino o tira das garras de satanás.”

Faz lembrar os espinhos que se transformam em rosas, ao olhar de Nossa Senhora. Eis um comentário da canção inglesa de Natal.

O cântico da Igreja

Assim compreendemos como a Igreja Católica, vivendo na alma de povos diversos, produz acordes diferentes. Porque ela é riquíssima, inesgotável em frutos de santidade e de perfeição. É como o Sol quando atravessa vidros de cores variadas: ao passar por um vermelho, acende um rubi; ao transpor um pedaço verde, faz fulgurar uma esmeralda. No fundo, é o Sol. Durante a noite aquele vitral não quer dizer nada.

O gênio da Igreja passando pelo alemão faz isso, pelo espanhol realiza aquilo, e assim por diante. No fundo, é a Igreja. É a Divina Providência Quem faz essas maravilhas. E nós devemos saber gostar disso, ficar alegres e louvar a Deus.

Ora, a Igreja não terá, ela mesma, sua própria canção de Natal? Será que as nossas pátrias terrenas são capazes de nos modelar de maneira a nascerem tão belas músicas natalinas, e não há um cântico de Natal modelado pela Pátria de nossas almas que é a Igreja? É uma pergunta válida.

Encontramos a resposta ao ouvir um canto gregoriano de Natal como, por exemplo, o “Puer natus”.

O interior da alma do varão católico deve ser sereno, cheio de significado e elevado como o interior de uma igreja! A vitalidade dele é inesgotável porque sobrenatural, e resulta de uma paz profunda, de uma vontade indomável de herói e, ao mesmo tempo, voltada completamente para as coisas do Céu.

Nas outras canções, são as almas católicas de cada nação que cantam, nas quais está presente a Igreja. No cântico da Igreja, é ela mesma quem canta. Aqui o Sol não passa por nenhum vitral, é direto. O vitral é muito bonito, mas o Sol é o Sol! Isso é feito para ser cantado por todos os povos. É a alma da Igreja universal em todas as latitudes, em todos os lugares, sempre serena, com uma alegria que sobe diretamente ao Céu, um recolhimento que exclui todas as coisas da Terra e, sem agitação nem folia, vai dizendo com toda naturalidade o que tem a dizer.

Serenidade e dignidade do gregoriano

Vejam a saudação angélica narrada no Evangelho: uma cena sublime! Um Anjo que desce para junto de uma Virgem e Lhe comunica que Ela vai ser a Mãe de Deus, e que conceberá do Divino Espírito Santo. Como isto é anunciado? O Anjo entrou onde Ela estava e disse: “Ave, cheia de graça!” E transmite a mensagem. Não tem literatura, não tem enfeite, não tem florido nem nada.

O Evangelho conta que Ela ficou perturbada e pensava qual o significado dessa saudação. Tendo recebido a explicação, Ela dá a resposta mais simples do mundo: “Eis a escrava do Senhor, faça-se em Mim segundo a tua palavra.”

Imaginem um ator lírico pondo isso numa peça de teatro. A atriz se levantaria, dançaria a dança da alegria, depois iria se ornar e perfumar para responder ao anjo… Aqui não. “Ecce ancila Domini, fiat mihi secundum verbum tuum”. Serena, tranquila, mas dizendo tudo admiravelmente!

Nosso Senhor na Paixão. Situação trágica. Ele, na previsão do que vai acontecer, começa a tremer e a chorar. E diz: “Meu Pai, se for possível afaste de Mim esse cálice”. A frase mais simples que pode haver. “Se não for, faça-se a vossa vontade e não a minha”.

Resposta? Baixa do céu um Anjo e traz a Ele o cálice de uma bebida que Lhe dá aquela força que O leva até o alto do Calvário. Tudo simples, sereno, mas com significado, com suco. É o que eu disse do interior de uma igreja. Cada palavra dessas tem no seu interior uma catedral!

Em função disso compreendemos a serenidade, a tranquilidade dessa música, sua dignidade e seu caráter profundamente religioso. É a voz da Igreja cantando, sob o sopro do Espírito Santo, o dom que Deus fez à Santíssima Virgem.

É o que torna, a meu ver, o canto gregoriano superior a toda outra forma de música. Não tem comparação.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 3/1/1989)

 

 

1) Cântico para Tempo do Advento: Maria andava por um roseiral que por sete anos não florescia. / O que levava Maria sob seu Coração? Uma pequenina Criança, sem dores. / Então, dos espinhos brotaram rosas, quando o Menino passava pela floresta.

