Na Anunciação, grandeza e humildade de Maria

Como já o temos afirmado, engana-se quem pensa que os temas preferidos de Dr. Plinio eram de natureza social e política. Seriam, então, os históricos e os culturais? Ou os puramente filosóficos? Nenhum desses. Conquanto seja verdade que navegava por todos eles com desembaraço, discernimento e sabedoria — disto é prova o rico leque de  matérias publicadas nesta revista — os temas com os quais especialmente se regalava eram de índole teológica: a infinitude das perfeições de Deus, as relações entre as três  Pessoas divinas, o Sagrado Coração de Jesus, a santidade da Igreja Católica, etc.

Em conferências que mais pareciam meditações em voz alta, tinha ele predileção em discorrer sobre a Mãe de Deus. Agradava-lhe imaginar, por exemplo, como teriam sido as trocas de olhares entre Jesus e Maria, na gruta de Belém, na casa de Nazaré, no Calvário, no primeiro encontro após a Ressurreição. Ou conjecturar sobre as cogitações que povoavam a alma de Nossa Senhora nas várias circunstâncias de sua vida.

E quais terão sido os pensamentos d’Ela na Anunciação? Sobre este tema, oferecemos nestas páginas ao leitor algumas considerações feitas por Dr. Plinio:

A Anunciação é a festa em que celebramos este fato culminante da história do mundo: Deus, através do Arcanjo São Gabriel, comunica a Nossa Senhora que a Segunda  Pessoa da Santíssima Trindade haveria de assumir nossa natureza, a fim de resgatar o gênero humano.

As circunstâncias em que se realizaram esses eternos desígnios do Altíssimo não poderiam ser mais singelas nem mais maravilhosas.

Em sua modesta casa de Nazaré, uma Virgem, há pouco desposada com um varão igualmente virgem, encontrava-se imersa em subidas contemplações. De modo muito piedoso e razoável, supõe-se que Maria, com base no Antigo Testamento, procurava meditar e imaginar como seria o Messias, de cuja mãe desejava ser a mais dedicada das  servas.

Pode-se conjecturar que, ao completar Ela no seu espírito a composição da figura do Salvador, apareceu-Lhe o Anjo dirigindo-Lhe as célebres palavras: “Ave, ó cheia de graça, o Senhor é contigo; bendita és Tu entre as mulheres”.

E Maria se perturbou, perguntando-se o que significava aquela saudação. Um Anjo tão eminente, tão extraordinário, aparecer a Ela, tão pequena! (a seus próprios olhos), e   chamá-La “cheia de graça”? Ela estava, então, repleta dos dons divinos? “Bendita sois Vós entre as mulheres”, quer dizer que, em meio a todas as filhas de Deus que houve, há e haverá até o fim dos tempos, Ela seria a bendita por excelência? Existiam tantas mulheres santas no Antigo Testamento, e quantas outras ainda viriam pela história afora, e justamente Ela era a escolhida? Na sua humildade, Maria ficou perplexa: “Como é isto? É um Anjo que está falando, mas não compreendo como suas palavras se podem aplicar a mim”.

O celeste mensageiro, por sua vez, responde de forma curiosa, pois assim começa: “Não temas, Maria”. O que indica que Ela manifestara um certo temor. Mas, concebida sem  pecado original, sem ter sombra da menor imperfeição, como poderia Nossa Senhora ter medo de São Gabriel e do que este Lhe dizia?

Na verdade, na presença de um Anjo, e sobretudo na de um Arcanjo, a criatura humana está colocada diante de um ser de tal densidade que este lhe causa não pequeno susto. Anjos houve que, aparecendo a homens, foram por estes tomados como o próprio Deus. E Nossa Senhora, na sua sensibilidade imaculada e perfeita, sentiu essa presença angélica de forma impressionante.

Além disso, recebendo aquela saudação inusitada, prenúncio dos altíssimos planos do Senhor para com Ela, pode-se bem conceber que em sua humildade tenha temido não   dar cabo da extraordinária missão que Lhe seria confiada.

Perplexidade e receio que só aumentaram, quando São Gabriel, a princípio tranquilizando-A, prosseguiu no seu anúncio: “Não temas, Maria, porque achaste graça diante de Deus. Eis que conceberás em teu seio, e darás à luz um Filho…”, etc.

Ela havia feito voto de virgindade perpétua e, segundo a tradição católica, entendera- se com São José para que ambos permanecessem fiéis aos seus propósitos de castidade  perfeita até o fim da vida. Entretanto, chega-Lhe agora da parte de Deus um aviso que contraria de frente seus mais entranhados anseios. Nova indagação: “Como se fará  isso?”

O Anjo Lhe explica ser a vontade de Deus que d’Ela nasça o Messias, concebido pela ação do próprio Espírito Santo no seu claustro imaculado. Tudo se esclarece. A serenidade e a paz reinam no coração da Santíssima Virgem, que pronuncia então esta frase admirável: “Ecce ancilla Domini; fiat mihi secundum verbum tuum” — “Eis a Escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a vossa palavra!”

Quer dizer, esse anúncio era uma palavra vinda de Deus, da qual Ela não podia duvidar. Assim sendo, estava inteiramente à disposição. E desse diálogo, cuja beleza e simplicidade nos deixam abismados, resultou a Encarnação do Verbo!

Mãe de Deus, Esposa do Espírito Santo

Com efeito, a maior parte dos intérpretes afirma que, às palavras “Eis aqui a Escrava do Senhor…”, nesse preciso momento, pela ação do Espírito Santo, Jesus foi concebido no seio puríssimo de Maria.

Quem pode imaginar a fisionomia esplendorosa d’Ela, nessa hora em que a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade se tornou seu Esposo, e Ela engendrou o Menino Jesus?!

A adoração que teve pelo Divino Filho, logo no primeiro instante em que, de seu sangue e carne virginais, Ele começou a ser formado? Maravilha tanto mais inimaginável  quanto Jesus, Homem-Deus perfeitíssimo, assim que passou a viver encarnado em Maria, conheceu-A e amou com uma insondável dileção. E os dois começaram a se querer num mútuo amor que durará por toda a eternidade.

Oh assombroso convívio de almas! Por outro lado, devemos considerar o relacionamento d’Ela com o Espírito Santo, seu Divino Esposo. Em geral, no ato dos desponsórios,  costuma o marido oferecer à sua consorte um presente tão rico e magnífico quanto esteja ao alcance de suas posses. Pensemos então no valor das prendas com que o Todo-Poderoso terá adornado a alma de sua fidelíssima Esposa! Que acúmulo de graças e de esplendores! Mais ainda. A partir do Mistério da Encarnação, Nossa Senhora passou a receber d’Ele orientações, diretrizes, atos de amor e consolações de uma sublimidade indizível, que tinham nexo com as relações entre Ela e Deus Pai, entre Ela e seu  adorável Filho. Assim se estabeleceu um convívio altíssimo, em que Maria era, a um título único e muito especial, a Filha do Pai Eterno, a Mãe do Verbo Encarnado e a    Esposa do Divino Espírito Santo.

Virgindade, humildade e grandeza

Analisado esse comércio de almas entre Nossa Senhora e a Santíssima Trindade, voltemos nossos olhos para as virtudes e predicados marianos que transparecem de modo  singular na Anunciação.

Em primeiro lugar, a pureza. Ela é a Virgem das virgens, e o foi antes, durante e depois do parto, não perdendo sua integridade um só instante. E todo o procedimento d’Ela  durante o fato da Encarnação revelou-se perfeitamente virginal.

