Numa conferência para jovens, no tempo de Natal, Dr. Plinio fez duas meditações, de tipos diferentes, a fim de verificar qual delas mais tocava o coração de seus ouvintes. A primeira, seguindo o método de Santo Inácio de Loyola, com pouco apelo ao sentimento. Improvisou em seguida a outra, com pensamentos formulados mais de acordo com as novas gerações. Transcrevemos aqui o cerne da segunda meditação.
A bordo agora o tema por um prisma inteiramente diferente do da escola de Santo Inácio de Loyola. Isso servirá para verificar que tipo de meditação mais toca a geração dos que estão aqui.
Imaginem-se vendo chegar os Reis Magos com suas caravanas, os animais carregados de tesouros, a estrela, etc., e esses Reis oferecendo ao Menino Jesus, em atitude de adoração, ouro, incenso e mirra.
Retendo na imaginação tal fundo de quadro, qual das cenas que vou descrever causaria a cada um dos que aqui estão mais alegria de alma? Por qual delas sentir-se-iam mais próximos do Menino Jesus?
N’Ele poderíamos considerar, entre outros aspectos, a infinita grandeza, de um lado; a infinita acessibilidade, de outro lado; e também sua infinita compaixão.
Ao considerar a infinita grandeza, podemos imaginar uma gruta alta, grande quase como uma catedral, que não tivesse evidentemente uma arquitetura definida, mas onde o movimento das pedras nos fizesse pressentir vagamente as ogivas de uma catedral da futura Idade Média.
Podemos imaginar ainda a lapa onde ficava o berço do Menino colocada num ponto majestoso da encruzilhada dessas várias naves laterais naturais, com uma luz celeste, toda de ouro, pairando sobre Ele naquele momento.
O Menino Jesus, com majestade de verdadeiro rei, embora deitado em seu presépio e sendo ainda uma criança. Ele, rei de toda majestade e de toda glória. O criador do Céu e da terra, Deus encarnado feito homem. Ele, desde o primeiro instante de seu ser — portanto já no claustro materno de Nossa Senhora —, tendo mais majestade, mais grandeza, mais manifestações de força e de poder que todos os homens que existiram e existirão na terra.
Ele, incomparavelmente mais inteligente do que São Tomás de Aquino, mais poderoso do que Carlos Magno, Napoleão ou Alexandre. Ele, conhecedor de todas as coisas, sabendo incomparavelmente mais do que qualquer cientista moderno. Ele, manifestando na fisionomia sempre variável essa majestade feita de sabedoria, de santidade, de ciência e de poder.
Imaginem-se, portanto, encontrando isso misteriosamente expresso na fisionomia desse Menino. Ele às vezes movendo-se, e no movimento aparecendo o seu lado de Rei. Abrindo os olhos, e no olhar aparecendo um fulgor de tal profundidade que fizesse ver n’Ele um grande sábio.
Estando rodeado por uma atmosfera tal que nimbasse de santidade todos os que d’Ele se acercassem. Uma atmosfera de pureza tal que as pessoas não se aproximassem sem antes pedir perdão por seus pecados, mas ao mesmo tempo se sentissem atraídas a se corrigirem, pela santidade que emanava do local.
Imaginem ali, ainda, Nossa Senhora aos pés do Menino Jesus, também Ela como verdadeira Rainha, com uma dignidade e imponência tais, que não precisava nem de roupas nobres nem de tecidos de qualidade para se fazer valer.
Conta-se de Santa Teresinha que ela era tão imponente, que o pai a chamava “minha pequena rainha”. O jardineiro do carmelo contou, no processo de canonização, que viu certa vez uma freira, de costas, fazer alguma coisa, e essa freira era Santa Teresinha. O “advogado do diabo” então perguntou: “Como é que, vendo-a de costas, o senhor sabia que ela era Santa Teresinha?” Ele respondeu: “Pela majestade dela. Ninguém tinha a mesma majestade”.
Se assim foi Santa Teresinha, o que seria Nossa Senhora? Imaginem, portanto, Nossa Senhora majestosíssima, transcendente, puríssima, rezando ao Menino Jesus. E os anjos, invisíveis, cantando hinos de glorificação, com toda a atmosfera reinante saturada de valores tais que se diria haver naquela pobreza e naquela miséria uma atmosfera de corte.
Imaginem-se aproximando e sentindo a grandeza do Menino-Deus, e adorando-O pelos seus aspectos nobres, belos, santos, intransigentes e combativos. Adorando esse Menino que atrai para junto de si todas as formas de grandeza, todas as formas de pureza, todas as formas de santidade que d’Ele dimanam, e que não são senão participação da santidade d’Ele; e que, ao mesmo tempo, rechaçando para longe de si o pecado, o erro, a desordem, o caos, a Revolução¹, deixa-os no chão, de longe, sem nem sequer ousar levantar os olhos para aquela cena magnífica em que a ordem, a hierarquia, a pompa e o esplendor dominam completamente.
Imaginemos, agora, o Menino Jesus imensamente acessível. Esse Rei tão cheio de majestade em certo momento abre para nós os olhos. Notamos que seu olhar puríssimo, inteligentíssimo, lucidíssimo, penetra em nossos olhos até o mais fundo. Vê o mais fundo de nossos defeitos, como também o melhor de nossas qualidades, e toca nesse momento a nossa alma, como tocou, 33 anos depois, a de São Pedro.
Conta-nos o Evangelho que o olhar de Nosso Senhor para São Pedro foi tal que este saiu e chorou amargamente. Chorou a vida inteira. E esse olhar provoca em nós uma tristeza profunda por nossos pecados. Dá-nos horror aos nossos defeitos.
