Imaginemos que um de nós estivesse acompanhando Nosso Senhor Jesus Cristo na sua Paixão, e Ele, a certa altura, pedisse um pouco de água. Levamos-Lhe um copo, o Divino Redentor bebe a água e, cheio de amor e dor, diz: “Mas, meu filho, tão pouco nesse copo?” E continua carregando a sede que por negligência não matamos. Não é verdade que isso nos marcaria até o fim da vida? Eu morreria inconsolável! Ora, isso é o que fazemos quando não Lhe damos o que Ele queria de nós.
Tomando em consideração que cada um de nós foi chamado a matar a sede do Redentor ao longo dessa Paixão atroz pela qual passa a Santa Igreja, e que essa sede nós mataríamos se oferecêssemos todo o esforço, todo o sacrifício que poderíamos fazer, quiçá se Ele nos aparecesse, diria: “Meu filho, tão pouca água nesse copo?”
Esta é uma reflexão muito apropriada para a Semana Santa. Ele tem poucos a quem pedir isto; pede a nós, e damos os copos negligentemente cheios, de qualquer água do caminho, ao invés de procurarmos uma fonte com água magnífica e levarmos uma jarra, para enchermos novamente o copo caso Ele queira beber mais.
Por exemplo: do que valem as nossas Comunhões, nosso Rosário? Se nos fossem pedidas contas, o que teríamos a dizer? E se não for suficiente? Se tal coisa que eu deveria ter dito com entusiasmo não o fiz?
Não pretendo acabrunhar ninguém com meditações muito pesadas, mas quando se aproxima a Semana Santa a ocasião é particularmente indicada para essas considerações. Aliás, a Igreja realiza cerimônias pungentes nesse período precisamente para tocar as nossas almas nesse sentido.
Por isso aconselharia o seguinte: na Sexta-Feira Santa, às três horas da tarde, considerar que Nosso Senhor está morrendo, e nesse momento, do alto da Cruz, Ele viu a vida inteira de cada um de nós e teve sede.
Quando Ele gemeu “sitio” – tenho sede –, sem dúvida padecia uma grande sede física, devido à enorme quantidade de sangue que vertera. Mas a principal era a sede de almas. Jesus teve, portanto, sede de incontáveis almas, dentre as quais estava a minha. Na medida em que correspondo ou não às graças que Ele conquistou para mim com sua Paixão, posso aumentar ou mitigar sua sede.
De maneira que cada um de nós tem o poder de atenuar o sofrimento d’Ele no alto da Cruz. Donde a importância de pensarmos: ao menos nesta hora eu vim me recolher, pôr-me diante do Santíssimo Sacramento, aos pés de uma imagem de Nossa Senhora e pedir que Ele toque minha alma, e dê vida a esses pensamentos.
Há uma canção muito piedosa a Nossa Senhora, que se costuma entoar durante a Via-Sacra, que diz em uma de suas estrofes: “Sancta Mater istud agas: Crucifixi fige plagas corde meo valide”– Santa Mãe, faze isto: fixa em meu coração, de modo efetivo, as chagas do Crucificado.
Pois bem, na Sexta-Feira Santa, às três horas da tarde, por exemplo, é o momento de dizer: “Santa Mãe, fixai as chagas do Crucificado no meu coração valide, ou seja, validamente, de fato”. E assim, não passarmos a Semana Santa com as futilidades da vida comum, mas mantermos firme no nosso espírito essa clave.
Melhor ainda seria se recitássemos os mistérios dolorosos do Rosário todos os dias nesse espírito e com esta ideia: “Em cada mistério atenuo as dores que Nosso Senhor Jesus Cristo sofreu naquele tempo.” Assim, estaremos dando-Lhe um copo d’água que Ele está nos pedindo.(*)
Plinio Corrêa de Oliveira
* Cf. Conferência de 7/4/1990.