De outro lado, consideremos a humildade de Nossa Senhora; como Ela se fez pequena em toda a medida, ao se ver abençoada pelo Altíssimo de uma forma tão extraordinária. Era Ela quem Deus havia destinado, desde todo o sempre, para ser sua Mãe, porque A julgou digna de semelhante missão. Ele preparou a alma e o corpo  d’Ela, para que em tudo fosse inteiramente proporcionada — tanto quanto o pode ser uma criatura humana — à honra da maternidade divina. Porém, Ela que era digna por  excelência, não fazia de si uma alta ideia, nem se deixava levar por conceitos enfatuados de sua própria pessoa. Não! Pelo contrário, ficou perturbada, pois julgava aqueles elogios feitos pelo Anjo inteiramente descabidos para Ela. Mas, bastou que São Gabriel Lhe convencesse de que tal anúncio vinha de Deus, para Nossa Senhora se submeter.

Assim, da humildade e da pureza conjugadas em Maria Santíssima, resultou sua aceitação dos desígnios do Pai Eterno a respeito de seu Divino Filho.

Terceiro predicado a se ressaltar: no momento em que concebeu o Verbo Encarnado, Ela inteira foi elevada a uma condição superior a todos os Anjos e a todos os Santos  reunidos. Ou seja, se somássemos toda a santidade que houve, há e haverá em todos os Anjos e Santos, desde o começo até o fim do mundo, e comparássemos esse resultado  com a perfeição de Nossa Senhora, Ela se mostraria incomparavelmente mais santa do que toda essa montanha de virtude que Deus foi suscitando na Igreja ao longo dos  séculos!

O que significa não podermos ter noção de qual foi e é a grandeza espiritual da Santíssima Virgem. Se Moisés, ao suplicar a Deus a graça de poder vê-Lo, ouviu esta resposta:  “Tu não me podes ver, porque, se me vires, morrerás”, somos levados a cogitar no que nos aconteceria, se nos fosse dada a suprema felicidade de contemplar nesta vida a face  de Nossa Senhora, com todo o seu esplendor e formosura. Quem sabe, não morrer íamos também…

Na Paixão de Jesus, outro “fiat mihi” Agora, a esse momento de submissão e grandeza de Maria, no início da existência terrena de Jesus, corresponde outro ato de suma  humildade d’Ela — não menos grandioso — quando seu Divino Filho estava prestes a expirar na Cruz. Ele viera ao mundo a fim de resgatar as criaturas humanas do pecado, obter- lhes o perdão do Pai, e abrir novamente as portas do Céu. Essa augusta missão do Filho de Deus estava presente no fundo de quadro das meditações de Nossa  Senhora, e Ela provavelmente compreendeu que a Anunciação do Anjo comportava tudo isto: as promessas, o futuro, a glória, mas também o preço da glória: a dor!

Assim, chegado o tempo da Paixão, Deus quis o consentimento da Santíssima Virgem para que o Filho d’Ela fosse imolado, e Ela mesma O oferecesse como vítima expiatória por nossas culpas. Se outros fossem os desejos de Nossa Senhora, Jesus não sofreria a morte, Deus o libertaria das mãos de seus inimigos, e sua vida teria um rumo diverso.

Contudo, a humanidade não seria resgatada. Por isso Nossa Senhora consentiu no holocausto do Divino Redentor. Ela O contemplava estertorando na Cruz, Ela o ouvia exalar esse brado lancinante: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?”, e aceitava que tudo isso acontecesse, para o gênero humano ser redimido e as almas poderem entrar na bem-aventurança eterna.

Como era desígnio de Deus que Ela quisesse, Ela quis! E foi este o seu outro “ecce ancilla Domini, fiat mihi secundum verbum tuum”, de extrema e verdadeira beleza.

Imitemos Nossa Senhora da Anunciação

Para encerrar, recolhamos um fruto concreto dessas reflexões. Encarnando-se no seio de Maria Santíssima, no momento da Anunciação, Jesus se deu a Ela com um tal amanhecer de alma, com um espírito tão cheio de louçania, que não se tem palavras para descrever a felicidade que nesse dia inundou a pessoa de Nossa Senhora.

As promessas eram superlativas! Nada menos que o resgate do gênero humano. Entretanto, o próprio fato da Redenção, com os sacrifícios indizíveis que comportaria para  Mãe e Filho, indica bem como caminham as promessas de Deus: passam pelas esperanças mais alegres e pelos desmentidos aparentes mais terríveis. E a alma tem de ir se  habituando às promessas, às alegrias e aos pretensos desmentidos, como o fez Nossa Senhora. Ela disse “sim” a tudo, e dessa inteira submissão Lhe adveio toda a sua gloriosa  dignidade.

Pois a verdadeira glória consiste, antes de qualquer coisa, em aceitar e fazer sempre a vontade de Deus.

Eis a conseqüência que para nós devemos tirar: nos momentos de alegria e, sobretudo, nos de dor e provação, saibamos imitar Nossa Senhora, dizendo “sim” aos desígnios de  Deus a nosso respeito.

À maneira de uma gota de orvalho em que se reflete o sol, saibamos espelhar em nós as virtudes de Nossa Senhora da Anunciação, isto é, sejamos humildes, pequenos, mas  fortes, puros e confiantes. Que do entusiasmo de nossa pureza, de nossa força e de nossa confiança partam contínuos atos de amor e glorificação a Nosso Senhor Jesus Cristo, a Maria e à Santa Igreja Católica Apostólica Romana!

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Maria Santíssima: divina escultora de seu próprio Filho

As faces revelam a alma, mas em certa medida a velam também. Ora, se é tão agradável um homem discernir a alma de outro e ambos se entenderem, não pode haver nada de mais deleitável do que conhecer um espírito angélico que se comunica com toda a sua pureza, majestade e força, como São Gabriel. Que dizer então do contato de alma a alma entre Nossa Senhora e seu Divino Filho, no claustro d’Ela? “Hic taceat omnis lingua”…

 

Há um fato natural de observação corrente, sobre o qual a atenção dos homens materialistas de nossos dias se torna cada vez menos aberta, que é o seguinte:

Jogo de fisionomia, timbre de voz, olhar

Uma pessoa pode ter uma presença, um timbre de voz, um jogo de fisionomia muito agradáveis, dizer coisas muito interessantes, expressivas. Esses são dons que a Providência pode dar a alguém, e dos quais ele pode servir-se tanto para fazer um grande bem quanto para realizar um grande mal.

Entretanto, há um outro dom mais interessante e que não se confunde propriamente com esses. Uma pessoa pode ter um timbre de voz muito agradável, mas conversando-se com ela não se sente sua alma. O timbre de voz não é necessariamente, mas pode ser uma espécie de ressonância do que seja a alma de alguém. Isso especialmente se nota nos cantores. Há cantores que têm o timbre de voz muito agradável. Cantam com muita correção de acordo com a partitura, mas não se sente a sua alma no que ele canta e o resultado é que o público, do ponto de vista meramente sonoro, tem uma impressão agradável, mas não vibra com o cantor. Ele não comunicou sua alma.

A mesma coisa pode ocorrer com um orador. Ele pode ter um timbre de voz esplêndido, mas se é desses homens cuja alma mora num fundo pantanoso e longínquo da sua personalidade, ouvindo-o tem-se a impressão de estar escutando um recado do qual ele mesmo está desinteressado, e não há contato, comércio humano verdadeiro.

Não há coisa que fale mais sobre a alma de um homem do que o olhar. Alguém pode ter lindos olhos, mas isto não significa que possua um lindo olhar. Uma pessoa pode ter olhos feios, mas um lindo olhar; trata-se de uma forma de olhar através da qual uma beleza de alma se comunica. E uma outra pessoa pode ter olhos muito bonitos, mas a alma está longe daquilo. Então, do ponto de vista da pura luminosidade do olhar, do desenho, da cor, aquilo pode ser bonito, mas não tem a verdadeira beleza de uma comunicação de alma.

