Devemos imaginar o momento da Ascensão como uma glorificação, uma despedida na qual todas as virtudes singularíssimas, insondáveis, infinitas de Nosso Senhor apareceram com uma rutilância como nunca antes tinham manifestado.
Para atentarmos bem ao significado da Ascensão de Nosso Senhor Jesus Cristo, deveríamos tomar em consideração o fato concreto de ela ser a despedida d’Ele dos homens.
A existência terrena do Redentor se encerrou, de algum modo, com sua morte. Entretanto, depois de ressuscitado, Jesus esteve entre seus discípulos e lhes apareceu várias vezes. De maneira que a sua presença era como um fato comum, frequente, porque Ele tinha convivido com os homens.
Novo modo de conviver com os homens
A partir do momento da Ascensão, pelo contrário, esse convívio visível se tornaria raríssimo, esporádico, extraoficial, em
revelações particulares somente. Entretanto, a presença d’Ele entre os homens, no período entre a Páscoa e a Ascensão, teve o caráter de uma revelação oficial.
E, por esse lado, então, podemos afirmar ter a Ascensão constituído uma verdadeira despedida de Nosso Senhor. Os homens não O veriam mais. Ele continuaria realmente presente no Santíssimo Sacramento, porém de um modo insensível.
A Ascensão era mais uma despedida das aparências do sensível, do que do real, embora insensível, isto é, a sua presença permanente entre os homens na Eucaristia.
E era, portanto, a figura de Nosso Senhor naquilo que o homem vê, ouve, admira através dos sentidos, que se retirava da Terra e subia aos Céus. Era um encerramento e uma despedida. E, ao mesmo tempo, uma glorificação, porque Nosso Senhor Jesus Cristo voltava ao Padre Eterno. A sua missão terrena estava encerrada. Ele subia para receber o triunfo, as manifestações de honra e de glória devidas àqueles que cumprem, de um modo exímio e sublime, uma missão muitíssimo árdua. Ele seria glorificado pelo Padre Eterno.
Assim, a Ascensão se daria em condições para que toda a glória de Nosso Senhor aparecesse aos olhos dos homens. E chegando ao Céu seria recebido por uma manifestação, no sentido literal da palavra, apoteótica, de todos os Anjos e de todos os justos que tinham morrido e estavam à espera do Redentor para entrar no Céu com Ele e reinar com os Anjos por toda a eternidade.
No momento da despedida, uma nova rutilância
Devemos imaginar o momento em que Nosso Senhor Jesus Cristo se despediu como uma despedida imensamente gloriosa e uma glorificação de todos os aspectos de sua santidade, de sua perfeição moral infinita.
Então, todas as virtudes singularíssimas, insondáveis, infinitas manifestadas por Nosso Senhor em sua existência terrena, todos os atrativos, todos os encantos de sua personalidade, tudo isso devia aparecer com uma rutilância, uma cintilação, um fulgor, uma glória, como nunca tinham aparecido.
À medida que Nosso Senhor ascendia, a sua glória resplandecia ainda mais, até o momento no qual os homens perderam o olhar d’Ele e compreenderam que aquela glória se tinha confundido com os esplendores do Padre Eterno e nada mais dela era visível.
Imaginemos Nosso Senhor caminhando com os seus para o alto do monte a partir do qual Ele subiria aos Céus. Assim como quando Ele foi para o Horto das Oliveiras ao iniciar a Paixão, com os Apóstolos cada vez mais tristes e distantes d’Ele, assim nessa segunda caminhada Nosso Senhor foi com os seus, desta vez, porém, foi com uma alegria e glória cada vez maior. Houve uma despedida, Ele disse algumas palavras para todos e, então, começou a subir aos Céus.
Todos viam tudo, mas com aspectos diferentes
Numa síntese maravilhosa, todos os predicados de Nosso Senhor Jesus Cristo começavam a aparecer. E cada alma ia notando, de acordo com sua luz primordial1, algo que ela deveria ver.