 

O Menino-Deus e sua Mãe

Quais seriam os pensamentos do Menino Jesus recém-nascido, reclinado no presépio?

Evidentemente, Ele pensava nos esplendores da Santíssima Trindade, dos quais a Segunda Pessoa participa em estado de união hipostática com a sua Humanidade. E deveria cogitar também em Nossa Senhora, a obra-prima de toda a criação, sua Mãe, a qual Ele tanto amava e se extasiava em considerar e acariciar.

Naturalmente, o Divino Infante se deleitava em ver a Santíssima Virgem conhecendo-O sensivelmente e adorando-O. Ela guardava em seu Coração todas essas coisas e as meditava, procurando pelos traços fisionômicos d’Ele fazer a ligação de tudo quanto sabia por sabedoria, interpretação da Escritura e revelação a respeito do Redentor.

E o Menino Jesus recebia essa adoração com verdadeiro encanto e prazer, ao mesmo tempo em que amava intensamente Nossa Senhora.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 23/12/1974)

A maravilhosa fragrância do Natal

A partir das revelações de uma célebre mística alemã sobre a noite de Natal, Dr. Plinio se compraz em evocar as magnificências, as delicadezas e os perfumes com que Deus Pai, por meio de incomparáveis manifestações de toda a natureza, ornou o nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, sob os olhares enlevados de Maria Santíssima e São José.

Nada mais oportuno, por ocasião do Natal, do que comentarmos algo a respeito do advento do Verbo Encarnado ao mundo, nascido da Imaculada Virgem Maria.

Vidente com grande lucidez

As considerações de hoje se baseiam nos escritos deixados pela vidente Ana Catarina Emmerich. Mística alemã do século XIX, ela foi favorecida por diversos êxtases e revelações, publicadas com o devido “imprimatur”.

Antes de analisarmos suas descrições, seria interessante salientar o aspecto profundamente racional que elas apresentam, e como Ana Catarina demonstra um tato extraordinário e um grande senso das coisas ao resolver problemas muito delicados que aparecem no curso de suas visões. Essa atitude fala em abono da lucidez da vidente e da veracidade de suas narrativas.

O Menino reclinado sobre flores e ervas finas

Descreve ela, então, o que se teria passado na noite de Natal. São José, tendo sido avisado por Nossa Senhora sobre o iminente nascimento do Menino, dedicou-se a preparar o presépio na gruta de Belém para receber o Filho de Deus. O modo como o fez é extremamente belo: estendeu uma camada de ervas finas e, acima destas, lindas flores que encontrou na pradaria próxima, cobrindo tudo com uma colcha modesta trazida pela Virgem Santíssima.

Parece-me de rara graciosidade essa ideia de que o Menino Jesus poderia dormir sua primeira noite sobre flores — quiçá alguns lírios do campo que Salomão, em toda a sua glória, não conseguiu imitar — e, coisa ainda mais esplêndida aos olhos de Deus, envolto numa colcha tecida por Nossa Senhora.

Segundo a vidente, mais ou menos uma hora antes do nascimento, após outro aviso de Maria Santíssima, São José acendeu várias lâmpadas que tinha levado para essa ocasião e as suspendeu em traves de madeira que haviam num e noutro lado da gruta. Eram os primeiros fogos que brilhavam em louvor do Menino Jesus.

Magnífica e intensíssima luz dourada

Chega então o momento ápice do nascimento do Homem-Deus. Nas visões de Ana Catarina Emmerich, como este se passou?

É dogma de fé que Nossa Senhora foi virgem antes, durante e depois do parto. Portanto, seria mister apresentar esse nascimento virginal cercado de imenso mistério. E ela narra o seguinte: São José, embora pai jurídico (e não natural) daquele menino, não devia presenciar aquele instante glorioso, pois era algo a ser visto apenas por Deus e Nossa Senhora. Então — delicadezas da Providência! — um carneirinho se aproximou da gruta e começou a balir, fazendo um barulho que poderia importunar Nossa Senhora naquele momento. Repassado de solicitude para com a divina Mãe, São José saiu e foi atrás do pequeno animal para sossegá-lo e afastá-lo dali.

Ora, ao retornar à gruta, a parte que ele havia acomodado para dormitório de Nossa Senhora, separada por paupérrimas esteiras, encontrava-se imersa em magnífica e intensíssima luz dourada. São José percebeu que Maria estava de joelhos, as mãos cruzadas sobre o peito, e voltada para o Oriente, em altíssima meditação. O patriarca entendeu que não devia avançar mais. A luz dourada o afastou desta cena, única, cujo real conteúdo só terá sido presenciado por Deus e os anjos.