Comunicação de alma, um dos mais preciosos dons que uma pessoa possa ter

Há, pelo contrário, pessoas que não possuem nenhum dos dons enumerados acima, mas as suas almas de algum modo se comunicam. E o que elas dizem tem verve, graça, interesse; o furor delas faz estremecer, sua simpatia cativa.

A comunicação de alma é um dos dons mais preciosos que uma pessoa possa ter. Uma das coisas de que se deve lamentar é ser desse tipo de gente inteiramente glacial e sem expressão. Assim, o maior atrativo no contato com uma pessoa é o de ver a sua alma, ter um contato de alma a alma onde sintamos que exprimimos o que temos no fundo e fomos entendidos.

Por essa razão o contato entre os puros espíritos deve ser muito mais interessante do que de homem a homem, porque as nossas faces revelam a alma, é verdade, mas em certa medida velam também. E há insipidezes e coisas desse gênero que não só nos impedem de exprimir o que queremos, mas às vezes exprimem o contrário do que desejaríamos.

Saint-Simon(1), por exemplo, fala de um personagem – não me lembro quem – dotado de uma fisionomia comum, até agradável de se olhar, mas que possuía um cacoete por onde, de vez em quando, formava uma cara horrorosa e depois voltava ao natural. Segundo conta Saint-Simon, esse homem não era inteiramente autêntico nem quando estava com o semblante normal, nem com a face horrorosa, mas ele era um terceiro em relação aos tiques nervosos de seu rosto que, em sua normalidade, era exageradamente plácido e, sob a ação do cacoete, excessivamente dramático e agressivo, sendo que o personagem se mantinha por detrás, provavelmente como um terceiro em relação ao que se passava.

Então, o rosto vela e revela a personalidade. Por causa disso só conhecemos a alma do outro de esguelha, não diretamente. O interessante seria a comunicação entre almas que se conhecessem sem a necessidade dos sentidos do corpo, e entrassem em harmonia, em mútua compreensão, em simpatia. Se um pouco que percebamos da alma de alguém por meio dos sentidos já nos parece tão interessante, imaginem entre puros espíritos como seria!

Ora, se é tão agradável um homem discernir assim a alma de outro e ambos se entenderem, não pode haver nada de mais deleitável do que conhecer um espírito angélico que se comunica com toda a sua pureza, limpidez, grandeza, majestade e força. Um Anjo é uma obra-prima de Deus, e se a pessoa está em condições de apreciar esse espírito celeste, ela tem um gáudio santificante e intenso ao contemplá-lo. Toda obra-prima apresenta-se objetivamente, mas a aprecia quem é capaz, ou seja, ela entrega mais de si mesma a quem tem maior capacidade de analisá-la.

Saudação cheia de charme, nobreza, elegância, distinção e majestade

Isto posto, podemos imaginar o mais perfeito dos quadros que seja concebível, analisado pela mais perfeita das criaturas que conhecesse a natureza humana como todos os homens somados não conheceram, e nem conhecerão até o fim do mundo. Com capacidade, portanto, de apreciar um espírito que se comunique de um modo como ninguém faz.

Imaginem que diante dessa criatura, Nossa Senhora, se ponha não o quadro de um Anjo, mas o Arcanjo São Gabriel. Que encontro! O Arcanjo São Gabriel, aquele que leva as mais altas, mais esplêndidas, as melhores mensagens de Deus, que tem, portanto, o dom de comunicar de modo esplêndido o que o Criador quer dizer, de maneira que cada palavra dita por ele é como uma ressonância da palavra divina. E ele mesmo vela e revela o próprio Deus de Quem é mensageiro.

Nossa Senhora está na sua casa, em Nazaré, e de repente Lhe aparece esse Arcanjo, um dos sete mais altos espíritos que estão sempre na presença de Deus, que é mandado a Ela e faz-Lhe uma profunda saudação. Que saudação cheia de charme, nobreza, elegância, distinção, ao mesmo tempo de uma majestade inimaginável porque ele é puro espírito e Ela não é senão uma criatura humana! De um respeito indizível, porque Ela não sabe, mas ele tem conhecimento de que Ela é sua Rainha. Então ele presta a Ela uma homenagem, a mais bela que até então se tinha prestado na Terra, e creio eu que nenhuma outra será dispensada igual, a não ser a que Nosso Senhor Jesus Cristo terá prestado à sua Mãe.

Ela recebe aquela homenagem, mas ao mesmo tempo Se entusiasma porque entende o Anjo até o fundo e percebe perfeitamente Deus através dele. E se entre nós um contato de alma a alma − com nossas pobres almas encardidas, envelhecidas, de nossa natureza concebida no pecado original − nos dá tanto gosto, o que foi o contato de alma a alma de Nossa Senhora com esse Arcanjo?! O gáudio do Anjo contemplando Aquela que por natureza lhe era inferior – porque uma simples criatura humana –, mas dotada de um espírito ligado à carne incomparavelmente mais elevado que o dele.

Exprimindo-se de modo humano, poder-se-ia dizer que ele transpôs todos os espaços que vão de Deus até uma cidadezinha da Galileia, curioso de conhecer de perto a Nossa Senhora.

É, pois, nessa atmosfera que devemos considerar a narração do Evangelho da Anunciação do Anjo a Maria Santíssima, e que por definição é a festa dos escravos de Maria.

Nossa Senhora resplandecia diante de São Gabriel

No sexto mês da gestação de São João Batista em Santa Isabel, foi enviado por Deus o Anjo São Gabriel a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré (cf. Lc 1, 26).

“A uma cidade da Galileia, chamada Nazaré” é um modo de se falar de uma cidade desconhecida. Não posso dizer, por exemplo, “a uma cidade do Estado de São Paulo, chamada Campinas”, pois qualquer um sabe que Campinas fica nesse Estado. Mas uma cidade chamada Nazaré é um lugarzinho…

… a uma Virgem desposada com um varão que se chamava José.

Um individuozinho dentro da cidadezinha. Entretanto, fulgura como um raio sem estrondo o que vem logo depois.

…da Casa de Davi.

A mais alta dinastia que houve.

E o nome da Virgem era Maria (Lc 1, 27).

É como um sol que aparece: uma Virgem também desconhecida, mas o nome d’Ela era Maria. Quantas Marias houve depois na História e haverá até o fim do mundo! Ela tem uma glória que não se compara com nada. “O nome da Virgem era Maria”. Não é verdade que esta simplicidade da narração tem qualquer coisa de grandioso, por onde julgamos entrever o Espírito Santo? Eu falava exatamente desse contato de alma. Nós como que sentimos o Espírito Santo quando ouvimos essa narração tão simples de coisas propriamente esplendorosas.

E entrando o Anjo onde Ela estava…

É uma coisa, portanto, fantástica! O Anjo que nesta cidade escolhe o pátio da casa de Nossa Senhora onde Ela estava, e entra ali. Achamos tão grande coisa a entrada de um rei. Até a Revolução Francesa, os reis faziam entradas nas cidades. Sobretudo a primeira depois da coroação, as entradas eram solenes com participação de milhares de pessoas em grande gala. Então, o Anjo disse-Lhe:

Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo (Lc 1, 28).

É preciso considerar cada palavra que ele disse, pois falava como faz um Anjo. Quando pronunciava a palavra “Senhor”, todo o amor ao Criador que ele tinha queimava, resplandecia nele. Ao dizer “ave”, percebe-se toda a reverência dele para com Ela! A alma enorme, grande, colossal, inimaginável, terníssima, intimíssima, majestosíssima de Nossa Senhora resplandecia diante dele. E Maria Santíssima se sentia como que assumida pelo Anjo quando ele se dirigia a Ela.