Podemos conjecturar a Ascensão tendo se passado aos olhos de todos de um modo igual. Entretanto, cada um deve ter notado qualquer coisa de completamente diferente. Para algumas almas, Nosso Senhor apareceu como um Rei resplandecente de glória, subindo ao Céu e refulgindo de poder sagrado; a outras, com uma nota mais dominante de Mestre sapientíssimo, levando consigo toda a Sabedoria; a outras, como o Taumaturgo poderosíssimo; a outras, como o Pastor boníssimo; a outras, enfim, apareceram o encanto e a meiguice do Divino Salvador.
Nosso Senhor Jesus Cristo, se ousássemos afirmar isto, mostrou-Se pequeno para os pequenos, meigo para os meigos, acessível para os tímidos e, assim, subiu ao Céu na glorificação de sua condescendência, de sua bondade, de sua afabilidade e misericórdia.
Alguns tê-lo-ão visto subir com aquele poder terrível da divindade manifestada por Ele quando respondeu aos soldados que O buscavam: “Ego Sum”, fazendo todos caírem por terra. Outros viram-no ascender de tal modo que as suas palavras mais carinhosas, mais afetuosas e condescendentes para com os homens tenham aparecido ali de uma forma verdadeiramente magnífica. E, sobretudo, todos viram tudo, mas cada um viu aquilo que faria mais bem para sua alma.
Como estava o Céu naquele momento
Enquanto Nosso Senhor Jesus Cristo subia, talvez o céu tenha tomado coloridos inefáveis, com irisações onde se alternaram o ouro e cores várias; as pessoas tenham ouvido músicas e experimentado sensações extraordinárias que eram coruscações da glorificação do Céu e do concerto dos Anjos baixando à Terra, para os homens compreenderem quais triunfos o Pai preparava para Ele.
Tudo isso é uma conjectura. Entretanto, algo à maneira disso se deu e a História não nos registra bem exatamente, nos pormenores e nas manifestações concretas. Mas esse é o efeito que a Ascensão d’Ele produziu sobre as almas, impressionando a todas de um modo ou de outro.
Fazendo uma recomposição hipotética de lugar, imaginemos Nosso Senhor subindo e a glória d’Ele empolgando cada vez mais.
Podemos, então, voltar os nossos olhos para os fiéis que estavam ali contemplando a Ascensão, a multidão embevecida, entusiasmada com o que via, mas com um entusiasmo sagrado, cheio de recolhimento, de veneração, de amor. Essa multidão, que era a semente da Igreja Católica, estava ajoelhada. Imaginem a impressão de piedade que todas aquelas almas deviam dar.
Ainda que não víssemos a elevação de Nosso Senhor aos Céus, mas apenas essas almas, pelo estado delas poderíamos saber como foi a Ascensão. E, no centro de tudo, naturalmente São Pedro e os Apóstolos, mas, sobretudo, Nossa Senhora!
A Ascensão e a missão de Maria
Nossa Senhora ficava enquanto a imagem de Cristo. Era Ela quem assegurava, nos planos da Providência, pela sua presença na Igreja, que aquela distância imensa estabelecida entre Nosso Senhor e os homens não era um abismo ou um hiato, mas, pelo contrário, havia algo que continuava e unia. Maria era exatamente a Mediadora onipotente, o traço de união entre o Céu e a Terra, entre Deus e os homens.
Ana Catarina Emmerich nos diz, e é muito explicável, que durante a presença de Nosso Senhor na Terra a Santíssima Virgem não apareceu tão claramente no esplendor de suas prerrogativas aos Apóstolos e aos primeiros católicos. E isso era para que a Pessoa de Nosso Senhor ocupasse a plenitude de tudo.
No entanto, a partir do momento em que Ele subiu aos Céus, começou-se a notar mais tudo quanto havia n’Ela e toda a sua semelhança com Ele, e isso foi reforçado com Pentecostes. Deste modo o fervor de todos para com Ela foi crescendo. Iniciou-se, então, aquilo que alguns escritores chamam “a missão de Maria”. E a missão terrena de Maria antes d’Ela subir ao Céu era fazer de algum modo as vezes da presença sensível de Nosso Senhor.
Começava a veneração “marial” a se tornar mais nítida, a tomar o caráter de um culto e Nossa Senhora iniciou o seu trabalho na Igreja, como quando o Sol se põe e aparece a Lua. E, embora a Lua não seja de nenhum modo o Sol, ela tem sua meiguice, seu encanto, sua beleza e seu atrativo, que é verdadeiramente maravilhoso!