Um Menino belo como o relâmpago

São José retirou-se para outro canto da gruta e ali se pôs em oração. Narra Ana Catarina Emmerich que uma luz muito brilhante começou a espargir de Nossa Senhora e a envolver todo o ambiente. À medida que esse fulgor ganhava intensidade, a Virgem Maria ia se elevando do solo, e já se achava a boa distância deste quando São José finalmente deixou seu lugar para ver o que se passava. Nossa Senhora, então num êxtase maravilhoso, comunicou-lhe: o Menino nasceu!

São José volta seus olhos para o chão e vê o Menino Jesus, uma criança — no dizer de Ana Catarina — bela como o relâmpago, isto é, mais luminosa e esplêndida que a própria luz que clareava a gruta naquele momento. Era o “lumen Christi”, perto do qual se eclipsam todas as outras luzes.

Em seguida, dá-se esta cena: Nossa Senhora sai do êxtase, desce de novo para o chão e permanece uma hora inteira contemplando o Menino que tinha nascido sobre um pano estendido por Ela. Portanto, o Homem-Deus havia nascido na maior penúria material possível. Passado esse período de adoração, Maria Santíssima se levanta, toma o Menino belo como o relâmpago e o coloca nos braços de São José. Imagine quem possa a felicidade do esposo virginal de Nossa Senhora ao sentir aquele frágil corpo do Deus humanado! Ele também adora o Filho do Altíssimo reclinado nesse primeiro presépio que foram seus próprios braços. Em seguida, O deposita na manjedoura, ao lado da qual se ajoelham a Virgem e ele, permanecendo os dois em oração, num silêncio angélico e celestial.

Primeira adoração noturna da História…

Entretanto, todo o ambiente, até as próprias pedras da gruta, fremia de esplendor e de alegria, notando-se um como que regozijo, inclusive nos seres inanimados, porque o Menino Jesus tinha nascido. Na verdade, esse gáudio da gruta era o de toda a natureza, transformada por aquele acontecimento indescritível. As flores desabrochavam e exalavam perfumes magníficos; os aromas das folhagens eram estupendos, e uma luz cada vez mais intensa começou a brilhar sobre a gruta, e foi este fulgor que chamou a atenção dos pastores acampados nas redondezas.

Vemos, por essas descrições, o tato com que Ana Catarina apresenta o nascimento do Menino Deus, com seus delicados aspectos, a conduta de São José, a atitude de Nossa Senhora, o parto misterioso, enfim, tudo perfeito, como poderia ter acontecido.

Narra ainda a vidente que, após algum tempo, estando o Menino na manjedoura, São José se preocupa com Nossa Senhora, e embora Esta não demonstrasse cansaço algum, ele leva para junto do presépio uma cadeira e o leito da Santíssima Virgem, caso Ela quisesse repousar. Os dois continuaram recolhidos em elevada prece, e assim começava a primeira adoração noturna da História. Se pensarmos no Menino belo como um relâmpago e na Mãe formosa como a lua, compreenderemos um pouco mais da maravilhosa fragrância do Natal.

Inusitada alegria sentida em toda a Terra

Como acima notamos, Ana Catarina diz que a luz brilhando sobre a gruta serviu de aviso aos pastores de Belém, os quais tomavam assim conhecimento do nascimento de Jesus. Ela descreve esse aspecto do Natal de um modo muito edificante, atraente e piedoso, próprio a incutir devoção e fervor às nossas almas. Ao lê-la, entendemos que seria lógico e razoável que as coisas tivessem se passado assim. Palavras dela:

Vi em muitos lugares, até nos mais distantes, uma inusitada alegria, um extraordinário movimento nessa noite. Vi o coração de muitos homens de boa vontade reanimados por uma ânsia repassada de felicidade; e em troca, os corações dos perversos, roídos de temores.

Essa descrição nos faz pensar nos dias melhores que a Providência reserva para a Cristandade, quando Nossa Senhora exercer de fato sua realeza sobre o mundo, e então tudo quanto é bom, nobre e belo florescerá na humanidade: os homens desejarão o bem com alegria, o sacrifício, a dedicação e a renúncia no entusiasmo de sua alma.

A natureza festeja o Nascimento do Salvador

Até nos animais eu vi manifestar-se a alegria nos seus movimentos, e como que brincarem.