Todas as graças criadas para os homens estão n’Ela

…cheia de graça…

É o maior elogio que se pode fazer de alguém. Em Maria Santíssima só havia graça, não existia outra coisa. Em latim – ele não falou nessa língua –, “gratia plena”, de graça cheia, fica muito mais belo do que cheia de graça. Então, a palavra graça, nos como que lábios de um Anjo, tem uma grande beleza. Todo o esplendor da graça de Deus floresce quando ele diz “graça”; e plena dá uma tal ideia de plenitude que até o leito do mar é vazio em comparação com aquela plenitude. Esse “cheia de graça” propriamente não quer dizer, a meu ver, somente que Ela é cheia de graça, mas que n’Ela não há senão graça. Mais ainda, que todas as graças criadas para os homens estão n’Ela e daí transbordam. Isso é de uma riqueza, uma majestade incomparável.

E cada palavra do Anjo é à maneira de uma música única, como nunca ninguém tocou nem tocará. E a obra-prima dele, em todos os séculos, consistia em dizer isto. Era o mensageiro por excelência que comunicava a supermensagem. Eu acredito que, enquanto ele fazia isso, o local onde Nossa Senhora estava foi se enchendo de Anjos, todos cantavam e jubilavam sem fim, sem que ninguém ouvisse, mas Ela ouvia.

E tendo ouvido essas coisas, Ela turbou-se com as palavras do Anjo e discorria, pensativa, indagando que saudação seria essa (cf. Lc 1, 29).

A narração continua a ter uma simplicidade evangélica fantástica. Não sei se esse Anjo falou a Ela apenas comunicando-se como uma alma, ou se tomou um corpo – como fez o Arcanjo Rafael com Tobias – para falar-Lhe de um modo sensível.

A Santíssima Virgem concebeu o Homem-Deus e começou a adorá-Lo

Nossa Senhora não se espantou com o fato de ter um contato com um ser tão extraordinário. Ela é tão ordenada que, dentro dessa cena cheia de impressões, foi ao ponto. Cogitava o que queria dizer essa saudação. Ela prestava atenção no sentido das palavras para entender o que Deus mandava dizer-Lhe. Ou seja, Ela raciocinava, não perdeu a distância psíquica(2), não se tomou de frenesi; certamente sentiu até o fundo a cena, mas sobretudo cogitava: “O que quererá dizer isto?” E como Ela não entendia, ficou perplexa, o que se nota pelas palavras do Anjo que vêm logo depois:

Não temas, Maria, pois achaste graças diante de Deus. Eis que conceberás no teu ventre e darás à luz um Filho, e por-Lhe-ás o nome de Jesus. Ele será grande e será chamado Filho do Altíssimo (Lc 1, 30-32).

Podemos imaginar a majestade com que ele proclamou isto. Primeiro quando pronunciou o nome de Jesus, e depois quando disse: “Ele será grande e será chamado Filho do Altíssimo”. Isso dito por um de nós não é nada, mas afirmado por um Anjo… como aparece a grandeza! O “Filho do Altíssimo”! Superior a qualquer cogitação.

E o Senhor Deus Lhe dará o trono de seu pai Davi (Lc 1, 32).

Quer dizer, era de dinastia deposta, decaída, São José um carpinteiro; entretanto, o Filho d’Ela vai ter o trono de Davi. Ela sabia bem que era uma coisa simbólica, que esse trono era um trono da realeza espiritual de Nosso Senhor.

E reinará eternamente na Casa de Jacó e seu reino não terá fim.

Maria perguntou ao Anjo, como se fará isto, pois eu não conheço varão? (Lc 1, 33-34).

Nota-se como o espírito d’Ela está no âmago do assunto, e todas as impressões colaterais não dizem nada diante da grande pergunta. Não é uma objeção, mas uma pergunta: “Como será isso, se Eu tenho o voto de virgindade?”

E respondendo o Anjo disse-Lhe:

O Espírito Santo descerá sobre Ti e a virtude do Altíssimo Te cobrirá com a sua sombra. E por isso mesmo o Santo que há de nascer de Ti será chamado Filho de Deus. Eis que também Isabel, tua parenta, concebeu um filho na sua velhice, e este é o sexto mês daquela que é tida como estéril (Lc 1, 35-36).

Então, Maria afirmou:

Eis aqui a escrava do Senhor faça-se em Mim segundo a tua palavra. E o Anjo afastou-se d’Ela (Lc 1, 38).

Foi precisamente no momento em que Maria Santíssima declarou “eis aqui a escrava do Senhor” que o Espírito Santo baixou sobre Ela. Ela concebeu e o Homem-Deus começou a viver n’Ela, lúcido inteiramente desde o primeiro instante do seu Ser, e Ela começou a adorá-Lo.

Convívio da alma de Maria Santíssima com a Alma de seu Filho

O sentido desses comentários é fazer-nos tomar o gosto pela cena para melhor a compreendermos e adorarmos a Deus, a Nosso Senhor Jesus Cristo, praticarmos o culto de hiperdulia a Nossa Senhora. Assim, para a sentirmos melhor, consideramos antes uma série de sensações tão diferentes e, ao mesmo tempo, um pouquinho parecidas com esta, do contato de alma a alma, para nos servir de termo de comparação do contato de Maria Santíssima com o Anjo.

Depois disso começa outro contato de alma a alma. É de Nossa Senhora com Nosso Senhor, no claustro d’Ela. “Hic taceat omnis lingua”(3). Fazemos como o Anjo São Gabriel porque fica no mistério. É preciso apenas dizer o seguinte: como Nossa Senhora era concebida sem pecado original, nenhuma operação no seu corpo se fazia sem que Ela soubesse e quisesse.

De muitas operações que nosso corpo faz não temos nenhuma ideia. Por exemplo, o coração de cada um de nós bem ou mal está bombeando sangue pelo corpo, senão morreríamos. O coração vai fazendo isso e, sobretudo, parará de fazer sem que queiramos.

A Santíssima Virgem conhecia, portanto, tudo que se passava n’Ela e no fenômeno misteriosíssimo, complexíssimo da geração; cada vez que o seu corpo fornecia ao Corpo Sacratíssimo de Nosso Senhor Jesus Cristo um certo elemento para se constituir, era porque Ela queria. Por assim dizer, Ela foi a arquiteta do seu Filho.

E a concessão de cada elemento para o Corpo d’Ele, além do lado propriamente fisiológico, tinha um aspecto simbólico. Podemos imaginar, por exemplo, Ela dando o contributo materno necessário para formar os divinos olhos d’Ele. Olhos perto dos quais nenhum olhar é olhar e nenhum olho é olho, porque olhos são aqueles! Olhar! O olhar que converteu São Pedro…, que no meio da sangueira no alto da Cruz olhou pela última vez para Nossa Senhora.

Isto é olhar! O resto… Pobres de nós, que subúrbios, que bairros miseráveis, que charneca, que tristeza!

Cada vez que Maria Santíssima contribuía, então, para a formação dos olhos d’Ele, Ela queria aqueles olhos, com aquele olhar, e previa tudo o que aquele olhar faria de bem até a consumação dos séculos, inclusive quando Ele vier gladífero no fim do mundo para punir.

Aí então começa um convívio de alma d’Ela com a Alma humana d’Ele hipostaticamente unida com a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, um convívio de que ninguém tem ideia, e a respeito do qual se falará talvez noutro dia e de outro modo.

