Pináculo de tudo quanto possa haver de meramente criado, Nossa Senhora é a Rainha do Céu e da Terra, dos Anjos e dos homens, Medianeira universal de todas as graças. Esses títulos e as inúmeras invocações que existem ou existirão até o fim do mundo para cultuar Maria Santíssima são uma decorrência da Maternidade Divina.
A importância, para a piedade católica, da Festa da Maternidade Divina da Bem-aventurada Virgem Maria está em que todas as graças extraordinárias que Nossa Senhora recebeu — e que fizeram d’Ela uma criatura única em todo o universo e na economia da salvação —, têm como ponto de partida e razão de ser o fato de Ela ser Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo e, portanto, Mãe de Deus.
Como os pequenos orifícios existentes nas areias das praias…
A propósito desse tema, é interessante ressaltar o modo pelo qual se estabelece a hierarquia na obra de Deus, como todas as coisas feitas por Ele são matizadas, e como isso é contrarrevolucionário.
O espírito revolucionário é a favor das simplificações. Pelo contrário, o espírito contrarrevolucionário ama o matiz, e quando vê uma coisa meio difícil de compreender e até meio antitética, ama aquilo porque compreende que naquela aparente antítese há, no fundo, uma verdade muito bonita que acabará por encontrar. É uma realidade que, desde pequeno, habituei-me a ver na Igreja.
Tive uma surpresa quando comecei a ver coisas aparentemente esquisitas na Igreja, e eu ficava meio enovelado com aquilo, mas depois aprofundava a análise do assunto e percebia que quanto mais esquisito, tanto mais bonita era sua explicação.
Habituei-me, assim, à ideia de que toda objeção que se pode fazer à Igreja é como aqueles furinhos que há na praia. Vê-se um furinho insignificante do qual estão saindo borbulhazinhas. Mete-se o dedo ali, e de dentro sai um caramujo.
Assim também na Igreja: tudo quanto se nos afigura como esquisito, meio incompreensível, antitético, contraditório, desde que saibamos buscar e esperar a explicação, quando de fato Nossa Senhora nos der a entender aquilo, ali encontraremos uma pérola, uma verdadeira maravilha.
É próprio da Igreja que, numa coisa eriçada de contradições, se encontre sempre uma harmonia profunda resultante de uma verdade.
A união hipostática foi feita com uma criatura humana e não angélica
Para um espírito cartesiano, o que pode parecer mais absurdo do que a figura da Mãe de Deus?
Pensemos em um indivíduo a quem nunca se expôs a Doutrina Católica e que toma conhecimento de que a Igreja, ao mesmo tempo em que ensina ser Deus eterno e puro espírito, afirma que Ele tem uma Mãe. Como é possível um ente espiritual ter essa Mãe material e carnal que, sendo temporal, gera um Ser eterno?
São contradições que, para um espírito protestante, correspondem a um verdadeiro absurdo. Ora, tratando-se da Santa Igreja Católica, nunca há absurdo. Existe, isto sim, uma harmonia profundíssima e superior presa a um princípio extraordinário. A questão está em esperar para compreender.
Consideremos que Deus eterno, perfeito, criou os anjos e, abaixo deles, os homens. Contudo, Ele não estabeleceu com um anjo a união hipostática, e sim com a natureza humana.
Também isso pareceria uma contradição: a superior dignidade dos anjos pediria que a união hipostática fosse feita com eles e, principalmente, com o mais alto, o melhor dentre eles. Ora, Deus estabelece a união hipostática com uma natureza inferior à angélica, e opera uma maravilha maior do que se a estabelecesse com o maior dos anjos.
Porque feita a união hipostática com um anjo, Deus dignificaria somente a natureza espiritual. Porém, ao realizá-la com uma criatura humana, Ele dignifica os anjos — porque o homem, enquanto tendo alma, é participante da dignidade espiritual dos anjos — bem como todo o reino material, pois o ser humano é também composto de matéria. Portanto, é todo o cosmo que se dignifica com essa aparente incongruência de Deus Se unir hipostaticamente a uma natureza inferior.
Um desequilíbrio na consideração da maternidade divina
Decorre daí uma disposição hierárquica admirável, toda ela matizada também. No ápice, Nosso Senhor Jesus Cristo, Homem-Deus. Depois, uma criatura humana que é o pináculo de tudo quanto pode existir de meramente criado: Maria Santíssima.
Ela, como Mãe de Deus, está posta como Rainha do Céu e da Terra, dos Anjos e dos homens, investida de todas as outras qualidades, graças e títulos, inclusive de Medianeira Universal de todas as graças, por causa de sua Maternidade Divina.