Nosso Senhor Jesus Cristo partiu, mas nos deixou sua presença real na Eucaristia e sua Mãe Santíssima. E todas aquelas refulgências notadas na Ascensão começaram a se notar depois, conservados os devidos graus, na pessoa de Nossa Senhora. Iniciava-se, assim, a grande missão de Nossa Senhora na Igreja.
Com base nessas considerações, poderíamos nos perguntar o seguinte: “Se eu estivesse lá, como veria? De acordo com minha luz primordial, como imaginar?” Desde que se tenha o cuidado de compreender que não passa de uma hipótese – com certo substrato real no seu aspecto simbólico, não histórico –, existe a possibilidade de uma meditação muito frutuosa a respeito da Ascensão.
Magnificência do mistério
Ainda sobre a Ascensão, temos uma ficha tirada do L’Année Liturgique, de D. Guéranger2, com uma oração da liturgia grega a respeito de Nossa Senhora:
Senhor, após o cumprimento, por vossa bondade, do mistério oculto há tantos séculos e tantas gerações, viestes com vossos discípulos ao Monte das Oliveiras. Tínheis convosco Aquela que vos colocara no mundo, Vós, o Criador e Artífice de todas as coisas.
Não convinha, na verdade, que Aquela que em sua condição de Mãe sofrera mais do que qualquer outro quando de vossa Paixão, usufruísse de uma alegria que ultrapassa qualquer outra alegria, na glória de vossa carne?
Tomando parte também nessa alegria, glorificamos na vossa Ascensão ao Céu o grande benefício que Vós nos fizestes.
No Horto das Oliveiras, onde Nosso Senhor subiu, Nossa Senhora estava presente. A presença d’Ela era a primeira junto d’Ele na hora da glória porque tinha sido a primeira junto a Ele na hora da dor. Essa glorificação e alegria é algo pelo qual todos nós devemos dar graças, e não apenas Nossa Senhora.
A oração continua:
Colocastes no mundo, ó Soberana Imaculada, o Senhor de todas as coisas, o qual escolheu uma Paixão voluntária e subiu ao Pai, do qual não Se afastara ao Se encarnar. Ó maravilha inconcebível! Como, Vós que sois cheia de graça divina, contivestes em vosso seio o Deus incompreensível, Aquele que mendigou uma carne e que neste dia sobe aos Céus no meio de uma tão grande glória? E que deu a vida aos homens?
Essa oração glorifica Nossa Senhora, porque Ela deu a carne a Nosso Senhor, o qual, com a carne dada por Ela, sobe aos Céus. E isso torna-se para Ela, como Mãe d’Ele, uma glória incomparável.
Eis que vosso Filho, ó Mãe de Deus, após ter vencido a morte por sua Cruz…
Nosso Senhor, morrendo na Cruz venceu a morte do pecado.
…ressuscitou ao terceiro dia e, após ter aparecido aos discípulos, retomou o caminho para os Céus. Nós nos unimos a Ele em nossa veneração e vos cantamos e glorificamos em todos os séculos.
Esta frase foi o pensamento de todos os católicos que estavam no momento da Ascensão, depois de Nosso Senhor desaparecer e dos Anjos virem anunciar a volta d’Ele.
Salve Mãe de Deus, Mãe de Cristo Deus, Aquele que destes ao mundo, Vós O glorificais vendo-O neste dia elevar-Se da terra com os Anjos.
Maria Santíssima viu Nosso Senhor subir ao Céu por poder próprio, mas seguido de uma revoada de Anjos. Quem O tinha dado ao mundo, contemplava-O, naquele momento, sendo objeto de uma tão imensa glória! Podemos afirmar que a maior, a mais magnífica das meditações sobre a Ascensão foi feita por Nossa Senhora.v
(Extraído de conferência
de 18/5/1966)
1) A luz primordial é a virtude dominante que uma alma é chamada a refletir, imprimindo nas outras virtudes sua tonalidade particular.
2) Não dispomos dos dados desta ficha.