Fica-nos apenas a ideia do Anjo que vai embora, e da Encarnação que se opera. E Nossa Senhora, a divina escultora de seu próprio Filho. Temos, assim, uma noção da grandeza da festa que a Igreja celebra nesse dia.       v

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 23/3/1979)
Revista Dr Plinio 264 (Março de 2020)

 

1) Duque de Saint-Simon (*1675 – †1755). Escritor francês que, em suas Memórias, descreveu com penetração, finura e charme a vida de corte em Versailles, na época de Luís XIV.

2) Expressão utilizada por Dr. Plinio para significar uma calma fundamental, temperante, que confere ao homem a capacidade de tomar distância dos acontecimentos que o cercam.

3) Do latim: Aqui se cale toda língua.

O ARCANJO DA ANUNCIAÇÃO

São Gabriel Arcanjo foi o embaixador escolhido para a Anunciação por causa de virtudes inerentes à sua essência. Eis o pensamento desenvolvido por Dr. Plinio nos presentes comentários.

No mês de março a Igreja celebra a Anunciação de Nossa Senhora e Encarnação do Verbo, um dos maiores mistérios da fé católica. Muito se tem falado de belos e profundos  aspectos desta festa, como, por exemplo, o maravilhoso significado da união da Segunda Pessoa da Santíssima Trindade com a natureza humana, em ordem à Redenção do  mundo, ou a grandeza e a humildade de Maria, aceitando a sublime vocação de ser a Mãe do Criador. Menos ressaltada é a atitude do Arcanjo São Gabriel neste  acontecimento de primordial importância para a humanidade.

Creio, portanto, não ser sem interesse voltarmos um pouco nossa atenção para a figura e o papel do angélico portador da mensagem de Deus para a modesta Virgem de  Nazaré. Pelo teor da missão se percebe a magnitude do príncipe celeste Podemos ter uma certa ideia de quem é São Gabriel se considerarmos o valor da missão de que foi  incumbido pelo Altíssimo.

Com efeito, sendo os Anjos constituídos de uma natureza muito mais elevada que a nossa, as tarefas a que são prepostos têm relação direta com suas características e perfeições próprias, motivo pelo qual as funções angélicas não são assumidas por eles tão arbitrariamente como se faz entre os homens. Quer dizer, no nosso caso, ninguém    será, por exemplo, datilógrafo ou embaixador por natureza: na hora do aperto, um embaixador se avia como datilógrafo, e um datilógrafo, por relevantes interesses pessoais, acaba sendo bom embaixador.

No caso dos Anjos, pelo contrário, cada um está destinado a desempenhar uma função específica, de acordo com sua própria essência. Não se tratará, necessariamente, de  tarefas tão extraordinárias como a da Anunciação, mas das ordinárias dos Anjos no Céu em face de Deus.

Na aplicação desse princípio, houve uma decisiva razão de conveniência para se conferir a missão de anunciar a Encarnação do Verbo a São Gabriel: era ele o Arcanjo que, por sua essência, estava à altura dessa dignidade.

E, portanto, medindo o valor da incumbência dada a ele, podemos deduzir algo de sua glória, virtudes e esplendor. Que dizer dessa missão? Antes de tudo, é elevadíssima. É  a missão-chave na História da humanidade. Esse Anjo foi enviado a Nossa Senhora para revelar-Lhe a chegada da plenitude dos tempos, o fim do reino do demônio, o  esmagamento do domínio do mal, a remissão do gênero humano, a abertura das portas do Céu. O Anjo incumbido de pedir a Nossa Senhora seu consentimento para isso, e  de anunciar o mistério da Maternidade Virginal, esse Anjo portou a mais elevada mensagem que se possa ter transmitido em toda a História.

Segundo o ensinamento dos teólogos, os astros são movidos por Anjos. Procuremos imaginar a grandeza de um Anjo que mova, por exemplo, toda a Via Láctea. Que valor,  que força, brilho e categoria de espírito deve ter um Anjo desses! Agora, o que é mover uma poeira de estrelas como a Via Láctea, em comparação com o tocar a alma de  Nossa Senhora, com o agir sobre o coração imaculado d’Ela, transmitindo-Lhe essa mensagem única e obtendo sua adesão?

Não há comparação possível. Daí se compreende a excelsitude da missão e do missionário. Por outro lado, gradua-se a importância do mensageiro não só pela natureza da  mensagem, mas também pela importância respectiva de quem a mandou e de quem a recebe. Um rei que tem uma comunicação muito importante para alguém de categoria  superior, a envia por meio de um fidalgo da sua corte. Mas, se a mensagem for de menor alcance e o destinatário, uma pessoa comum, ele a mandará através de um  empregado qualquer.

Ora, a Santíssima Virgem era a Rainha do Céu e da Terra, a obra prima de Deus, destinada a ser Mãe do Verbo. Logo, somente um Anjo da mais alta dignidade poderia ser  escolhido para levar a Ela as palavras divinas. Mais uma vez, vemos por aí a estupenda grandeza do celeste mensageiro.

Senso hierárquico e exaltação da virgindade A partir desse sublime acontecimento, poderíamos deduzir também duas perfeições do espírito de São Gabriel, a meu ver muito salientes nos quadros de Fra Angélico que retrataram a cena da Anunciação.

Em primeiro lugar, um notável senso de hierarquia. Quando São Gabriel se dirigiu a Nossa Senhora, Ela ainda não era a Mãe de Deus. Passou a sê-lo no momento em que aceitou a comunicação e, em conseqüência, a milagrosa e fecunda intervenção do Espírito Santo. Como, por natureza, os Anjos são superiores aos homens, até o instante em que a Virgem pronunciou o “fiat”, São Gabriel estava se dirigindo a alguém que lhe era inferior, embora A estivesse convidando para ser sua Rainha.

De outro lado, a mensagem trazida por ele significava uma tal predileção de Deus por Nossa Senhora que A situava acima do paralelo com qualquer Anjo, por mais elevada  que fosse a categoria deste, incluindo São Gabriel. Donde o singular senso de hierarquia que o vemos manifestar, e que Fra Angélico expressa de modo inexcedível nos seus  afrescos: é o Anjo imbuído de um respeito profundo e de uma entranhada veneração por Nossa Senhora,  como quem toma a superioridade de sua própria natureza e a põe abaixo, por causa dessa grandeza da missão de Maria. Por sua vez, Nossa Senhora responde ao Anjo também inclinada e com toda a deferência, porque Ela recebia a  mensagem de Deus e porque, como criatura humana, era inferior ao Anjo.

O episódio tem o perfume de um mundo de respeito mútuo, de superioridades recíprocas, nas quais Nossa Senhora acaba sendo incomparavelmente maior do que o Anjo,  indicando bem o senso de hierarquia incluído nesse ato.

E, cumpre frisá-lo, senso de hierarquia e de disciplina oposto ao non serviam (não servirei) de Satanás. Muitos teólogos afirmam que o demônio se revoltou contra Deus  porque não quis reconhecer o Verbo encarnado como objeto de sua adoração, e menos ainda aceitar uma mera criatura humana como sua rainha. Parece ter sido este o  ponto que exacerbou ao extremo o seu orgulho e polarizou de forma irrefreável o movimento de insubordinação que grassava no seu espírito em relação à vontade divina.

São Gabriel fez o contrário. Cheio de adoração e amor a Deus, foi portador dessa mensagem que colocava, sob certo ponto de vista, o reino angélico abaixo do reino humano.  Colocado diante de sua nova Rainha, tão inferior a ele por natureza, dobrou- se como o mais respeitoso e venerador dos súditos e cortesões. A esse alto senso de hierarquia  podemos acrescentar outro aspecto: uma como que castidade celestial. Ao se dirigir à Virgem das Virgens para anunciar que Ela será Mãe sem deixar de ser virgem, São  Gabriel faz uma esplendorosa exaltação da virgindade, além de revelar uma espécie de obra-prima de pureza realizada por Deus: diante desse fato tão imenso da  Encarnação, Nosso Senhor resolveu violar todas as regras da natureza para salvar a virgindade perfeita de Nossa Senhora, e conferiu uma nova glória ao gênero humano,  fazendo d’Ela a Esposa do Divino Espírito Santo e Mãe de um Filho gerado milagrosamente, sem concurso de homem.