Imaginemos uma magnífica noite do Oriente, a bela natureza banhada por um luar soberbo e envolta numa temperatura amena. Carneiros, cabritos e outros animais começam então a saltar e a brincar, pássaros esvoaçam e cantam, as flores deitam seu melhor perfume. É a festa da natureza pelo nascimento do Salvador.

Faço notar o quanto é razoável que isso se tenha dado. De fato, é de acordo com a ordem natural das coisas que, vindo ao mundo o Menino Jesus, ao qual está sujeita toda a natureza, esta se alegrasse com a presença de seu divino Benfeitor e externasse tal contentamento manifestando um colorido melhor, uma beleza maior, etc.

As flores levantavam suas corolas, as plantas e as árvores tomavam novo vigor e verdor, espargindo suas fragrâncias e perfumes. Eu vi brotar fontes de água da terra.

Esse brotar das fontes de água da terra parece-me altamente simbólico. O manancial que jorra, a vida que aflora no solo, representa as graças que se espalham sobre os homens. A água significa vida e vigor para a terra; a graça é fator vivificante para a alma humana.

O céu era de um vermelho escuro sobre Belém, enquanto se via um vapor tênue e brilhante sobre a gruta do presépio e no vale dos pastores.

Outra bela descrição. Já ouvimos falar de auroras róseas, conhecemos crepúsculos avermelhados, mas um céu noturno com esse tom de vermelho profundo deve ter tido um esplendor especial. E sobre a gruta, uma névoa iluminada, atraente, repleta de mistérios.

A torre dos pastores, símbolo da Igreja

A certa distância da gruta do presépio se encontrava o que chamavam a Torre dos Pastores: um grande conjunto de andaimes, feitos de madeira, tendo por base imensos blocos do próprio rochedo. Estava rodeada de árvores verdes e se alçava sobre uma colina isolada, no meio da planície. Cercada de escadas, tinha galerias e pequenas torres, todas cobertas de esteiras.

Ana Catarina explica que este era o ponto de observação para onde convergiam todos os pastores da região, e ali permaneciam durante a noite vigiando seus rebanhos.

Penso que essa torre dos pastores é um belo símbolo da Igreja Católica: os Bispos, com seus rebanhos, se achegando à única torre existente na Igreja, no sentido estrutural da palavra, que é a Cátedra de São Pedro. Do alto desta, o Pastor dos pastores deita seu olhar vigilante para defender o redil contra os lobos e ladrões.

Diz ainda a vidente que essa torre emergia do meio de árvores, no alto de uma colina inteiramente isolada. O resto era planície. Mais uma vez, algo que lembra o Papado, pois em confronto com este tudo é planície. Ele é a suprema autoridade, o mais augusto hierarca da Igreja e, como tal, o maior hierarca do universo, porque nenhum homem poderoso na ordem temporal pode se comparar com o Romano Pontífice.

Desde longe [a torre] produzia a impressão de um grande barco cheio de mastros e de velas. A partir dela desfrutava-se de esplêndida vista de toda a região, vendo-se até Jerusalém. As famílias dos pastores habitavam nesses lugares, num raio de duas léguas. Possuíam granjas isoladas, com jardins, e se reuniam junto da torre em cujos depósitos guardavam os utensílios de uso comum.

É interessante imaginarmos essas casas das famílias dos pastores esparramadas em volta da torre, com seus jardins e granjas. Sobre tudo isso cai a noite, tornando-se misteriosa, magnificamente purpúrea, e, ao longe, uma névoa branca, iluminada, que começa a nascer. Como terá sido o deslumbramento dos vigias diante desse espetáculo?

O anúncio dos anjos aos pastores

No nascimento de Jesus Cristo, vi três pastores muito impressionados com o aspecto daquela noite tão maravilhosa. Então, tomados de admiração, perceberam a luz extraordinária sobre a gruta do presépio. Subiram ao mirante, dirigindo sua vista até a gruta. E enquanto olhavam, desceu sobre eles uma nuvem luminosa, dentro da qual notei um movimento à medida que se acercava.

Entende-se que se trata do anúncio dos anjos, os quais não aparecem de repente, mas são precedidos de uma nuvem luminosa que prepara o coração dos pastores para a boa nova. Cada vez mais brilhante e bela à medida que se aproxima, essa nuvem eleva gradualmente o espírito daqueles homens simples, que vão se tomando de encanto e admiração com tudo o que viam.