Assim, essa festa atrai a nossa atenção e a nossa piedade sobre aquilo que, de algum modo, é a própria raiz da devoção mariana: a Maternidade Divina de Nossa Senhora.
Isso é tão verdadeiro, tão ortodoxo! Entretanto, vejamos onde pode entrar um desequilíbrio na consideração dessa verdade.
Há uns vinte anos, eu quis fundar uma congregação mariana em um bairro de São Paulo e convidei para isso algumas pessoas conhecidas naquele lugar, sem saber já estarem elas influenciadas por certas tendências contrárias à sã doutrina.
Depois de confabularem entre si, uma delas me disse:
— A Congregação se chamará “Nossa Senhora Mãe de Deus”.
Título doutrinariamente irrepreensível, mas pouco usual naquela época. Então lhe indaguei:
— Mas por que você escolheu esse título que é pouco usual?
Resposta:
— Porque, afinal, só o que importa em Nossa Senhora é ser Mãe de Deus. Todo o resto não é nada.
Aqui já entra o desequilíbrio. É o mesmo que dizer: na árvore só o que importa é o tronco. A galharia, as folhas, as flores, os frutos, nada disso tem importância. Aceitar a doutrina da Maternidade Divina de Maria, procurando despojá-la de toda essa maravilhosa complexidade e dessa variedade de títulos que dela deflui, para ficar só com o tronco, já é, por si mesma, uma posição errada.
Nota-se nisso o bafo do espírito simplificador, protestante, sob o pretexto de ir às raízes, rejeitando o restante da galharia.
O espírito católico, ao contrário, leva-nos a venerar imensamente esse principal título de Nossa Senhora, respeitando-o como ele merece ser respeitado, mas sequiosos de tirar dele todas as suas consequências. Portanto, tendo o espírito aberto e voltado para as mil invocações que existem e se criarão, até o fim do mundo, para cultuar a Santíssima Virgem, debaixo desse ou daquele aspecto, o que será sempre uma decorrência da Maternidade Divina d’Ela.
Mãe dos homens
Há outro ponto muito importante para nós nessa invocação. Por ser Mãe de Deus, Nossa Senhora é também, por uma série de consequências e a título especial, Mãe dos homens.
Acredito que a mais preciosa graça que se pode ter, em matéria de devoção a Maria Santíssima, é a de Ela condescender em estabelecer com cada um de nós, por laços inefáveis, uma relação verdadeiramente materna.
Isso pode dar-se de mil modos, mas em geral Nossa Senhora se revela principalmente nossa Mãe quando nos tira de algum apuro, de modo a seu amparo nos ficar inteiramente inesquecível. Ou então, quando nos perdoa alguma falta que particularmente não tinha perdão, mas que Ela, por uma dessas bondades que só as mães têm, passa por nós, perdoa e elimina aquilo, como Nosso Senhor Jesus Cristo curava a lepra, de maneira a não ficar nada.
Realmente, nada ali merecia ser perdoado, não havia atenuante e não merecia senão a cólera de Deus; mas Ela, como Mãe, com seu poder soberano e com essa indulgência que as mães têm, com um sorriso apaga aquilo, elimina, e o passado fica completamente esquecido.
Nossa Senhora nos obtém graças dessas, às vezes de um modo tal que, para a vida inteira, fica marcada a fogo na alma — um fogo do Céu, não da Terra — essa convicção de que poderemos recorrer a Ela mil vezes, em circunstâncias mil vezes mais indefensáveis, e Ela sempre nos perdoará de novo, porque abriu para nós uma porta de misericórdia que ninguém fechará.
Creio ser disso que vivemos: um crédito de misericórdia aberto por Maria Santíssima; dessas misericórdias como poucas vezes terá havido. Por essa razão, embora nós não merecendo e fazendo de tudo, Ela ainda tem mais um sorriso, mais um perdão, Ela nos repesca mais uma vez.
Vem-me à memória uma passagem do Apocalipse: “Eis que pus à tua frente uma porta aberta que ninguém poderá fechar, pois tens pouca força, mas guardaste a minha palavra e não renegaste o meu nome”(1). Certa vez vi uma aplicação dessas palavras à devoção ao Sagrado Coração de Jesus, e acho imensamente legítima. Parece-me também muito legítimo aplicá-las ao Imaculado e Materno Coração de Maria para conosco.
Não conheço verdade mais palpável, mais digna de nosso amor e de nossa gratidão do que esta.
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 11/10/1963)