São Gabriel estava, assim, incumbido de trazer à Terra a mensagem que é uma das maiores glorificações da castidade já conhecidas na História. Não será difícil  compreender, portanto,  a ligação toda especial com a virtude da pureza que esse Arcanjo deveria ter.

Senso de hierarquia, de disciplina, humildade, vinculação com a pureza e a virgindade, virtudes do embaixador divino, contrárias ao orgulho e à “sensualidade” do demônio, inimigo irreconciliável de Deus e de Nossa Senhora. A velha serpente foi pisada e esmagada de modo avassalador nesse sublime mistério da fé cristã. E se um Fra Angélico  acrescentasse na sua  pintura o detalhe da cabeça do demônio sob os pés de São Gabriel, retrataria um fato profundamente real.

Pedir a humildade, a pureza e o amor a Nossa Senhora Dessas breves considerações podemos inferir que motivos não nos faltam para pedirmos a São Gabriel que interceda por nós junto a Nossa Senhora e ao Sagrado Coração de Jesus, a fim de alcançarmos essas duas graças tão indispensáveis para nossa perfeição espiritual: primeiro, a de  termos genuíno senso de hierarquia, humildade sincera, intenso amor à superioridade (ainda que aqueles que sejam mais do que nós em certos aspectos, sejam menores por vários outros); em segundo lugar, a graça de possuirmos o gosto ilibado da pureza, da castidade, enquanto princípio, valor moral, e não apenas como predicado físico.

Humildade e pureza que, sem dúvida, são dois dos traços distintivos da santidade específica de São Gabriel. Sabe-se que os Santos e os Anjos são chamados a favorecer os católicos, obtendo-lhes o fortalecimento nas virtudes peculiares com que eles mais glorificam a Deus. São Francisco nos alcança o espírito de pobreza; Santo Inácio, a lógica soberana, inflexível e incomparável dos Exercícios Espirituais; São Bento, o gosto da liturgia e da contemplação.

E assim por diante, o que os Anjos e os Santos mais têm, mais eles dão.

Se São Gabriel espelha as mencionadas virtudes em tão alto grau, ele foi posto por Deus para obtê-las em favor dos mais necessitados. Não deixemos, portanto, de recorrer a  esse extraordinário intercessor que nos foi dado pela Providência, rogando-lhe conceder-nos a mesma veneração, o mesmo entranhado respeito e amor que ele manifestou por sua Rainha e Senhora, Maria Santíssima, Mãe do Verbo Encarnado.

 

Caro Christi, caro Mariæ; sanguis Christi, sanguis Mariæ

Desde o primeiro momento de sua concepção, Jesus começou a adorar o Pai Eterno, o Divino Espírito Santo e a alimentar-Se dos elementos que o santíssimo e  virginalíssimo corpo de sua Mãe Lhe proporcionava. Nossa Senhora tinha consciência inteira do que se passava em seu interior, e sentia a sublimação de seu sangue que  estava sendo transformado n’Ele.

 

Antes da Santíssima Virgem Maria saber que seria Mãe do Redentor e Esposa do Divino Espírito Santo, tudo n’Ela se orientava nesse sentido. Não que Ela aspirasse ser a  Mãe do Messias, mas a fim de que Ele viesse logo.

“Mandai o Messias, mandai o Messias…”

As orações de Nossa Senhora para a vinda do Messias devem ter acelerado muito essa chegada, pois Ela é onipotente em suas súplicas. A partir do momento em que Deus A criou, Maria Santíssima teve conhecimento da situação da humanidade e começou a rezar para vir logo o Salvador.

Com o nascimento d’Ela levantou-se, portanto, como que uma coluna de fumo odorífero de cor maravilhosa, de movimentação encantadora e ao mesmo tempo majestosa na  presença de Deus. Era a oração de Nossa Senhora que subia do Coração Imaculado d’Ela até o trono do Criador, pedindo: “Mandai o Messias, mandai o Messias…”

A Virgem Maria possuía tanta admiração e adoração pelo Messias o qual devia vir, que se acredita – a meu ver com muito fundamento – ter Ela pedido para ser escrava da  Mãe d’Ele e poder, assim, servi-La de todos os modos, como uma forma indireta de servir o próprio Salvador.

Essa oração também foi ouvida, como acontecerá com tantas  preces de Nossa Senhora, mais até do que Ela esperava. Segundo a narração do Evangelho, a Anunciação se deu sem preparação extraordinária.

A Santíssima Virgem estava muito normalmente rezando naquele claustrozinho da casa d’Ela, quando apareceu um Anjo e A saudou: “Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo” (Lc 1, 28). Com certeza, na medida em que isso se pode entender de puros espíritos, ele se inclinou profundamente diante d’Ela.

A Santíssima Virgem julgava-Se indigna

Isso dito por um Anjo! Os Anjos são seres de uma beleza, de um esplendor incomparável. Podemos calcular a impressão que isso deve causar, ainda mais para uma pessoa humílima como Nossa Senhora.

Foram surpresas sobre surpresas: Por que um Anjo vai aparecer para Ela? Por que A saúda reverentemente? Por que Lhe faz esse elogio? Depois, surpresa ainda maior: Maria Santíssima tinha pactuado com São José de ficar sempre virgem. E Ela vê que o Anjo lhe fala de um Filho ao qual deverá dar o nome de Jesus.

Ora, Nossa Senhora estava longe de imaginar que o Messias seria Filho d’Ela e, para se manter longe dessa suposição, tinha uma razão que em sua psicologia era invencível: a indignidade d’Ela. Sendo Ela  tão indigna – pensava –, estava claro que não era para Ela que viria isso. E chega a revelação de que Ela – com sua promessa de virgindade – dará à luz um Filho chamado Jesus e, com certeza, o Anjo quando pronunciou esse santíssimo nome reluziu num esplendor muito maior.

Talvez as miríades de Anjos que deveriam encher, nesse momento, o pequeno claustro da casa de Nossa Senhora também tivessem indicado, de algum modo, a festiva  presença deles, anunciando o nome de Jesus. Então Ela perguntou como isso seria possível, pois fizera o voto de permanecer sempre virgem.

O Anjo deu a  entender que isso não seria impedimento, porque para Deus não há obstáculos e, portanto, Ela não se preocupasse, pois seria assim, desde que Ela consentisse. O bonito está nisto: que Ela consentisse. E Maria Santíssima deu aquela resposta perfeita: “Eis a escrava do Senhor, faça-se em Mim segundo a tua palavra” (Lc 1, 38). Deu-se, então, a Encarnação do Verbo de Deus, e naquele momento Ela sentiu-Se Esposa do Divino Espírito Santo.

É uma situação tão colossal, tão fabulosa que ninguém imagina bem o que seja. Houve muitos santos que tiveram revelações do Espírito Santo, a quem Ele manifestou-Se de  algum modo. Isso não é nada em comparação com o fato de Se tornar Esposa do Espírito Santo!

Início do processo da Encarnação

Quer dizer, houve um determinado momento em que o Espírito Santo se manifestou a Nossa Senhora tão profundamente que gerou n’Ela um Filho. Se tudo quanto os  Santos sentiram na hora da manifestação do Divino Espírito Santo fosse somado, não daria nada em relação ao momento em que Ela, sendo uma criatura humana, passou a  ser a Esposa do Divino Espírito Santo, por toda a eternidade.