Aos poucos, dentro da nuvem foram se delineando formas vagas, depois rostos e, finalmente, ouviram-se cânticos muito harmoniosos, alegres, cada vez mais claros. Apareceu um anjo que lhes disse: “Nasceu-vos hoje, na cidade de David, um Salvador, que é Cristo Senhor. Por sinal eu vos dou isso: encontrareis o Menino envolto em panos, deitado sobre um presépio”. Enquanto o anjo dizia essas palavras, o resplendor se fazia cada vez mais intenso ao redor dele. Vi cinco ou sete grandes figuras de anjos, muito belos e luminosos, que levavam nas mãos uma espécie de bandeirolas largas, onde se viam letras do tamanho de um palmo, e ouvi que louvavam a Deus cantando: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade”.

A bonita frase do Evangelho se reveste de uma cadência única, e nos exprime essa maravilhosa verdade: a paz desce do Céu aos corações de boa vontade, como fruto da glória que eles tributam a Deus nas alturas.

Acontecimento cercado de magnificências

Mais tarde tiveram a mesma aparição os pastores que estavam junto à torre; anjos também apareceram a outro grupo de pastores, perto de uma fonte, a leste da torre, a três léguas de Belém. Não vi que os pastores fossem em seguida à gruta do presépio, porque uns se encontravam a légua e meia de distância e outros, a três. Eu os vi consultando-se uns aos outros acerca do que levariam ao recém-nascido, e preparando os presentes com toda pressa. Chegaram à gruta do presépio ao raiar da alva.

Procuremos imaginar a invulgar beleza da aurora que se seguiu a uma noite tão magnífica. E como se reveste de particular atração a cena em que esses pastores, homens simples e de boa vontade para os quais era prometida a paz, no meio de todo o esplendor da natureza em festa, sob uma aurora magnífica, aproximando-se da gruta do presépio a fim de adorar o Salvador!

Percebemos, assim, de quantas magnificências foi cercado por Deus o Natal de seu Filho, dado ao mundo por Maria Santíssima, sob o paternal e maravilhado desvelo de São José.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências em 22 e 23/12/1975)

Nasceu-nos um Menino

“Puer natus est nobis, et filius datus est nobis: cujus imperium super humerum ejus: et vocabitur nomen ejus, magni consilii Angelus” — Nasceu-nos um Menino e um Filho nos foi dado; o império repousa sobre seus ombros e será chamado Anjo do Grande Conselho.

Sob o sopro do Espírito Santo, a Igreja canta o dom que Deus lhe fez. É a voz dela, o puro sol sem atravessar vitral algum. Música composta para ser entoada por todos os povos, de norte a sul, de leste a oeste da face da Terra. Em todas as latitudes e longitudes, eis a alma católica universal, serena, simples, repassada de significado e substância, exprimindo a alegria que se eleva diretamente  ao Céu, o recolhimento desprendido dos valores terrenos, o caráter profundamente religioso do nascimento de Cristo Jesus.

Plinio Corrêa de Oliveira

União de alma com o Divino Infante

Na noite de Natal o Menino Jesus possuía o pleno uso de sua inteligência. E já no seu pobre berço, sofria ao prever a incredulidade e a impiedade se espalhando em tantos lugares da terra. Mas, por outro lado, contemplou também todas as almas zelosas da glória e do serviço de Deus, vivendo e batalhando para o triunfo da virtude, sofrendo com os pecados e as ofensas que os homens cometem contra Ele, reparando-as com penitências e espírito de ascese.

Desse modo, a mente e o coração sagrados do divino Recém-nascido voltavam-se para os católicos fervorosos enquanto implorava ao Pai Eterno as forças necessárias para eles perseverarem no bom combate pelo bem.

Acerquemo-nos então do Presépio, e peçamos a Jesus, por meio de Nossa Senhora, de São José, dos Anjos, dos pastores e dos Reis Magos, que aceite nosso desejo de sermos conforme aos seus divinos desígnios. Ofereçamos-Lhe o nosso anelo de nos unirmos às cogitações, meditações e considerações proféticas que Ele fez na manjedoura, a fim de vivermos o Natal em uníssono com Ele.

Imploremos uma inteira união de alma com o Divino Infante, de maneira a que tudo quanto existe no coração d’Ele esteja no nosso, tudo quanto palpite no Imaculado Coração de Maria lateje também no nosso, e que o Natal celebrado por nós reflita exatamente o sentido de tudo quanto Jesus e Maria experimentaram naquela noite mil vezes bendita nas montanhas de Belém.

Plinio Corrêa de Oliveira