Mas também, penetrando em nós, mostra-nos seu amor não só às nossas qualidades, mas também à condição de criaturas feitas por Ele. Um amor a nós, apesar de nossos defeitos, por sermos destinados a um grau de santidade e de perfeição que Ele conhece e ama enquanto podendo existir em nós.
E, quando o pecador menos espera, por um rogo amável de Nossa Senhora, o Menino sorri. E com esse sorriso, apesar de toda a sua majestade, sentimos as distâncias desaparecerem, o perdão invadir nossa alma, uma qualquer coisa nos atrair. E, assim atraídos, caminhamos para junto d’Ele. Ele afetuosamente nos abraça e pronuncia nosso nome. — Fulano! Eu te quis tanto e te quero tanto! Desejo para ti tantas coisas e perdoo-te tantas outras. Não penses mais nos teus pecados! Pensa apenas, daqui por diante, em servir-Me. E em todas as ocasiões de tua vida, quando tiveres alguma dúvida, lembra-te desta condescendência, desta amabilidade, deste beneplácito que agora te faço, e recorre a Mim por meio de minha Mãe, que atender-te-ei. Serei teu amparo e tua força, e esse amparo e essa força hão de te levar ao Céu para ali reinar ao meu lado por toda a Eternidade.
Essa seria, portanto, a meditação enfocada pelo prisma da acessibilidade do Menino Jesus.
Imaginem, agora, a misericórdia do Menino Jesus, não só enquanto visando ao nosso bem e ao que há em nós de bom e de mau, mas olhando para a condição miserável de todo homem na terra.
Olhando, portanto, para nossa tristeza, para o sofrimento que cada um traz em si, passado, presente e futuro, que Ele já conhece porque é Deus. Olhando, inclusive, para o risco que nossa alma corre de ir para o Inferno. Pois o homem, enquanto está na terra, arrisca-se a se condenar.
Imaginem, ainda, o Menino Jesus olhando o Purgatório e os tormentos que ali nos aguardam se não formos inteiramente fiéis. Brota n’Ele, então, um olhar de pena, de participação profunda na nossa dor, um desejo de remover esta dor em toda a medida que for possível para nossa santificação um desejo de nos dar forças para suportar essa dor na medida em que ela for necessária para nos santificarmos.
Notamos n’Ele, então, aquilo que tanto consola o homem, e que Ele não encontrou quando chegou sua hora de sofrer: a compaixão perfeita. Está na natureza humana — e é uma coisa reta — de se consolar na hora do sofrimento pelo fato de ter alguém que nos tenha pena. A pena divide o sofrimento. O homem é feito de tal maneira que, quando ele está alegre e comunica sua alegria, ele dobra essa alegria; quando está triste e comunica sua tristeza, divide essa tristeza. “A fortiori” somos nós assim em relação ao Menino Jesus, ao encontrarmos n’Ele a compaixão perfeita.
Em todos os sofrimentos de nossa vida, portanto, quando a taça a beber for muito amarga, devemos repetir por meio de Nossa Senhora a oração d’Ele: “Meu Pai, se for possível, afaste-se de mim este cálice; mas faça-se a vossa vontade e não a minha”. Quer dizer, em todos os momentos pediríamos que a dor passasse; mas se fosse da vontade d’Ele que ela viesse sobre nós, teríamos certeza de que durante a dor encontraríamos a dor compassível d’Ele: “Meu filho, Eu sofro contigo! Soframos juntos, porque Eu sofri por ti. Há de chegar o momento em que tu participarás eternamente de minha alegria”. E nós podemos ter a certeza de que o olhar compassível de Jesus não nos abandonará um momento sequer de nossa existência.
Ao longo das vicissitudes da existência quotidiana deveríamos reter esta tríplice lembrança: a da majestade infinita, a da acessibilidade infinita, e a da compaixão sem limites do Menino Jesus em relação a nós. E esta deveria ser uma lembrança sensível, pois procuraríamos compor em nossa imaginação o quadro tal qual ele nos toca.
Uma objeção que se poderia fazer é que o presépio não pode conter ao mesmo tempo esses três aspectos. Não é verdade. Em Nosso Senhor, enquanto natureza humana, as perfeições, os estados de alma, também todos eles perfeitos, existiam em graus diversos ao mesmo tempo, conforme as circunstâncias de sua vida. Existiam, e Ele foi cheio de majestade, de acessibilidade, de exorabilidade, de compaixão para com os homens desde o momento em que veio à terra. É natural que, apesar de Menino, conforme as almas que d’Ele se acercassem, ora aparecesse um aspecto, ora outro.
Seria muito bonito se numa igreja, em vez de um só, houvesse três presépios em três altares diferentes, nos quais as figuras e toda a ambientação representassem cada um desses aspectos, facilitando assim a cada alma a meditação que mais lhe tocasse.
Como eu gostaria de ter entre nós pintores ou desenhistas que soubessem, por exemplo, pintar três presépios de acordo com essa concepção! Ou seja, presépio ostentando toda a grandeza, ou toda a acessibilidade, ou toda a compaixão de Nosso Senhor. Como Seria bonito!
O difícil seria pintar aquilo que é o centro do presépio: um Menino recém-nascido que, sem perder as características de Menino, tivesse tudo isso. E tivesse sobretudo um olhar. Como pintar um olhar infantil capaz de exprimir tais coisas? Antes de pintor, esse artista deveria ser psicólogo, para primeiro imaginar esse olhar, e depois pintá-lo.
Se alguém se sente propenso a pintar olhares, esse seria o pintor que iniciaria a nossa escola. Tenho a impressão de que, no pintar expressão de olhar, nossa escola estaria largamente representada.
Plinio Corrêa de Oliveira
Revista Dr Plinio 57 – Dezembro de 2002
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