Essa situação gerou, necessariamente, tanta felicidade, tanta intimidade, tanto fogo dentro da alma d’Ela, que nós não podemos conceber, e teve como resultado o início do processo da Encarnação.  Ou seja, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade Se encarnou no claustro d’Ela e, desde o primeiro momento da concepção, começou a adorar o Pai Eterno, o Divino Espírito Santo e a alimentar-Se dos elementos que o santíssimo e virginalíssimo corpo de sua Mãe Lhe proporcionava.

Nesses atos simultâneos, na medida em que Ele Se nutria, o seu Corpo ia tomando consistência e também a união da alma d’Ela com Ele ia aumentando. Nesse período da gestação, a intimidade entre Ele e Ela, seus colóquios, como se amaram, são coisas inefáveis. É algo superior a toda cogitação!

Pensarmos que tudo quanto rezamos no “Veni Creator Spiritus” deu-se com a Santíssima Virgem em grau superlativo!

“Veni, Creator Spiritus, mentes tuorum visita”. Considerem o que significa pedir que o Divino Espírito Santo visite as nossas mentes. A entrada d’Ele e sua ação em nossas  mentes, o que é uma coisa dessas?! “Imple superna gratia quæ Tu creasti pectora”: Os corações que Tu criaste, enche com a tua graça superior”.

“Qui diceris Paraclitus, donum Dei altissimi…”: Tu que és chamado o Paráclito, dom de Deus altíssimo… “Fons vivus, ignis, caritas, et spiritalis unctio”: Fonte viva da graça e  de todos os bens espirituais que a pessoa possa ter, e unção espiritual.

Essa presença do Espírito Santo nos enche de graça e de unção espiritual.

A gruta de Belém se torna mais augusta que qualquer outro palácio

Mas como essa presença é  tênue, leve, pequenina, em comparação com a de Nosso Senhor em Nossa Senhora!

Imaginem esse ato de comunhão perpétuo – no sentido de que será durante todo o período da gestação –, em que Ele está dentro d’Ela e vai Se nutrindo do sangue puríssimo d’Ela, e a carne do Homem-Deus vai cada vez mais se constituindo. Ela sabe disso, tem a consciência inteira do que se passa em seu interior e sente a sublimação de seu sangue que está sendo transformado n’Ele.

Diz-se “caro Christi, caro Mariæ; sanguis Christi, sanguis Mariæ: a carne de Cristo é a carne de Maria; o sangue de Cristo é o sangue de Maria”.

Assim, no corpo d’Ela vai se modelando o d’Ele. Aí se dão certos fenômenos, como o da hereditariedade, por onde Ele herda elementos de sua Mãe, tornando-Se parecido  com Ela, e a inter- relação entre os dois vai aumentando de intimidade, à medida que vai se definindo essa semelhança.

Imaginem, quando o processo está terminado e Nosso Senhor prestes a manifestar-Se aos homens na noite de Natal, até que ponto a intimidade, a relação mútua entre Eles  é grande!

Naturalmente, à medida que no Presépio de Belém a complementação da geração d’Ele vai se tornando perfeita, tudo anuncia em volta de Nosso Senhor que Ele está para   nascer, e a gruta vai ficar augusta com nunca nenhum palácio ficou. Os Anjos enchem aquele ambiente, há uma respeitabilidade,  mas, ao mesmo tempo, uma doçura, um amor, uma confiança inexprimíveis.

Só no Céu ter-se-á uma ideia exata do que foi a gruta de Belém naquela noite. Chega, por fim, a hora bendita entre todas as horas como Maria é bendita entre todas as  mulheres. Por um modo de fazer que só Deus sabe,  Aquela que era a Porta do Céu e sempre Virgem Se torna Mãe de Deus. Porque a maternidade se completa quando Maria  Santíssima dá ao mundo o Filho que Ela gerou. Afinal, aparece na manjedoura o Filho de Deus vivo.

Os olhares se entrecruzaram

Um artista comum representa o Menino Jesus como uma criança que ainda não tem consciência muito completa de si, batendo um pouco as perninhas, os bracinhos numa posição bonita, mas que não é diretamente racional; são mais ou menos movimentos reflexos. E Nossa Senhora, com o olhar profundamente sábio, santo, etc., observando-O   analisando-O. Mas não é essa a realidade das coisas. Como Ele, desde o seu primeiro instante de ser, refletiu e refletiu…

Ao seu lado, pouco favorecido e ignorante aquele que foi o mais inteligente dos homens: São Tomás de Aquino! Pobre, rústico e bárbaro quem foi o mais civilizado dos  homens – digamos que tenha sido São Luís! E daí  para fora, diante do Menino, o mais lúcido, mais fino, mais nobre, mais casto e mais piedoso de todos.

Ele olhou-A no momento em que Ela O viu, os olhares se entrecruzaram, mas Ele A olhou com mais lucidez do que Ela a Ele. Porque Ele era Ele. Nós devemos fazer a pergunta: Que fisionomia Jesus fez ao ver a Mãe que Deus Lhe tinha dado? Ele já A conhecia, mas com os olhos humanos observava-A com a análise amorosa,  completamente embevecida, etc….

Então podemos imaginá-La sentindo-Se assim analisada, querida, sem a mínima timidez porque Nossa Senhora era puríssima, perfeita, nunca tinha tido a menor falha, em nenhum ponto, jamais deixara de crescer e progredir em toda a medida do necessário. Enfim, Eles se  olham e Eles se reconhecem e cada um vê o outro pela primeira vez.

Que momento de afeto deve ter sido esse! Eu acho que não é possível imaginar. 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 2/7/1995)

Escrava do Senhor

Na Anunciação, Nossa Senhora ouviu a mensagem do Anjo e procurou logo o seu significado profundo. Recebida a explicação, Ela imediatamente entendeu e deu a resposta: “Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em Mim segundo a tua palavra”.

Ela notou que era preciso um consentimento d’Ela, e disse: “Sou escrava d’Ele, faça-se o que Ele quiser. E, segundo a tua palavra, aceito!”

Isso se realizou na singeleza diáfana da narração evangélica, representada no luminoso quadro de Fra Angelico, naquelas duas arcadas de uma casinha simples, limpinha, onde Nossa Senhora está sentada e São Gabriel A saúda.

Entretanto, aquele ato de vontade teve mais firmeza, aquele ato de inteligência mais nitidez do que tudo quanto se possa encontrar no universo. Nesta força de alma nota-se a inocência de Quem, sendo Filha diletíssima do Pai Eterno, era destinada a ser a Mãe de Deus Filho e Esposa do Divino Espírito Santo.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 21/5/1981)

Ideal de humildade e elevação

Em seu Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, São Luís Grignion de Montfort salienta que os devotos de Nossa Senhora terão especial apreço pelo Mistério da Encarnação, pois desta forma “imitam a dependência em que Deus Filho quis estar de Maria. Dependência que transparece particularmente nesse Mistério no qual Jesus Cristo se torna cativo e escravo no seio de Maria Santíssima, aí dependendo d’Ela em tudo” (cap. 8, art. 1, § IV). Exímio nessa imitação do divino exemplo, Dr. Plinio deixou-nos estes comentários expressos numa Festa da Anunciação do Senhor.

 

Ao comemorarmos data de tão precioso significado, devemos considerar que Jesus Cristo tornou-se Escravo de Nossa Senhora desde o momento em que Ela, diante do convite apresentado por São Gabriel, aceitou de dar à luz o Messias, e o Espírito Santo então concebeu em seu claustro materno o Verbo encarnado.

Elevada acima de todos os anjos e santos

A Santíssima Virgem tornou-se, assim, Esposa do Divino Espírito Santo a um título muito particular, e passou a receber d’Ele orientações, diretrizes, atos de amor, de consolação, “flashes” (por assim dizer) de uma sublimidade indizível. Graças essas em estreita relação com os vínculos que o próprio Jesus, naquele seio puríssimo, mantinha com sua Mãe. Estabelecia-se, assim, um maravilhoso convívio no qual Nossa Senhora era, ao mesmo tempo, a Filha predileta do Pai Eterno, a Mãe admirável do Verbo humanado e a fidelíssima consorte do Espírito Santo.

Tudo isto foi concedido a Nossa Senhora em virtude do fato da Encarnação. Quer dizer, no instante em que Ela concebeu o divino Filho, tornou-se objeto dessa assombrosa promoção (se pudéssemos empregar o termo), por onde foi elevada a uma condição incomparavelmente superior à de todos os anjos e santos reunidos, o que significa uma perfeição tão imensa que escapa à nossa capacidade de imaginá-la.

O ideal de toda alma humilde

Porém, cumpre ressaltarmos essa verdade: se quisermos crescer na virtude, no amor a Deus, na devoção à Santíssima Virgem, devemos pedir a Nossa Senhora a graça de conhecer, intuir, avaliar tanto quanto é possível à debilidade do intelecto humano, a santidade d’Ela. Se assim o fizermos, cresceremos nós mesmos em santidade. E, portanto, em humildade, sem a qual não há autêntico progresso espiritual.

Para a alma humilde, disposta a obedecer seus legítimos superiores, afeita à admirar os que merecem admiração, amante da modéstia e da discrição, para essa alma, digo, o ­ideal nesta vida é fazer-se escrava de amor da Santíssima Virgem, imitando ao primeiro Escravo d’Ela, Jesus.

Ideal todo particular, pois é o de ser aos pés de Maria — conforme escreveu São Luís Grignion — um vermezinho e miserável pecador, a quem Deus dá a vida e a tira, concede saúde ou permite a doença. Somos completamente dependentes d’Ele, para tudo quanto de nós deseje.

Mas, que felicidade para nós ao pensarmos: “Somos tão minúsculos perto do Criador e, contudo, quanto mais reconhecemos nossa pequenez, mais nos unimos a Ele e mais Ele nos acolhe em seu Sagrado Coração!”

E assim, correspondendo a esse ideal de humildade, servidão e amor, estreitamos nossa união com Deus, com Maria e a Santa Igreja.

Como gota de orvalho transformada em sol

Pensemos, nesta festa da Anunciação, nas glórias concedidas a Nossa Senhora, nos esplendores de perfeição aos quais Ela foi exaltada como Filha do Pai Eterno, Mãe do Verbo encarnado e Esposa do Espírito Santo.

Pensemos, igualmente, como dessas magníficas alturas Ela olha para nós e acompanha com incansável solicitude materna a vida de cada um de seus devotos. Estejamos certos de que a Virgem nos considera com bondade e insondável clemência; obtém-nos o perdão de nossas misérias e fraquezas; dirige, em nosso favor, um irresistível sorriso à Santíssima Trindade, dizendo:

“Meu Pai, meu Filho, meu Esposo. Vejam estes que vos amam no mundo: tenham compaixão deles, ajudem-nos a serem inteiramente aquilo para o que foram criados, a se tornarem fiéis como verdadeiros escravos de amor, fazendo sempre a minha vontade, que é a vossa, Trindade beatíssima.”

Essa é a mais valiosa graça que devemos suplicar a Deus, pelas mãos de Nossa Senhora, nessa festa da Anunciação e Encarnação do Verbo. Tornarmo-nos esses servos amorosos e fiéis, imitadores de Jesus em sua obediência à Mãe, unidos à Santa Igreja a exemplo da própria Virgem Santíssima, de modo a sermos como ela, assim como a gota de orvalho sobre a qual incide o raio solar assemelha-se a um minúsculo sol.

A gota é linda, pura, encantadora. O raio do astro soberano que a toca, a faz brilhar inteira. Mas, o que é a gota em relação ao sol? Pois muito maior, a perder de vista, é a desproporção entre Nossa Senhora e cada um de nós. Porém, podemos e devemos pedir que, como gotas de orvalho, humildes e pequenos, puros e fortes, sejamos um reflexo d’Ela; e que do entusiasmo de nossa humildade, pureza e fortaleza emane um constante ato de amor, obediência e servidão à Rainha do Universo, à Mãe do Verbo de Deus feito carne.

Plinio Corrêa de Oliveira

Anunciação de Nosso Senhor

Admirados ficamos ao pensar que, por um momento, o destino da humanidade inteira pendeu da resposta afirmativa de uma donzela. E o “sim” que Ela deu, abriu caminho para o Redentor que, por assim dizer, batia às portas do mundo. Abriu caminho para a salvação, para as graças de Deus, para a regeneração dos homens.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Perfeição do espírito da Contra-Revolução

Encarnação do Verbo é a Festa da escravidão a Nossa Senhora e da Contra-Revolução, na qual se celebra o espírito de obediência, o amor à hierarquia, à ordem, à dependência, a tudo quanto a Revolução odeia.

O espírito humilde e contrarrevolucionário de Maria Santíssima se manifesta em face deste mistério, pois quando Ela soube que o Verbo Se encarnaria n’Ela, sua reação não foi de Se vangloriar, mas de proferir esta frase humílima: “Eis a escrava do Senhor, faça-se em Mim segundo a tua palavra”.

Como se dissesse: “Se Deus quer de Mim essa coisa inimaginável, isto é, que Eu mande n’Ele, por obediência a Ele, n’Ele mandarei. Porque Ele é o Senhor, e em tudo farei a sua vontade”.

À luz deste mistério, ganha especial realce a atitude da Santíssima Virgem dizendo-Se escrava de Deus no momento em que Ele queria fazer um ato de escravidão em relação a Ela.

Aí vemos a perfeição do espírito da Contra-Revolução.

Plinio Corrêa de Oliveira – (Extraído de conferência de 16/3/1971)

Revista Dr Plinio (Março de 2016)

São Dimas

São Dimas, o “bom ladrão”, foi escolhido por Nosso Senhor Jesus Cristo para simbolizar a sua infinita misericórdia para com os homens e, de modo especial, os pecadores. Além de padecer tudo o que sofreu por nós, quis o Filho de Deus dar-nos uma suprema prova de como seu perdão é ilimitado: no derradeiro momento de sua vida, pregado na Cruz, Ele perdoou o bom ladrão e lhe concedeu a graça da santificação. Como se nos quisesse afirmar: “Se esperardes numa clemência que desafia completamente o que sois capaz de imaginar, vossa alma será salva!”

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 14/2/1972)

São Dimas: “Roubaste o Céu!”

O  que se passou com São Dimas é algo inimaginável! É o auge do perdão porque, embora fosse um pecador péssimo, ele não só foi perdoado, mas confirmado em graça, pois ao dizer-lhe “tu, hoje, estarás comigo no Paraíso”, implicitamente Jesus afirmava: “Tu perseverarás!”

Assim, de um ladrão crucificado, o Salvador fez o primeiro santo canonizado. Ele, que tinha podido transformar a água em vinho, podia também transformar um ladrão num santo, e o fez. Feliz ladrão que, ao morrer, roubaste o Céu! Os méritos dele não estavam na proporção de alcançar o Céu, mas ele o alcançou porque Deus quis.

É o símbolo da via misericordiosa das almas que sabem valerem pouca coisa, mas se entregam a Deus Nosso Senhor e são cumuladas pela misericórdia divina.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 9/4/1971)